quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Suspender protocolo não impede cobrança dupla de ICMS

"Enquanto todos os países incentivam o comércio eletrônico, os estados do norte e do nordeste estão na contramão, desestimulando o negócio", diz o tributarista Fernando C. Queiroz Neves, do Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia. A crítica é feita ao Protocolo ICMS 21, de abril de 2011, no qual 19 estados e o Distrito Federal acordam que o estado de destino de mercadorias compradas pela internet, por exemplo, deve recolher ICMS (que é recolhido no estado de origem do produto).

Com o protocolo, Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe, Tocantins e o Distrito Federal passaram a cobrar o tributo na entrada de produtos que se destinam ao consumidor final. Com isso, empresas de comércio eletrônico que vendem para outros estados passaram a ter três opções: recolher o imposto duas vezes, ficar com suas mercadorias apreendidas na fronteira do estado de destino ou fazer com que seus motoristas andem com liminares no bolso, com decisões judiciais que os permitem não recolher a tarifa até que sua constitucionalidade seja decidida pelo Supremo Tribunal Federal.

O tributarista Victor Gomes, do Barros Ribeiro Advogados, recomenda a terceira opção. Tanto ele como Neves afirmam que a medida é inconstitucional, uma vez que "a Constituição Federal não admite uma nova alíquota onde não há previsão na Carta Magna". O Protocolo 21, do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), então, iria contra essa determinação. A medida de apreender mercadorias para cobrar o tributo, alerta o advogado, também vai contra a Súmula 323 do STF, que diz ser "inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos".

Para Gomes, a única alternativa para a mudança na forma de recolhimento do ICMS seria com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Tal proposta já existe e tramita no Senado. É a PEC 56/2011 cujo autor é o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC). O senador propõe dividir os 17% devidos em transações pela internet entre estado de origem e estado de destino. Enquanto o estado de origem recolheria a maior parte (12%), o estado de destino ficaria com 5%.

Sem efeito

Também alegando inconstitucionalidade do Protocolo 21, a Confederação Nacional das Indústrias entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, pedindo a suspensão do protocolo. O problema é que, mesmo que seja concedida a liminar pleiteada pela entidade, pode não ter efeito algum. Gomes afirma que a suspensão do protocolo não afetará os estados, uma vez que o protocolo é apenas um acordo entre os estados, mas o que faz eles cobrarem o imposto são as legislações estaduais, soberanas.

Segundo o tributarista, agora que leis estaduais foram modificadas para que os estados recolham ICMS quando são destinos de mercadorias vendidas à distância, a única solução possível será o questionamento de cada uma dessas leis, como foi feito pela Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba, que conseguiu a suspensão da cobrança no estado com um ADI.

O advogado Fernando Neves traça um paralelo entre o que acontece agora com o comércio eletrônico e o que aconteceu com a telefonia anteriormente. "Mudaram a legislação para que se recolha impostos de onde é feita a ligação, e não onde ela terminava", explica ele, para quem o recolhimento de ICMS no estado de destino é "um descompasso".

Já Gomes concorda que a divisão seja feita, desde que de acordo com a Constituição Federal. "Para a empresa, mudaria muito pouco e seria apenas burocracia, desde que não aumentem o valor da contribuição."

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 26 de janeiro de 2012

O DEBATE SOBRE O SISTEMA FISCAL DEVE SER APROPRIADO PELA SOCIEDADE

“O debate sobre sistema fiscal não pode ficar restrito a algumas pessoas, mas deve ser apropriado pela sociedade como um todo. O Brasil é um país rico, mas possui um povo pobre”, disse o presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, durante a abertura da oficina “A Justiça Fiscal como instrumento para redução das desigualdades”, realizada ontem, no Plenário Ana Terra, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre durante a programação do Fórum Social Temático.

O economista e pesquisador de política social da UnB, Evilásio Salvador, apresentou a desigualdade no sistema fiscal brasileiro. Segundo ele, o rico não paga imposto e quando paga, paga pouco como demonstra a publicação “A Distribuição da Carga Tributária: Quem Paga a Conta“.

Para o painelista, “tributo é o preço da cidadania” e que um exemplo de injustiça fiscal pode ser visualisado com o dado de que jatinho não paga IPVA enquanto que o carro popular paga. Além disso, ressaltou que a profunda regressividade dos tributos sobre consumo tem promovido grande parte da desigualdade social, na medida em que tributa com maiores alíquotas produtos mais essenciais. Em Santa Catarina, por exemplo, enquanto um iate está sujeito à alíquota de ICMS de 7¨%, os remédios pagam 17%.

Para Evilásio, ao longo dos anos, os princípios da Constituição Federal de 1988 foram sendo sutilmente modificados e as desigualdades sendo aumentadas.

Ele chamou a atenção para o fato de que a tributação é pouco utilizada para outros fins de interesse social, como a de proteção ambiental, por exemplo, o que já vem sendo feito em outros países. Além disso, segundo ele, “há uma falta de isonomia na tributação da renda: os trabalhadores é que pagam a maior parte da conta, enquanto lucros e dividendos são isentos do IR; a renda fundiária sofre uma pequena tributação que vai de 0,03% a 20%, além de possuirmos uma baixa tributação sobre os produtos financeiros”.

Roberto Bissio, jornalista uruguaio, diretor executivo do Instituto do Terceiro Mundo e coordenador da rede Social Watch, apresentou as peculiaridades dos sistema fiscais do mundo, que contribuem para a concentração de renda. Usando os EUA como exemplo, apresentou demonstrativo do quanto aumentou a concentração de riquezas nos últimos anos, e o quanto a tributação tratou de forma privilegiada os mais ricos e ressaltou que, com exceção dos países latino-americanos, todos os países centrais tiveram uma elevação na concentração das riquezas e que o aprofundamento das desigualdades nestes países é fortemente condicionado pela tributação e pela estrutura dos gastos públicos.

O jornalista uruguaio demonstrou que este movimento de aumento da concentração das riquezas vem acompanhdo com a criação e disseminação dos paraísos fiscais que se constituem em verdadeiros esconderijos para que os detentores de riquezas possam fugir das tributações dos países. Segundo ele, a maior parte do dinheiro, em torno de 60%, que circula pelos paraísos fiscais, diferententemente do que a maioria da população pensa, são oriundos de grandes empresas multinacionais, reconhecidas, algumas com importantes programas de responsabilidade social, mas que utilizam esta estrutura para reduzir seus custos tributários, em operações simuladas e ilegais.

Para o painelista Antonio David Cattani, economista e professor de sociologia da UFRGS, “é necessário personificar a riqueza de maneira que possam ser responsabilizados os causadores de crimes contra o meio ambiente, por exemplo”. Segundo ele, por trás das corporações estão pessoas, com CPF e endereço, e que se apropriam de riquezas sem qualquer compromisso ou responsabilidade com a sociedade, com o País ou com a própria humanidade e que se colocam acima dos Estados. Para o palestrante, não basta estudarmos a pobreza, mas é preciso conhecer a riqueza e que os paraísos fiscais são instrumentos de produção da desigualdade e de evasão fiscal.

Mariana Paoli, representante da organização CHRISTIAN AID encerrou a oficina do dia 25 convidando os participantes a fazerem parte da campanha que pede o fim do sigilo de paraísos fiscais em benefício dos mais pobres acessando Fim aos Paraísos Fiscais. A campanha foi iniciada por oito organizações há um ano atrás e atualmente já possui 50.

Segundo ela, a campanha objetiva que os líderes do G20 adotem medidas para acabar com o sigilo dos paraísos fiscais que permite que empresas escondam seus lucros e evitem pagar impostos em paises em desenvolvimento.

