quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Governo prepara medida provisória para acabar com 'barranco tributário'

MP prevê a criação, em 2014, de fundos para financiar Estados que necessitarem de recursos após a unificação em 4% da alíquota do ICMS

O governo tem uma medida provisória (MP) pronta para ser enviada ao Congresso Nacional que prevê a criação em 2014 de dois fundos bilionários para financiar Estados que necessitarem de recursos depois da unificação em 4% da alíquota do ICMS, desejada pela presidente Dilma Rousseff. Na mesma MP, o governo prevê alterar o indexador da dívida que os Estados e alguns municípios têm com a União - o débito passaria a ser corrigido pela Selic, e não mais pelo IGP-DI mais uma taxa de juros de 6% ou 9% ao ano.

Ontem, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, se reuniu pela manhã com os secretários de Fazenda dos 27 Estados e, à tarde, foi ao Senado defender as propostas do governo. "Se chegarmos a um acordo quanto à dívida mantida com a União e a mudança do ICMS, podemos enviar a MP ao Congresso já na semana que vem."

Na quinta-feira, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, retorna do exterior, Barbosa apresentará as demandas dos Estados. Quando Dilma chegar de sua viagem à Rússia, Mantega discutirá com a presidente o momento certo de apresentar as medidas.

Segundo Barbosa, o governo terá de apresentar a MP com a criação dos fundos (um de compensação pelas perdas e outro para financiar investimentos), e, por meio de um senador da base aliada do governo, apresentar uma resolução do Senado com a proposta de mudança do ICMS, que passaria a ser recolhido no destino do produto ou serviço.

Barranco tributário. Considerada crucial pela equipe econômica, a mudança do ICMS está na pauta de prioridades da presidente Dilma. Segundo Barbosa, o Brasil vive "não um abismo fiscal como os Estados Unidos, mas um barranco tributário, que precisa ser resolvido nos próximos seis meses, no máximo".

O governo federal propõe a troca do indexador da dívida dos Estados e municípios já para janeiro de 2013. Já a reforma do ICMS seria gradativa, começando em janeiro de 2014 e terminando oito anos depois.

Mas os Estados, por meio de seus secretários e senadores, mostraram que a tarefa do Ministério da Fazenda não será fácil em nenhum front.

Apenas cinco Estados são favoráveis à proposta do governo de reforma do ICMS, que unificaria as alíquotas atuais - de 7% e 12% - em 4% em 2021, oferecendo aos governadores um fundo de compensação para perdas, que teria cerca de R$ 15 bilhões, e outro fundo, com R$ 12 bilhões no primeiro ano e R$ 171 bilhões até 2021, para que os 27 Estados ofereçam financiamentos às empresas com projetos produtivos em seus territórios.

"Com essa mudança no ICMS vamos quebrar essa política de oferecer vantagens competitivas dos Estados menos desenvolvidos", disse o secretário de Fazenda de Mato Grosso do Sul, Jader Julianelli, segundo quem o ICMS responde, hoje, por um terço (ou R$ 1,6 bilhão) da arrecadação anual de seu Estado.

Prazo. Segundo Carlos Mauro Benevides, secretário de Fazenda do Ceará, o governo deveria ampliar o prazo para a reforma do ICMS, dos oito anos propostos para dez anos, e também elevar fortemente o tamanho do fundo para desenvolvimento regional. "Com o ICMS igual para todo mundo, o que vai fazer uma empresa montar uma planta produtiva no Piauí, no Ceará ou Roraima e não nos Estados do Sul e do Sudeste?"

Já para Andrea Calabi, secretário de Fazenda de São Paulo, a proposta da União é "justa" e pode, se implementada corretamente, aumentar a competitividade da economia brasileira no médio prazo.

Quanto à troca do indexador da dívida, o próprio Barbosa afirmou que alguns representantes dos Estados sugerem não a Selic, mas sim o IPCA acrescido de uma taxa de juros de 2%. "Isso envolveria um aumento de custos para o Tesouro Nacional, e também necessitaria de um esforço legal muito maior. A mudança do IGP-DI mais 6% para a Selic, como desejamos, está prevista nos contratos, e pode ser feita imediatamente."

Barbosa também afirmou que o debate sobre a repartição dos royalties do petróleo deveria ser incluído nas demais negociações entre União e Estados, isto é, sobre a reforma do ICMS e a mudança no indexador do endividamento com a União.
 
