quinta-feira, 11 de outubro de 2012

'A reforma tributária está caminhando'

Maior desafio é a unificação de alíquotas do PIS-Cofins e do ICMS, diz Barbosa

O governo Dilma abandonou a prática do passado de tentar mudar de uma única vez todo o sistema tributário brasileiro e introduziu a sua Reforma Tributária fatiada com as medidas pontuais para desonerar setores da economia. "A reforma já começou e está caminhando. Cada tema com a sua velocidade", afirma o ministro interino da Fazenda, Nelson Barbosa. Ele admite que os maiores desafios são a unificação das alíquotas do PIS-Cofins e do ICMS.

Nelson Barbosa concorda que a melhor opção seria o governo insistir na adoção de um IVA nacional, que incorporaria o ICMS e o PIS-Cofins. "Mas nem sempre o ótimo é o melhor." E o melhor, nesse caso, é fazer uma discussão isolada de cada tema para que, no futuro, se possa convergir para o IVA nacional. Ele garante que as desonerações não vão afetar a meta de superávit primário, mas reconhece que, diante da queda na arrecadação, o governo pode recorrer à dedução dos recursos de investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Embora o tema central fosse a reforma tributária, o ministro interino concordou em avançar nas discussões sobre a política macroeconômica e rebateu teses de que haveria mudança no tripé de sustentação da economia - meta de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante. "O carro continua o mesmo com volante, câmbio, pedal e freios. Só a estrada é diferente", disse, sobre a necessidade de adaptar a política econômica aos impactos da crise financeira mundial. Ele também defende o ritmo em que a inflação está convergindo para o centro da meta, fixado em 4,5%. "Ter uma convergência mais rápida poderia sacrificar o crescimento além do necessário."

O governo tem um projeto de reforma tributária?

A reforma tributária já começou e está caminhando. Desde o início do governo da presidente Dilma apresentamos ao Congresso o que ficou caracterizado como proposta de reforma fatiada ou uma reforma tributária em partes. Ela consiste de várias iniciativas, em separado, para agilizar a aprovação. Cada tema com a sua velocidade.

A próxima etapa do PIS-Cofins parece ser uma discussão polêmica.

Vamos decidir se tornamos o benefício mais abrangente para considerar que toda compra de insumo gere crédito. Além da discussão sobre unificação da alíquota do ICMS. As mudanças no ICMS são mais um eixo. Elas começaram com a resolução 13 do Senado, que reduziu para 13% a alíquota interestadual para bens que tenham conteúdo de importação muito elevado. A proposta é reduzir a alíquota do ICMS como um todo. Não há uma posição fechada sobre isso, nem no Confaz nem no governo federal.

O governo quer permitir que todos os setores tenham direito ao crédito tributário do PIS-Cofins?

Hoje, você tem o sistema não cumulativo com uma alíquota de 9,25% sobre o valor adicionado, mas nem tudo gera crédito. Isso gera um trabalho para as firmas porque devem separar o que gera e o que não gera crédito. A intenção do governo - lá na frente - é que em toda compra o insumo gere crédito. É isso o que estudamos. Atualmente, tem o sistema não cumulativo e o cumulativo, que paga uma alíquota menor de 3,65% do faturamento, mas nada gera crédito. Alguns setores permanecem nesse sistema, mas não é a maioria. Cerca de 20% da arrecadação do PIS-Cofins ainda é no sistema cumulativo. O restante está no sistema não cumulativo com alíquota de 9,25%.

Termina o sistema cumulativo?

Essa é a discussão. Pode ser que para alguns setores esse sistema cumulativo ainda seja interessante. Estamos discutindo essa transição, se deve ser gradual. É uma questão que causa problemas técnicos e políticos.

Quanto o governo deixa de arrecadar?

Estou sendo cuidadoso porque a proposta não está fechada. Poderíamos fazer já. Mas não há espaço fiscal para isso. Não é uma medida para adoção imediata. A questão será discutida ao longo do ano que vem e implementada depois. O valor, não posso passar.

O governo também está revendo os programas de incentivos?

Temos reavaliado todos os regimes tributários com o objetivo de checar se aumenta a geração de valor e emprego no Brasil. Estamos reavaliando para saber se devem ser mantidos. O princípio geral é não dar incentivo à importação quando houver similar nacional produzido no Brasil. Os financiamentos, os fundos constitucionais, as regras de concessão estão incorporando o incentivo à produção nacional.

Qual a renúncia tributária já feita?

É para mais de centena de bilhões. O Brasil está crescendo mais e aumentando o grau de formalização da economia, mais pessoas entrando no mercado de trabalho e com carteira assinada, mais empresas se formalizando com acesso a crédito, proteção e seguro. Isso dá espaço fiscal para fazer desoneração, mantendo a estabilidade fiscal. O Brasil vive um bom fenômeno: ao aumentar a formalização da economia, com a mesma alíquota arrecada mais. Mas também não dá para fazer qualquer desoneração. A gente tem de escolher qual faz primeiro e qual faz depois.

É uma abordagem diferente. O mundo está em crise, mas a economia brasileira vai crescer, sempre. De onde vem tanta certeza?