O evento é uma realização do Instituto Justiça Fiscal em parceria com do Sindifisco Nacional – Delegacia Sindical em Porto Alegre. O Sindifisco estava representado pela auditora-fiscal Maria Salete Mocelin.

Hoje, está sendo realizada a Oficina “A Transparência nas Contas Públicas – Como é e Como deveria Ser, no Teatro Glênio Peres, no Legislativo Municipal de Porto Alegre.

Novas armas de combate à sonegação no país

O objetivo era recuperar aos cofres públicos R$ 1 bilhão em impostos desviados.

Roberto Abdenur

A sonegação fiscal é um dos fatores que mais comprometem o desenvolvimento de uma economia, especialmente quando se trata da economia de um país emergente, como o Brasil. Toda sorte de justificativas é usada pelos sonegadores, desde a alta carga tributária, passando pelos complexos passos para o pagamento dos impostos, até a corrupção entre os responsáveis pelo destino do tributo.

Apesar de total ou parcialmente verdadeiras, na grande maioria dos casos essas justificativas acabam sendo usadas mais como pretextos para uma prática que vem corroendo a saúde da economia nacional: a concorrência desleal. Para enfrentar o problema, vez ou outra, se fazem megaoperações, que têm caráter punitivo e também um significativo efeito midiático. Em agosto, por exemplo, a Polícia Federal levou a cabo uma dessas iniciativas, com ações coordenadas no Distrito Federal e em 17 Estados. O objetivo era recuperar aos cofres públicos R$ 1 bilhão em impostos desviados.

Essas operações são muito importantes, pois fazem parte do esforço de fiscalização. Mas a prevenção também é fundamental para evitar que haja sonegação de impostos. Neste caso, a tecnologia pode ajudar. Principalmente quando proporciona os recursos necessários para o rastreamento de produtos, desde sua produção até a venda ao consumidor. Mecanismos para rastrear e controlar produtos têm sido desenvolvidos em iniciativas de empresas e instituições da sociedade civil que contam com a colaboração da União e de unidades da Federação.

Dois mecanismos têm tido bons resultados: o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) e o Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios). São dois setores da economia muito bem organizados, mas que frequentemente sofrem concorrência desleal por estarem na mira de alguns produtores ansiosos por obter vantagens competitivas pela via da sonegação de impostos. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que mais de 60% das vendas de destilados ocorrem na informalidade. Para mudar essa realidade, em 2008, a União adotou o Sicobe, ferramenta que permite rastrear a bebida produzida no País. O Sicobe envia à Receita Federal, em tempo real e diretamente das fábricas, informações sobre fabricante, marca, data de fabricação do produto, volume, embalagem, etc.

Os resultados são expressivos: um ano após sua implantação, a arrecadação de impostos federais, como IPI, PIS e Cofins, aumentou em 20% no setor de bebidas. O sucesso está levando os Estados a repetir a experiência, para combater a sonegação de tributos como o ICMS. O desembolso de R$ 0,03 por unidade, a fim de ressarcir a Casa da Moeda pelos procedimentos de manutenção do sistema, provocou reação de alguns pequenos e médios fabricantes. Mas o tempo deve mostrar que vale mais a pena investir na prevenção para enfrentar concorrência desleal.

O mesmo se dá na indústria de cigarros. Segundo dados da indústria, o comércio ilegal de cigarros (contrabando, falsificação e sonegação de impostos) representa mais de 28% do mercado brasileiro. Estimativas da indicam que a perda de arrecadação no setor é superior a R$ 2 bilhões por ano.

O Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios) é o mecanismo usado pela União para identificar o percurso do produto comercializado, a fim de interromper a cadeia de sonegação. Adotado em 2007, o Scorpios também permite controlar em tempo real o processo de produção e selagem dos cigarros. Fabricados pela Casa da Moeda, os selos contêm informações sobre fabricante, marca, data de fabricação e classe fiscal.

Os Estados já podem contar também com o chamado Business Intelligence Nota Fiscal Eletrônica (BI-NF-e), que agrega inteligência à análise dos dados gerados pelas Notas Fiscais Eletrônicas, e já em fase de implantação em 16 Estados. O mesmo permite às Secretarias da Fazenda extrair informações para uma melhor fiscalização dos segmentos obrigados à emissão da NF-e, principalmente no controle das operações interestaduais. Além disso, contribui também para aumentar o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Um recurso para os Estados, que possibilita ampliar a arrecadação sem aumentar a carga tributária.

Na indústria de medicamentos, outro setor bastante afetado pela sonegação e fraudes, os processos de controle são fundamentais para garantir não somente a igualdade concorrencial, mas, principalmente, para evitar riscos à saúde pública, dada a própria natureza do objeto. Em comunicado divulgado em dezembro de 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que já deliberou sobre as diretrizes que nortearão a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, conforme determinado pela Lei 11.903/09.

O caminho para o pagamento de tributos deve ser simplificado no Brasil e o destino dos tributos deve ser acompanhado pela sociedade. Independente disso, as medidas para prevenir e fiscalizar a arrecadação precisam estar na lista de prioridades de qualquer administrador público. Com a implementação dos instrumentos citados, todos saem ganhando. O governo, em todas as suas esferas, dispõe de mais recursos para aplicar em melhorias sociais; a iniciativa privada, que passa a ter condições mais equânimes de mercado, e a sociedade em geral, que pode consumir produtos de qualidade testada e aprovada, da sua fabricação até a chegada ao ponto de venda 

Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 25 de Janeiro de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

CNI contesta exigência de ICMS para comércio eletrônico

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4713), com pedido de liminar, a fim de suspender a eficácia do Protocolo ICMS nº 21, de 1º de abril de 2011, firmado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que trata da exigência de ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem ao consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente.

De acordo com a ação, o protocolo alcança as compras feitas pela internet, telemarketing ou showroom e foi assinado pelos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe, Mato Grosso do Sul e pelo Distrito Federal. De acordo com o protocolo, os estados de destino do bem ou mercadoria passam a exigir parcela do ICMS, devida na operação interestadual em que o consumidor faz a compra de maneira não presencial.

O texto do protocolo prevê que a parcela do imposto devido ao estado destinatário será obtida pela aplicação da alíquota interna sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos percentuais aplicados sobre a base de cálculo utilizada para cobrança do imposto devido na origem. Os percentuais previstos são de 7% (para mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto Espírito Santo) e 12% (para mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e Espírito Santo).

Alegações

A CNI alega violação à Constituição em diversos dispositivos, dentre eles, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alíneas “a” e “b” e inciso VII, que estabelece a tributação pelo ICMS exclusivamente no estado de origem nas operações interestaduais em que o destinatário não seja o contribuinte do imposto.

Sustenta também violação ao artigo 146, inciso I, da Carta Magna, pois afirma que “mesmo que fosse possível ler o que está disposto na alínea “b” do inciso VII do parágrafo 2º do artigo 155 de modo a entender que houvesse alguma capacidade impositiva do estado em que situado o destinatário não contribuinte do ICMS, mister seria a disciplina da matéria por lei complementar”.

Para a CNI, o protocolo provoca uma “superposição indevida” da cobrança do ICMS na origem com a nova incidência no destino e traz como resultado a violação aos artigos 150, inciso V, artigo 152 e artigo 170, inciso IV e parágrafo único, da Constituição.

De acordo com a Confederação, há uma limitação ao tráfego de bens por meio de tributo de incidência na operação estadual, causando “diferença tributária entre bens em razão da procedência de outro estado”. Segundo a CNI, essa diferença prejudica os outros estados que não são “signatários do pacto”, impedindo a “livre concorrência” com os fornecedores locais na venda de seus produtos e serviços em outro estado.

A Confederação sustenta na ADI que o protocolo pretende instituir “nova incidência do ICMS”, agora de titularidade dos estados de destino signatários e de forma complementar ao que está previsto na Constituição Federal. “As inconstitucionalidades cometidas pelo protocolo não se materializam apenas na ruptura de regras de estrutura ou no relacionamento entre unidades da Federação”, afirma a CNI.

Pedido

A Confederação requer que seja concedida medida liminar para suspender a eficácia do ato normativo contestado.Ressalta que sem a concessão da liminar “haverá não apenas a perda de vendas, mas a perda de mercado do fabricante nacional, em todo o mercado nacional”. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do protocolo.

Tendo em vista que o Protocolo ICMS nº 21/2011, do Confaz, já é objeto da ADI 4628, da relatoria do ministro Luiz Fux, a CNI pede, ainda, que o processo seja distribuído para este ministro.

Fonte: Notícias STF

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CONTRIBUINTES PODERÃO TER CÓDIGO DE DEFESA CONTRA LEÃO

Começou nos estados e agora caminha para virar realidade como regra nacional para todas as esferas fazendárias. Projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados cria o Código de Defesa do Contribuinte, seguindo a experiência já adotada nos últimos quatro anos em pelo menos quatro estados (Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina). 

A novidade em defesa do contribuinte contra as garras afiadas do Leão consta do Projeto de Lei 2.557/2011, de autoria do deputado Laércio Oliveira (PR-SE), que é e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Um dos pontos mais importantes do texto quer obrigar o fisco a responder consultas feitas pelos contribuintes sobre informações que julgar relevantes. "Com esse Código, vai ser possível proteger o contribuinte do exercício do poder abusivo e regularizar o exercício da fiscalização", afirmou o parlamentar ao DCI. 

Segundo o autor do projeto, a intenção é regulamentar os direitos, garantias e obrigações do contribuinte e os deveres da administração fazendária. Caso aprovada, Oliveira prevê que a proposta irá trazer mais transparência e qualidade na relação entre a Fazenda e o contribuinte do País. 

No projeto consta, por exemplo, a igualdade de tratamento e o acesso a informações pessoais e econômicas, que estejam registradas em qualquer dos órgãos da administração tributária federal, estadual, distrital ou municipal. 

A proposta também garante o direito à obtenção de certidão sobre atos, contratos, decisões ou pareceres de interesse do contribuinte em poder da Administração Pública, salvo a informação protegida por sigilo. 

Proteção de direitos 

O autor do projeto ressaltou que o texto não trata de legislação tributária, o que só poderia ser feito por meio de lei complementar, mas dispõe sobre a proteção dos direitos fundamentais do contribuinte. "O objetivo é coibir ações infundadas, com base nos princípios constitucionais de respeito à função social das normas tributárias e à dignidade humana", acrescentou. 

E esclareceu: "Também não pretendemos editar norma que disponha sobre processos e procedimentos administrativos fiscais. A intenção é trazer maior proteção ao contribuinte brasileiro", projeta. 

Segundo Oliveira, o PL é baseado em textos constitucionais e já é adotado em outros países como Canadá, Estados Unidos, Espanha e Itália. 

A proposta em análise também cria o Sistema Nacional de Defesa do Contribuinte. Este terá como órgão principal o Conselho Nacional de Defesa do Contribuinte (Codecon), que será composto, de forma igualitária, por representantes dos poderes públicos, de entidades empresariais e de classe.

O texto será examinado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

Respeito e recursos 

Na avaliação da assessora jurídica do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis (Sescon) do Distrito Federal, Ana Pinheiro, o texto reafirma o tratamento respeitoso que o fisco deve ter com o contribuinte brasileiro.

Em alguns órgãos de arrecadação, há avisos intimadores contra os contribuintes com o trecho da legislação penal que considera crime desacato a servidor público no exercício da função. 

"Esse código já é esperado há muito tempo e não deixa de ser um avanço. Essas garantias ressaltadas no texto só reafirmam o que a própria Constituição Federal traz", disse ao DCI. 

Ana Pinheiro completa que a iniciativa tem como "ponto positivo foi colocar no texto a garantia de resposta à consulta pública enviada à Receita Federal. Dessa forma o contribuinte receberá a informação com clareza e as consultas teriam mais utilidade", acrescentou. 

Na avaliação da assessora jurídica do Sescon, o projeto foi feito de maneira mais simplificada e deixou alguns pontos importantes de fora. Um deles é o direito de defesa ou de recurso, administrativo ou judicial do contribuinte, sem condicionamento a depósito, fiança, caução, aval ou outro ônus qualquer. 

Há casos em que a Receita rejeita recursos dos contribuintes. Por exemplo, os débitos confessados são considerados irretratáveis, mesmo que a Constituição estabeleça o contraditório administrativa e judicialmente. 

Incentivo às empresas

Em beneficio das empresas, a Câmara analisa o Projeto de Lei 2.800/2011, que concede incentivos fiscais para que as empresas se instalem em municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 

A ideia do autor, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), é que elas paguem, ao longo de cinco anos, metade do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre a aquisição de máquinas destinadas à sua instalação física, além de outros, federais.

Fonte: DCI / SP

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O Regime Especial de Fiscalização


Autor(es): Diego Bomfim
Valor Econômico - 18/01/2012

Sem muito alarde, após longos anos de inércia, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa nº 979, de 2009, regulamentou o chamado Regime Especial de Fiscalização, instituído originariamente pela Lei nº 9.430, de 1996.

Esse regime deveria ter como missão precípua aparelhar o Fisco de instrumentos de fiscalização mais eficientes sobre as atividades econômicas dos contribuintes, tudo com o intuito de impedir a inadimplência e, também, a sonegação fiscal.

A ideia, portanto, é a de se permitir um regime mais rígido e ostensivo de fiscalização em situações objetivamente identificadas, adotando-se meios proporcionais (e que não afetem a própria atividade do contribuinte) de verificar e quantificar o volume de tributos ali devidos. Essas situações especiais se mostram presentes em virtude das próprias peculiaridades de certos setores produtivos, mais difíceis de fiscalizar, e, também, em decorrência de atos praticados por parte dos contribuintes, focados em inadimplir ou sonegar tributos como instrumento de estratégia mercadológica.

Nesse cenário, nenhuma censura poderia ser imputada à instituição do regime. Práticas de sonegação e de inadimplência contumaz, além de serem altamente danosas ao erário, podem provocar distúrbios concorrenciais graves, gerando ineficiência econômica e, em última análise, prejuízo ao mercado e aos consumidores, merecendo reprimendas.

O regime tem de servir exclusivamente para identificar a existência de débitos

A preservação da livre concorrência, no entanto, não pode servir de baluarte ou justificativa para que direitos fundamentais dos contribuintes sejam amesquinhados. Toda e qualquer fiscalização, ainda que especial, tem de se ater a um único objetivo: identificar a existência de atividades que geram a necessidade de pagamento de tributos, tendo sido essa a dicção do texto constitucional. Conforme disposição da Constituição, fiscalizar consiste em "identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

A proposta central é, portanto, a de identificação da atividade econômica. Isso difere muito de uma autorização para que se empreendam atos, ainda que indiretos, de coação para pagamento de dívida que, por vezes, pode estar sendo objeto de discussão, seja na esfera administrativa ou judicial.