Nós atravessamos 2009. A Europa está particularmente mais em crise, em relação aos principais blocos econômicos. Nos EUA, o crescimento é de cerca de 2% ao ano. Não é uma questão de crise, é de uma recuperação mais lenta. Vai levar mais tempo para recuperar as perdas. Eu acho que a gente consegue. Temos perfeitas condições de voltar a crescer entre 4% e 5%. Essa é uma característica natural da economia brasileira. Tem muitas oportunidades de investimentos ainda a serem aproveitadas. Tem milhões de pessoas que já entraram na classe média e tem milhões de outras pessoas a entrar na classe média. Esse ciclo virtuoso possibilita um processo de crescimento.

O que está acontecendo este ano é uma perda de arrecadação...

Este ano estamos perdendo a arrecadação de alguns impostos. Mas a principal fonte de queda da previsão de arrecadação é uma frustração no recolhimento do Imposto de Renda e da Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) decorrente da desaceleração do crescimento no final do ano passado e início deste ano e da queda dos preços das commodities, que atingiu nossas principais firmas. A desoneração também tem impacto, mas a frustração de receita é decorrente do ciclo econômico de fatores mundiais e não de fatores internos.

Quando se faz um desoneração pontual e setorial não se corre o risco de desorganizar o sistema tributário?

Acho que não. Estamos tomando o cuidado para que cada reforma dessa seja autocontida. Por exemplo, a questão da expansão e aperfeiçoamento do Supersimples não está diretamente ligada à tributação sobre a folha nem à questão do ICMS interestadual. Cada passo desse acaba reforçando um ao outro. São mutuamente consistentes.

Qual a diferença entre o IVA nacional e a unificação das alíquotas do ICMS no contexto dessas mudanças?

O IVA nacional seria fazer a reforma do PIS-Cofins e ICMS ao mesmo tempo, conjuntamente. Seria uma boa medida. Só que a complexidade técnica e, principalmente, política de se fazer esse movimento conjunto é muito grande. É por isso que tentativas anteriores de reformar tudo ao mesmo tempo em uma medida só acabaram enfrentando fortes resistências e não tiveram sucesso.

A mudança no ICMS pode ser concluída este ano?

É uma longa discussão. Pode começar a se resolver este ano. Estamos finalizando várias propostas no Confaz. Os Estados, entre eles, também se organizam e têm suas propostas. Nós estamos preparando uma proposta para transição para uma alíquota interestadual mais baixa. Já apresentei no Congresso que o ideal seria migrar para uma alíquota de 4% - hoje é de 12% ou 7%, dependendo da transação. É migrar gradualmente para os 4%, que seria o ponto de chegada. É preciso definir em quanto tempo. O máximo seria o prazo de oito anos porque dá tempo para os Estados e a União se adaptarem a esse novo sistema.

É uma discussão complexa porque há os que ganham e os que perdem.

Há um forte debate sobre isso. Nós já fizemos levantamentos que mostram que num sistema de quatro a quatro, a preço de 2011, os Estados perderiam no máximo R$ 13,6 bilhões. Mas isso é uma perda nacional. A maior parte dos Estados não arrecada isso. Essa reforma do ICMS é extremamente necessária porque vai eliminar a incerteza jurídica e aumentar a arrecadação dos Estados.

A guerra fiscal se esgotou?

A guerra fiscal hoje virou um jogo de soma negativa. Os Estados arrecadam menos e as empresas não se beneficiam. Os incentivos que passam pelo Confaz são contestados no STF (Supremo Tribunal Federal) e criam insegurança jurídica porque a empresa pode ser obrigada a pagar com multa e juros todo o ICMS que não pagou. Virou um processo ineficiente e negativo.

O difícil é chegar a um acordo.

A maioria dos governadores concorda que é preciso mudar o sistema. A divergência é qual a alíquota final e em quanto tempo a gente chega lá. Há um potencial de arrecadação maior que poderá ser utilizado em desonerações no âmbito estadual. Vai mudar a lógica. A alíquota será cobrada do consumidor de seu território. Quando tiver a tributação mais concentrada no destino, toda a lógica muda. Fica mais focada sobre o consumidor do que sobre a produção. É mais transparente porque tem mais controle sobre o tributo cobrado dos residentes de seu território.

Aí acaba a política de estímulo a investimentos nos Estados?

Você tem que ter estímulo. A política de desenvolvimento regional tem de existir. É importante que tenha uma alíquota interestadual. O principal instrumento de política de desenvolvimento regional são incentivos federais. É uma política federal positiva com ganho para o País.

Depois de todo esse processo de desoneração, a carga tributária diminuiu?

A carga tributária bruta está estável em 33% a 35% do PIB, nos últimos anos, por causa das desonerações, porque aumentou a base de arrecadação. A base de tributação em termos do PIB aumenta porque a economia se formaliza. Isso possibilita reduzir alíquota e mantém a carga no mesmo nível. A carga tributária líquida do governo federal é cerca de 11% do PIB e está nesse nível desde 2002.

Esse novo formato sobre como a economia vai caminhar veio para ficar ou é circunstancial?

Não acho que teve nenhuma mudança. Continuamos com o mesmo arcabouço institucional de política econômica. O que nós temos é a administração da política econômica para se adaptar a esse contexto internacional extraordinário.

Autor(es): BEATRIZ ABREU
O Estado de S. Paulo - 11/10/2012

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