Esses pressupostos, no entanto, parecem não ter sido atendidos quando da instituição do mencionado Regime Especial de Fiscalização. Dentre os muitos dispositivos da Lei nº 9.430, podem ser enunciados dois que denunciam a real intenção da decretação do referido regime: impor ao contribuinte, mediante uma fiscalização mais rígida e penosa, o pagamento de tributos considerados devidos pelo Fisco. Por isso, a lei, prescreve que "a Secretaria da Receita Federal pode determinar regime especial para cumprimento de obrigações", seguindo para indicar que as medidas especiais de fiscalização "poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, por tempo suficiente à normalização do cumprimento das obrigações tributárias".

Não há que se falar em cumprimento de obrigações, sob pena de se ver veladamente instituída uma força coercitiva para o pagamento de tributos, prática nomeada de sanção política e vedada pela Constituição segundo reiterada interpretação do Supremo Tribunal Federal. O regime tem de servir exclusivamente para identificar a existência de débitos. Feito isso, terá cumprido seu papel.

O argumento aqui exposto não pretende, de forma alguma, defender contribuintes que baseiam seus negócios em práticas de sonegação ou inadimplência. Ao revés, tais práticas podem gerar distúrbios concorrenciais e devem ser eficazmente enfrentadas. Identificada a existência de crédito tributário em favor do Fisco, caberá ao Estado, tão somente, adotar as medidas previstas constitucionalmente pelo direito positivo, inscrevendo o débito em dívida ativa, negando a expedição de certidões de regularidade fiscal e executando o débito. Invés de buscar meios coercitivos indiretos, a administração tributária deveria concentrar seus esforços na formulação de instrumentos que tornassem mais eficazes a constituição definitiva do crédito tributário e sua execução judicial.

Com isso, ganham todos. Os contribuintes terão respeitados os seus direitos fundamentais. Os concorrentes que cumprem suas obrigações verão os inadimplentes e sonegadores pagarem as dívidas que lhe são devidamente imputadas através de uma execução eficiente. A administração tributária, por sua vez, recolherá tributos nos termos do que determina o direito brasileiro. Essa é a única forma de arrecadação que interessa ou deveria interessar ao Fisco.

Diego Bomfim é advogado do Machado, Meyer, Sendacz e Opice, doutorando em direito tributário pela USP e mestre em direito tributário pela PUC-SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.


Cumulatividade e sonegação


O FOCO DAS PREOCUPAÇÕES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO DEVE SER A ELIMINAÇÃO DA SONEGAÇÃO, A REDUÇÃO DO CUSTO OPERACIONAL E A AMPLIAÇÃO DA BASE TRIBUTÁRIA IMPONÍVEL

Marcos Cintra

Nos últimos anos o Brasil assimilou a necessidade de simplificar seu caótico sistema tributário. Juntar vários tributos em um tem sido uma ideia difundida no País e as bases propostas para isso são o valor agregado e a movimentação financeira.

Os adeptos do imposto único sobre o valor agregado (IVA) dizem que o problema da unificação sobre a movimentação financeira (IMF) é a cumulatividade. Mas, estudos revelam que esse não é o problema a ser enfrentado na construção de um novo sistema tributário para o País. As distorções nos preços relativos provocados por um IMF são bem menores que as causadas por um IVA. O foco das preocupações do administrador público deve ser a eliminação da sonegação, a redução do custo operacional e a ampliação da base tributária imponível.

Os economistas do BNDES, José Roberto Affonso e Érika Araújo, são defensores do IVA, mas afirmam no estudo “Carga Tributária. Tributação das vendas: evolução histórica (ou involução)” que os tributos cumulativos “são mais fáceis de serem cobrados e serem pagos...”, ao passo que os sobre valor adicionado são “mais complexos de serem apurados e mesmo compreendidos”.

Em sua argumentação contra os impostos cumulativos, os autores dizem que os tributos cumulativos são “os mais danosos à competitividade da produção nacional, pela dificuldade em eliminar integralmente sua incidência sobre um bem exportado e pela vantagem que oferecem às importações que, em regra geral, não se sujeitam ao mesmo tratamento no país de origem”.

No tocante a essa observação é interessante notar a reação do professor José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, ao proferir palestra em 2011 sobre competitividade comercial e harmonização tributária. Disse ele: “competitividade é uma noção que não faz nenhum sentido para um país como um todo. Todos os países têm maior competitividade ou menor competitividade em produtos diferentes”. E complementa: “a idéia de que a estrutura tributária... afeta a competitividade, a meu ver não faz sentido”.

O professor Scheinkman demonstrou em sua apresentação que os fatores que deprimem a produtividade em uma economia são a evasão e a economia informal. Se o sistema tributário induz altas taxas de sonegação e elisão, a produtividade deixa de guardar correlação com os investimentos em tecnologia e com eficiência administrativa e gerencial. Uma empresa de baixos custos de produção pode não ser “competitiva” frente a outra que sonegue os tributos, ainda que os custos de produção da empresa sonegadora sejam mais elevados. Isso estimula a sobrevivência de empresas ineficientes e deprime a produtividade econômica do país. Em outras palavras, a remoção da cumulatividade não aumentará a produtividade da economia, pois dela resultarão aumentos das alíquotas dos impostos convencionais e, portanto, maior sonegação.

O grande vilão do sistema tributário atual no Brasil não é a cumulatividade, mas sim a sonegação resultante da complexidade e das altas alíquotas implícitas nos modelos tributários declaratórios. O IVA perpetua essa situação, ao passo que o IMF, mesmo cumulativo, combate essa anomalia.

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Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

www.marcoscintra.org / mcintra@marcoscintra.org
http://www.brasil247.com.br/pt/247/economia/36365/Cumulatividade-e-sonega%C3%A7%C3%A3o.htm

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Simplificação tributária

Paralelamente à idéia de se criar no Brasil um imposto único sobre as transações financeiras, em seminário realizado na Argentina no final de 1989, o economista da Universidade de Wisconsin, Edgard L. Feige apresentou estudo intitulado “Taxing All Transactions: The Automated Payment Transaction Tax System”. Da mesma forma que no Brasil, a proposta de criação de um imposto sobre movimentação financeira defendida pelo professor Feige, um especialista em economia informal e que desenvolve pesquisas sobre o tema em vários países há mais de 20 anos, suscitou interesse também nos Estados Unidos.

Os estudos de Feige sobre a informalidade em vários países ao redor do mundo apontaram os enormes malefícios que a economia informal e a evasão de impostos vêm causando. O professor Feige concluiu que a tributação sobre as transações bancárias pode atenuar as distorções causadas pela economia subterrânea, e descreve a proposta como um sistema de impostos para o século 21. 

A proposta de Feige deu origem a um movimento de divulgação do “imposto único” norte-americano. O detalhamento do Automated Payment Transaction (APT) e outras informações acham-se disponíveis no site www.apttax.com

A simplificação tributária ganhou destaque tempos atrás nos Estados Unidos quando o milionário Steve Forbes, então candidato à presidência daquele país, propôs um imposto único de 17% sobre os salários. A idéia do “flat-tax” ganhou adeptos, e, em 2003, cinco projetos seguindo essa linha simplificadora foram apresentados ao Congresso norte-americano. 

Também na Alemanha a simplificação ganhou grande destaque. Uma variante da tese do Imposto Único, defendida pelo professor da Universidade de Heidelberg, Paul Kirchhof, um dos gurus em finanças públicas naquele país, foi colocada no centro dos debates pela atual chanceler Angela Merkel quando era candidata. 

A onda simplificadora é um passo importante na área dos impostos em muitos países. Economias do leste europeu também assimilaram essa necessidade e realizaram reformas em seus sistemas tributários tendo como diretriz a simplificação. 

No Brasil a proposta do Imposto Único reúne um número crescente de adeptos desde o final dos anos 80. Projeto neste sentido foi aprovado pelas Comissões Temáticas do Congresso, e encontra-se pronta para ser votada pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Trata-se da PEC 474/01 que prevê a substituição de vários tributos federais (Imposto de Renda, Cofins, IPI, INSS patronal, IOF, Salário-Educação, Sistema “S” e ITR) por apenas com alíquota de 2,1% sobre os débitos e os créditos de cada lançamento nas contas-correntes bancárias. 

A simplificação de impostos tem sido a diretriz fundamental das propostas de reestruturação dos sistemas tributários ao redor do mundo. Lamentavelmente, nos últimos anos, o Brasil não adotou essa linha e montou uma estrutura fiscal absurdamente complexa. Mas, aos poucos o País tem debatido a necessidade de uma reforma simplificadora e o Imposto Único proposto na PEC 474/01 se apresenta como a alternativa mais viável para a sociedade brasileira. 



Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. 

Diário de Marília – SP

Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 16 de Janeiro de 2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

UM DIA SEM ESTADO

*Dão Real Pereira dos Santos

Dentre as várias campanhas do tipo “Um dia sem carro”, “Um dia sem impostos”, Um dia sem sacolas plásticas”, “Um dia sem isso”, “Um dia sem aquilo”, lembrei de que talvez fosse interessante imaginar um dia sem Estado. A idéia não é nova, nem é minha, mas a tomei de empréstimo de um colega ativista do programa de educação fiscal de Porto Alegre que comentava, em evento na Feira do Livro, que antes de se pensar em um dia sem tributos, deveríamos pensar num dia sem Estado.

Retomo este tema, pois recentemente acompanhamos a situação quase beirando ao caos, na cidade de Fortaleza, no Ceará, provocada por uma greve de policiais militares e bombeiros. Em seis dias de paralisação, a cidade praticamente entrou em pânico: motoristas de ônibus ameaçavam greve por absoluta falta de segurança para trabalhar; lojas fechavam no meio da tarde; assaltos aconteciam em todos os lugares; turistas desistindo de viajar para aquela cidade; etc.

Numa primeira visada fica até difícil imaginar que um dia sem Estado pudesse provocar algum desconforto, pois na rotina do cotidiano das pessoas não se percebe com clareza a presença e a importância do Estado. Além disso, já está meio que incrustado no imaginário popular uma certa rejeição à idéia de que o Estado seja algo necessário e imprescindível, e quem não usa diretamente os serviços públicos tende a achar que o Estado mais atrapalha do que ajuda. Por um lado, isso é até compreensível, haja vista a predominância de uma cultura midiática que recorrentemente idolatra o que é privado e deprecia o que é público. Por outro, acho que isso também decorre da natureza humana. Tem coisas que a gente só percebe quando falta, como a saúde, a água, a energia elétrica, a visão, a vida, o ser amado, a paz, etc. E só se percebe quando estas coisas faltam de uma hora para outra. Se a falta se dá de forma lenta, nos acostumamos e não percebemos. É tão normal contar com estas coisas, que normalmente estão presentes, que vamos aos poucos perdendo a capacidade de reparar que elas existem. O Estado talvez esteja nesta classe de coisas.

O exercício que estou propondo é de pura imaginação. Como seria Um Dia Sem Estado?

Ao acordar pela manhã, certamente não perceberíamos muita coisa. Talvez uma falta de energia elétrica ou de água. Até aí, nada de mais. Ao sair de casa, como a falta de Estado já estava anunciada, somos assaltados na parada de ônibus, pois sem Estado, não há polícia, e também não há Lei, e ,como todos sabem, o crime é organizado e se organiza de forma muito rápida, pois não está preso pelos controles nem pela burocracia.

Um dia sem Estado não deve ser interpretado como sendo um dia de paralisação do Estado, mas um dia em que ele simplesmente não existe. Portanto, ainda que o Estado volte a existir no dia seguinte, não poderia atuar sobre os fatos daquele dia sem Estado. Então, neste dia, não há Lei e, portanto, ninguém poderá ser punido por atos que tenha praticado.

Muitos não poderão sair de casa, pois sem escolas públicas e sem as creches populares, não haveria com quem deixar as crianças. Outros, sabendo que não haverá Estado, vão se organizar para deixar as crianças com quem já não tem trabalho.

Os crimes, ou seja, aquilo que era crime quando o Estado existia, certamente se multiplicarão, e de forma muito rápida, pois sem o Estado, o único elemento restritivo aos abusos individuais será a consciência de cada um. A chance de voltar para casa sem ter sido vítima de roubo ou de alguma agressão é muito pequena. Quando conseguir pegar um ônibus, já que poucos circularão por falta de segurança, as passagens certamente estarão bem mais caras. Não havendo fiscalização, as empresas aproveitarão o dia sem Estado, sem regulamentação, portanto, para tentar melhorar sua situação financeira. Não se sabe quando o Estado voltará a existir, portanto será importante ganhar o máximo possível.

Ah, também não haverá passagem livre para idosos, nem passagem subsidiada. No trânsito, sem controle público, acidentes ocorrerão por toda parte. Imaginem um desses acidentes em que vários veículos se chocam e diversas pessoas ficam feridas na rua. Algumas mortes, inclusive. Levará horas até que os feridos sejam socorridos. Não haverá serviço público de socorro. A SAMU não existirá neste dia. Os particulares é que deverão ajudar os feridos e isso dependerá da boa vontade de cada um. Também não haverá perícia, nem IML para remover os corpos dos que morrerem. O trânsito será um verdadeiro caos. Não haverá fiscalização e cada um seguirá segundo sua pressa. Os semáforos e controladores de velocidade, mesmo funcionando automaticamente, não produzirão qualquer efeito, pois não haverá penalidades a serem aplicadas nem Estado para aplicá-las.

Os hospitais públicos estarão fechados e servidores públicos não existirão neste dia. Então só restará aos acidentados e aos doentes em geral o socorro pago. Quem conseguir chegar a um hospital e tiver condições de pagar será atendido. Quem não conseguir ficará à sua própria sorte. Não haverá distribuição gratuita de medicamentos nem SUS.

Um incêndio num edifício ficará ardendo até que a última chama resolva se exaurir por falta do que queimar. Por mais que as pessoas tentem, voluntariosamente, apagá-lo, com seus baldes de água, extintores e mangueiras, sem os bombeiros organizados e equipamentos públicos adequados, as chamas serão implacáveis.

No centro da cidade, onde a população insiste em se concentrar todos os dias, arrastões se sucederão propagando pânico entre as pessoas. Os estabelecimentos comerciais fecharão suas portas. As pessoas serão roubadas até seu último centavo.

Velhas rixas serão resolvidas em verdadeiros campos de batalha. Diversos assassinatos sem prisões. Sem Lei, não haverá crime nem punição. No dia sem Estado, os presídios ficarão desguarnecidos. Será cada um por si.

As fronteiras ficarão escancaradas. Uma oportunidade que rapidamente será aproveitada por milhares de contrabandistas e traficantes nacionais e estrangeiros que resolverão abastecer o mercado interno de produtos piratas, produtos falsificados, produtos que não atendem as condições sanitárias, armas e drogas, tudo para atender ao mercado interno por um grande período de tempo. Será momento de fazer estoques. A enxurrada de produtos sem impostos e sem qualquer regulamentação ou proibidos, sem dúvida, colocará em risco a economia doméstica, a saúde pública e a segurança por um longo período.

Não podemos esquecer que no dia sem Estado, não haverá forças armadas. Então não se poderá cogitar em colocar o exército nas ruas e nas fronteiras para garantir a ordem. Além disso, aquelas partes do território nacional, que sempre foram cobiçadas por nações estrangeiras, poderão ser ocupadas sem qualquer resistência. Talvez até surjam focos de conflitos internacionais para decidir quem terá precedência nesta ocupação. Quando o Estado voltar a existir, a situação já estará posta, e só uma guerra poderá fazer voltar ao que era antes.

O controle de tráfego aéreo não existirá e cada companhia terá que assumir os riscos de voar ou não. Algumas, por questões de segurança, cancelarão seus vôos e os aeroportos ficarão abarrotados de gente aguardando a volta do Estado.

Como no dia sem Estado será perigoso sair às ruas, a maioria das pessoas ficará em casa, faltará ao trabalho e cancelará seus compromissos. Outros sairão desesperadamente atrás de algum trabalho que lhes garanta pelo menos mais um dia… Vá que o Estado não volte amanhã! Muitas indústrias não funcionarão por falta de funcionários ou por diversos outros motivos. Outras, no entanto, conseguirão transportar seus empregados de casa até as fábricas sob escolta para protegê-los de assaltos e arrastões e manterão sua produção funcionando. Claro que o custo deste transporte e segurança será descontado dos salários. Aliás, no dia sem Estado, o próprio valor do trabalho também será renegociado, pois salário mínimo também é coisa de Estado.

Antes da metade do dia, as ruas já estarão abarrotadas de lixo. Cada um vai querer se livrar do seu, o mais rápido possível. Como a situação de falta de Estado pode não cessar, embora a proposta inicial fosse de apenas um dia, pois o amanhã é futuro e futuro não existe, exceto como expectativa de hoje, cada um resolverá seus problemas segundo suas próprias condições físicas e materiais. Assim, os comerciantes que tiverem condições contratarão sua própria segurança e poderão explorar seu negócio, enquanto os problemas de acúmulo de lixo, de saneamento, de falta de abastecimento de água e de energia elétrica não tornarem as condições insustentáveis. Tendo que arcar com todos os custos envolvidos muito poucos negócios subsistirão. Claro que os preços também serão aumentados para cobrir estes custos. Filas se formarão para aproveitar a grande liquidação de produtos estrangeiros contrabandeados que rapidamente chegarão às grandes cidades.

E se o Estado não voltar mais? A falta de perspectiva quanto ao futuro significa também não haver garantia de previdência para a velhice. Até os serviços privados de saúde, de segurança, de educação, etc, ficarão precários, pois inclusive estes, que constituem alternativa ao próprio Estado (embora alguns pensem que seja o contrário), para funcionarem, necessitam de transporte público para seus funcionários, trânsito controlado, energia, água, segurança, saúde, assistência, previdência, saneamento, etc, etc. Cada um terá então de encontrar sua forma de sobreviver e de garantir a sobrevivência dos seus.

A produção nacional diminuirá, o comércio formal ficará prejudicado, não haverá trabalho, não haverá garantia de lucros, não haverá garantia de salários. Só o comércio dos produtos contrabandeados é que terá condições de se desenvolver, claro, enquanto existir alguma reserva de recursos nas mãos das pessoas. Quem se sentir prejudicado não poderá recorrer à justiça. Então, na lei do cada um por si, predominará, sem dúvida, a lei do mais forte. Quem tiver mais, quem roubar mais, quem explorar mais, terá uma sobrevida maior. Esta será a percepção que orientará o comportamento das pessoas neste dia sem Estado.

Sem a garantia de que amanhã haverá Estado e tudo voltará ao normal, muitos resolverão abandonar o País e emigrar para o exterior. No entanto, os países vizinhos antevendo este problema, fecharão suas fronteiras contra estes novos refugiados. A população ficará aprisionada em seu país sem Estado, pelos outros países com Estado.

A iluminação pública não funcionará. À noite, no escuro, a cidade será território dos bandidos, daqueles que fugiram dos presídios, daqueles que viviam contidos pela presença do Estado, mas também daqueles que encontrarão na expropriação alheia a sua própria sobrevivência.

Não faltarão líderes para tentar reorganizar as pessoas no enfrentamento das dificuldades produzidas pela falta de Estado, pois, como todos sabem, não há espaço vazio. Onde o Estado não existe, alguém fará a vez. Sem Lei, também estas lideranças disputarão seus territórios e cada um conquistará mais adeptos e simpatizantes quanto mais vantagens e segurança oferecer às pessoas, quando não se impuserem pela força de seus bandos e pela subjugação. Afinal, armas não faltarão no mercado.

Pintada dessa forma, a situação parece muito mais caótica do que seria na realidade. Até porque um único dia sem Estado pode passar mais rápido do que o tempo necessário para que tudo isso pudesse acontecer ou ser percebido. No entanto, a falta de expectativa de seu retorno, certamente potencializaria os efeitos negativos da falta de Estado, na medida em que cada um será impelido a garantir, por si, o seu futuro, e quando o valor em questão é a sobrevivência, outros valores certamente sucumbem.

Posso, no entanto, estar absolutamente enganado na leitura dos efeitos que este exercício de imaginação propõe, e nada disso acontecesse, pois os valores humanos, sociais e morais das pessoas, como a solidariedade, espírito público, responsabilidade social e respeito ao próximo, já estão suficientemente arraigados para evitar que a falta de Estado signifique o retorno à barbárie.

Mas, claro, e antes que eu esqueça, no Dia Sem Estado ninguém pagará impostos.

*Presidente do Instituto Justiça Fiscal

Todos erram, o fisco também

Roberto Dias Duarte é professor, administrador

Tenho sido um dos maiores entusiastas e defensores do Sped desde que comecei a compreendê-lo. Minhas obras, textos e palestras refletem esta posição. Recentemente, ao contrário da onda pessimista que tem tomado os gestores destes projetos, publiquei um artigo demonstrando a possibilidade real de cálculo do retorno sobre o investimento de projetos de adequação das empresas ao Sped. Mas o tema não é futebol. Não há idolatria. O Sped está longe de ser um projeto perfeito, tampouco as entidades que o criam são infalíveis. Além disso, a nova sistemática atua sobre toda a nossa sociedade, gerando impactos diretos sobre os mais de 6 milhões de empreendedores legalmente constituídos, bem como os outros 15 milhões que estão em vias de se legalizar. -

A maior lição deste projeto é a humildade, pois não há quem domine sozinho todas as áreas do conhecimento que ele aborda: contabilidade, fiscal, jurídica, tecnológica, financeira, logística etc. A maior parte dos fracassos nos projetos empresariais ocorre por falta de envolvimento do pessoal de recursos humanos. Claro, se estamos em um processo de transformação organizacional e mudança do paradigma físico para o digital, não há como ser bem-sucedido sem a participação de quem entende de gente! Neste sentido, creio que o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCont) foi uma prova de que as autoridades fiscais não são isentas de erros.

Em 30 de novembro terminou o prazo para as pessoas jurídicas enquadradas no regime de tributação baseado no Lucro Real transmitirem os arquivos do FCont, com informações referentes ao ano-calendário 2010. Não enviar a declaração implica multa de R$ 5 mil por mês-calendário ou fração. A regra é válida mesmo nos casos em que não existam lançamentos com base em métodos e critérios diferentes dos prescritos pela Legislação tributária, conforme publicado na Instrução NormativaRFB n. 1.139, de 28 de março de 2011. Isto ampliou de 6 mil para 150 mil o número de empresas obrigadas ao FCont.

Embora, basicamente as alterações tenham promovido melhorias do desempenho do sistema na validação e correção de erros, muitos problemas tecnológicos ainda foram detectados. Para complicar ainda mais a situação, esses erros deslocaram as atenções para a urgência do prazo, deixando a qualidade dos dados em segundo plano. Ou seja, problemas à vista para muitos.

DCI – SP | OPINIÃO

Novas armas de combate à sonegação no país

Valor Econômico – 12 de janeiro

Por Roberto Abdenur

A sonegação fiscal é um dos fatores que mais comprometem o desenvolvimento de uma economia, especialmente quando se trata da economia de um país emergente, como o Brasil. Toda sorte de justificativas é usada pelos sonegadores, desde a alta carga tributária, passando pelos complexos passos para o pagamento dos impostos, até a corrupção entre os responsáveis pelo destino do tributo.

Apesar de total ou parcialmente verdadeiras, na grande maioria dos casos essas justificativas acabam sendo usadas mais como pretextos para uma prática que vem corroendo a saúde da economia nacional: a concorrência desleal. Para enfrentar o problema, vez ou outra, se fazem megaoperações, que têm caráter punitivo e também um significativo efeito midiático.

Em agosto, por exemplo, a Polícia Federal levou a cabo uma dessas iniciativas, com ações coordenadas no Distrito Federal e em 17 Estados. O objetivo era recuperar aos cofres públicos R$ 1 bilhão em impostos desviados.

Tecnologia pode ajudar quando proporciona recursos necessários ao rastreamento de produtos desde a origem

Essas operações são muito importantes, pois fazem parte do esforço de fiscalização. Mas a prevenção também é fundamental para evitar que haja sonegação de impostos.

Nesse caso, a tecnologia pode ajudar. Principalmente quando proporciona os recursos necessários para o rastreamento de produtos, desde sua produção até a venda ao consumidor. Mecanismos para rastrear e controlar produtos têm sido desenvolvidos em iniciativas de empresas e instituições da sociedade civil que contam com a colaboração da União e de unidades da Federação.

Dois mecanismos têm tido bons resultados: o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) e o Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios). São dois setores da economia muito bem organizados, mas que frequentemente sofrem concorrência desleal por estarem na mira de alguns produtores ansiosos por obter vantagens competitivas pela via da sonegação de impostos.

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que mais de 60% das vendas de destilados ocorrem na informalidade. Para mudar essa realidade, em 2008 a União adotou o Sicobe, ferramenta que permite rastrear a bebida produzida no país. O Sicobe envia à RECEITA FEDERAL, em tempo real e diretamente das fábricas, informações sobre fabricante, marca, data de fabricação do produto, volume, embalagem, etc.

Os resultados são expressivos: um ano após sua implantação, a arrecadação de impostos federais, como IPI, PIS e Cofins, aumentou em 20% no setor de bebidas. O sucesso está levando os Estados a repetir a experiência, para combater a sonegação de tributos como o ICMS.

O desembolso de R$ 0,03 por unidade, a fim de ressarcir a Casa da Moeda pelos procedimentos de manutenção do sistema, provocou reação de alguns pequenos e médios fabricantes. Mas o tempo deve mostrar que vale mais a pena investir na prevenção para enfrentar a concorrência desleal.

O mesmo se dá na indústria de cigarros. Segundo dados da indústria, o comércio ilegal de cigarros (CONTRABANDO, falsificação e sonegação de impostos) representa mais de 28% do mercado brasileiro. Estimativas indicam que a perda de arrecadação no setor é superior a R$ 2 bilhões por ano.

O Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios) é o mecanismo usado pela União para identificar o percurso do produto comercializado, a fim de interromper a cadeia de sonegação. Adotado em 2007, o Scorpios também permite controlar em tempo real o processo de produção e selagem dos cigarros. Fabricados pela Casa da Moeda, os selos contêm informações sobre fabricante, marca, data de fabricação e classe fiscal.

Os Estados já podem contar também com o chamado Business Intelligence – Nota Fiscal Eletrônica (BI-NF-e), que agrega inteligência à análise dos dados gerados pelas notas fiscais eletrônicas, e já em fase de implantação em 16 Estados. O mesmo permite às Secretarias da Fazenda extrair informações para uma melhor fiscalização dos segmentos obrigados à emissão da NF-e, principalmente no controle das operações inter-estaduais.

Além disso, contribui também para aumentar o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Um recurso para os Estados, que possibilita ampliar a arrecadação sem aumentar a carga tributária.

Na indústria de medicamentos, outro setor bastante afetado pela sonegação e fraudes, os processos de controle são fundamentais para garantir não somente a igualdade concorrencial, mas, principalmente, para evitar riscos à saúde pública, dada a própria natureza do objeto. Em comunicado divulgado em dezembro de 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que já deliberou sobre as diretrizes que nortearão a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, conforme determinado pela Lei 11.903/09.

O caminho para o pagamento de tributos deve ser simplificado no Brasil e o destino dos tributos deve ser acompanhado pela sociedade. Independentemente disso, as medidas para prevenir e fiscalizar a arrecadação precisam estar na lista de prioridades de qualquer administrador público.

Com a implementação dos instrumentos citados, todos saem ganhando. O governo, em todas as suas esferas, dispõe de mais recursos para aplicar em melhorias sociais; a iniciativa privada, que passa a ter condições mais equânimes de mercado, e a sociedade em geral, que pode consumir produtos de qualidade testada e aprovada, da sua fabricação até a chegada ao ponto de venda.

Roberto Abdenur é presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

As raízes da corrupção no Brasil

Everardo Maciel

Seria fora de propósito analisar as causas da corrupção no Brasil em um despretensioso artigo. Tenciono, tão somente, explorar algumas ideias que possam servir de subsídio para uma reflexão mais percuciente sobre o tema.


Consideradas as múltiplas causas da corrupção, tem destaque a impunidade associada à morosidade dos processos, que maltrata os inocentes e faz a alegria dos culpados. A despeito da obviedade dessa causa, não se pode esquecer de que a matéria ainda carece de um debate aprofundado, que permita encontrar saídas que conciliem agilidade processual com direito à ampla defesa, para não falar de um maior incentivo aos meios alternativos para solução de litígios, a exemplo da mediação e da arbitragem. A única certeza é de que a legislação processual necessita de mudanças.

A impunidade assume grande importância na execução fiscal. Hoje, os débitos inscritos na Dívida Ativa da União ultrapassam a espantosa soma de R$ 1 trilhão. Evidentemente, há algo errado nesse processo. Tal fato, combinado com recorrentes anistias e remissões - instrumentos que só excepcionalmente deveriam ser utilizados -, constitui generoso estímulo ao sonegador e desrespeito ao bom contribuinte.

A ineficácia da execução fiscal, entretanto, não pode servir de pretexto para a adoção de medidas desproporcionais, como a penhora administrativa ou a publicação de listas de devedores do Fisco.

Penhora administrativa significa excluir a medida da apreciação judicial, conferindo extravagantes poderes ao Fisco. Já a publicação de listas de devedores corresponde apenas à utilização de um meio vexatório para cobrança fiscal, cujo respaldo moral claudica, porque não se faz acompanhar da lista de precatórios, nomeando os credores da Fazenda Pública.

A execução fiscal demanda mais inteligência e menos músculos. Não funciona, porque os processos inscritos em Dívida Ativa não são adequadamente preparados, no pressuposto de que os magistrados responsáveis pelas varas de execução fiscal supram as deficiências originais. Aqui não se exploram as escandalosas situações de imputação de responsabilidade, sem observância do devido processo legal, princípio constitucional consagrado universalmente.
Eleições são fontes inesgotáveis de corrupção. Há os que pensam que a questão pode ser resolvida por mudança no sistema eleitoral e no financiamento das campanhas. Não creio que seja assim.

É necessário perquirir a razão pela qual há um aviltamento moral no Congresso Nacional. Em boa medida, a explicação se encontra na degradante subtração de sua missão constitucional de legislar e fiscalizar, em virtude, sobretudo, do abuso das medidas provisórias.

A atividade congressual passou, por consequência, a centrar-se nas inúmeras barganhas para tramitação de medidas provisórias e outras propostas legislativas oriundas do Poder Executivo, tendo como foco a aprovação de emendas à proposta orçamentária, classificáveis em geral como transferências voluntárias a Estados e municípios, ou demandas por fisiologismo ou aparelhamento. Essas práticas deságuam, quase sempre, em corrupção.

"Anões do orçamento", "mensalão", "sanguessugas", "vampiros", comissões pagas para liberações de verbas ou licenciamento de atividades, etc., são apenas nomes distintos para fenômenos decorrentes daquelas práticas.

Mais recentemente, um conhecido parlamentar mineiro, segundo o jornal O Globo (coluna Panorama Político de 8/12/2011), pronunciou esta pérola do cinismo impune: "O governo nos pede milhões para a DRU e nos dá uma merreca. Ninguém é capacho".

O espantoso é que o autor dessa indecorosa frase não foi submetido a uma apuração por falta de decoro ou nem sequer foi objeto de uma leve indignação.
Enquanto permanecerem as causas que geram essa modalidade de corrupção, é somente esperar pelo próximo escândalo, que será mitigado por uma discreta investigação de Comissões de Ética ou demissão de alguma autoridade. Enfim, todos confiam, como proclamou um dos investigados no escândalo do mensalão, que o tempo se encarregará de apagar de nossa complacente memória a história da corrupção e seus personagens.

É simplismo, portanto, atribuir as deficiências do Poder Legislativo meramente ao sistema eleitoral ou ao financiamento de campanhas.

Outras hipóteses de corrupção poderiam ser exploradas. De tudo, todavia, resta a conclusão de que vivemos uma perturbante crise axiológica, em que nossos valores estão sendo jogados ao rés do chão. Quando se aceitam, com naturalidade, pretensas teses como "recursos não contabilizados", "caixa 2 de campanha" ou desvios éticos para assegurar a governabilidade, é inevitável, também, que a sociedade passe a aceitar, sem repulsa, o governante que "rouba, mas faz".

A eliminação do "ovo da serpente" da corrupção não é tarefa fácil, porque reclama lideranças políticas capazes de mobilizar a sociedade para esse objetivo, em bases estritamente democráticas. A reversão dessa crise moral, entretanto, é condição indispensável para a construção do futuro do País.


Fonte: http://sergyovitro.blogspot.com/2012/01/as-raizes-da-corrupcao-no-brasil.html

A guerra dos 50 anos

Everardo Maciel

É justo que Estados e Municípios lutem pela atração de investimentos, mediante concessão de incentivos fiscais e subsídios financeiros ou disponibilização de infraestrutura pública para os empreendimentos.

Cessa a razoabilidade quando essas iniciativas violam leis. No caso específico de incentivos fiscais ilegais, essa violação dá ensejo ao que se denomina guerra fiscal.

É precisamente no campo do ICMS que se constata a mais relevante e persistente guerra fiscal. Ela remonta aos tempos do Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), sucedido pelo ICM (hoje ICMS). Trata-se, portanto, de uma guerra fiscal que já perdura há mais de cinquenta anos.

A vedação à guerra fiscal foi estabelecida pela Lei Complementar nº 24, de 1975, expressamente recepcionada pelo Constituição de 88. Ela condiciona a concessão de favores fiscais à deliberação unânime do Conselho de Política Fazendária (Confaz), órgão integrado pelos secretários estaduais de Fazenda.

As sanções pelo descumprimento daquela lei são severíssimas. Vão desde a nulidade e ineficácia do crédito atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria até a presunção de irregularidades nas contas do Governador, em cujo exercício ocorreu fruição do benefício ilegal.

Até o final dos anos oitenta, a legislação era piamente observada. A onda descentralizadora da Constituição de 88 gerou, entretanto, um clima favorável a atitudes autonomistas, nem sempre em conformidade com a lei.

Nesse contexto, Estados decidiram conceder incentivos fiscais sem a prévia audiência do Confaz: às vezes, ostensivamente; outras vezes, de forma dissimulada, por meio de generosos financiamentos ao pagamento do imposto.

Hoje, se reconhece que há uma aberta guerra fiscal no ICMS. A Justiça, infelizmente, não conseguiu firmar uma jurisprudência sobre a matéria. O Ministério Público, por sua vez, só episódica e timidamente fez valer seu papel constitucional de fiscal da lei.

Já os Estados bradam ameaças e anunciam retaliações, para afinal, mediante barganhas, sancionar, expressa ou veladamente, as ilegalidades. A guerra fiscal resulta, por conseguinte, de uma generalizada condescendência com o descumprimento da lei.

Na presunção de que não é possível observar a lei, alguns postulam a adoção do princípio do destino no ICMS, como instrumento para eliminar a guerra fiscal.

Com base nesse princípio, as alíquotas interestaduais seriam reduzidas a zero, sendo cobrado o imposto exclusivamente no Estado de destino, onde ocorre o consumo final da mercadoria.

À luz desse entendimento, os Estados não teriam interesse em fazer a guerra fiscal, porque não haveria como transferir o ônus do benefício para o Estado consumidor. A tese é elegante, não fossem suas catastróficas conseqüências.

De início, haveria um enorme desequilíbrio das finanças dos Estados produtores, somente compensável por meio de aumento de carga tributária do próprio ICMS ou de tributos federais a serem transferidos para os Estados, ampliando a iníqua dependência dessas entidades federativas à União.

Em seguida, haveria um estímulo à sonegação fiscal, em virtude da ilegal apropriação de ganhos que ocorreriam ao simular como interestadual uma operação, em verdade, interna.

Por último, as empresas que tivessem um grande volume de operações interestaduais, por força da cobrança no destino, passariam acumular montanhas de crédito sem nenhuma liquidez, pois até hoje não se conhece mecanismo que obrigue os Estados a restituírem créditos acumulados.

A propósito, convém lembrar o calote dos precatórios, a despeito de sua presumida certeza e liquidez, bem como os créditos acumulados nas exportações.

Não é possível enfrentar a guerra fiscal, sem perquirir, contudo, sua motivação. Na essência, constata-se ânimo dos Estados mais pobres de fazer uso de suas próprias armas para mitigar o persistente problema das desigualdades regionais de renda.

A questão não tem uma resposta simples, nem fácil. A solução deveria, no meu entender, incluir um amplo conjunto de medidas integradas: instituição de um programa federal de compensação das desigualdades inter-regionais de renda, compreendendo estímulos fiscais e investimentos públicos; uniformização das alíquotas interestaduais em nível de 7%; gradual extinção, no prazo de cinco anos, de todos os incentivos existentes, inclusive convalidando os que foram outorgados ao arrepio da lei; mudança das regras deliberativas do Confaz, eliminando a exigência da unanimidade e fixando o quórum de ¾; autorização legal para que os Estados possam estabelecer alíquotas internas inferiores à interestadual; aperfeiçoamento na redação relativa às vedações para outorga de benefícios sem prévia audiência do Confaz, visando espancar qualquer dúvida quanto às formas dissimuladas de concessão.

Justiça distributiva é atributo indeclinável do Estado brasileiro. Não se pode, todavia, na consecução desse propósito abdicar do respeito à lei. A guerra fiscal do ICMS deve ser compreendida nesse contexto.

Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal

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