 Autor(es): JOÃO VILLAVERDE, RENATA VERÍSSIMO, ADRIANA FERNANDES
 O Estado de S. Paulo - 12/12/2012
  
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/12/12/governo-prepara-medida-provisoria-para-acabar-com-barranco-tributario

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Mantega defende projeto do governo para unificar em 4% alíquotas interestaduais do ICMS

Gorette Brandão e Anderson Vieira


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu, nesta terça-feira (4) no Senado, a reformulação do sistema de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ele disse que esse tributo estadual é considerado pelo setor privado o "mais problemático de todos" e tem gerado entraves ao desenvolvimento do país, por conta principalmente da "guerra fiscal" entre as unidades federadas.

- Os subsídios oferecidos pelos estados geraram uma guerra fiscal. O conflito está instalado, e a questão já foi judicializada. A guerra fiscal chegou ao esgotamento e prejudica a todos. Há mais desvantagens do que vantagens no oferecimento destes subsídios - analisou Mantega em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Pela proposta do governo, a alíquota interestadual do ICMS seria unificada e reduzida de forma gradual para 4% em até oito anos. Além disso, haveria a criação de dois fundos por medida provisória: um para compensar os estados por eventuais perdas de arrecadação; e outro para o desenvolvimento regional de estados mais pobres, de modo geral os que praticam a guerra fiscal ao reduzir as alíquotas de ICMS para atrair investimentos.

Pacificação

Para Guido Mantega, uma alíquota unificada acabaria com a atual insegurança jurídica em relação ao tributo. Lembrou que diversas ações diretas de inconstitucionalidade estão no Supremo Tribunal Federal, algumas já decididas a favor de estados que se consideram prejudicados com a guerra fiscal. Além de pacificar essa disputa, ele salientou que o novo modelo para o ICMS criaria um cenário mais propício aos investimentos e ao crescimento econômico.

Como esclareceu o ministro, os subsídios já concedidos pelos estados teriam de ser validados pelo Conselho de Nacional de Política Fazendária (Confaz), que congrega as Secretarias de Fazenda de todos os estados e do Distrito Federal. O ministro já deixou com a comissão duas alternativas de minutas para o projeto de resolução, tema de iniciativa e competência exclusiva do Senado.

Atualmente, existem duas alíquotas interestaduais de ICMS, uma de 7%, que serve aos estados mais ricos, e outra de 12%, utilizada pelos mais pobres, denominados de “emergentes” por Mantega. Com a redução de 1% prevista a cada ano, os mais ricos atingiriam a alíquota de 4% em oito anos.

Crédito automático

O ministro destacou que os fundos previstos vão operar por 16 anos, com aporte de R$ 4 bilhões no ano inicial de implantação da reforma, sendo R$ 1 bilhão de recursos fiscais e R$ 3 bilhões financeiros. O estado que perder arrecadação receberá crédito automático do fundo de compensação a cada mês.

- Será um fundo automatizado para não deixar os estados ficarem expostos a qualquer forma de arbítrio e permitir a acomodação à nova realidade – disse o ministro.

Já o fundo de desenvolvimento regional servirá para estimular investimentos nos estados mais pobres depois do fim da guerra fiscal. Como disse o ministro, será uma forma de estimular as empresas atraídas, “mas de forma legal”. A parcela de cada estado será estabelecida em lei, com financiamentos mais baratos baseados na taxa de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), a JLP.

O ministro se comprometeu a debater com o Congresso o teor da medida provisória que servirá para instituir os fundos. Conforme explicou, essa matéria e o projeto de resolução do Senado tratando do ICMS devem “caminhar juntas” .

- Gostaria que os senhores dessem toda a atenção e que fizessem os reparos. Acho que todos vão lucrar com a proposta. Temos uma postura republicana e não fazemos distinção de nenhum estado. Temos que avançar na questão fiscal e, se tivermos uma postura adequada, o país vai dar um salto – avaliou.

Temores

No debate, no entanto, houve manifestações de preocupação de alguns senadores com os impactos da unificação do ICMS sobre seus estados. No caso do Amazonas, que tem sua atividade econômica fortemente apoiada no Pólo Industrial de Manaus, pode ocorrer perda de 81% das receitas de ICMS, conforme Vanessa Grazziotin (PCdoB).

- Os incentivos com base no ICMS pode ser um problema, mas ao mesmo tempo tem sido a mais prática e eficiente política de desenvolvimento regional. Ainda para o nosso estado, contribui para uma alternativa de desenvolvimento sem pressão sobre a floresta – disse a senadora.

A reunião foi acompanhada pelo governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), que se manifestou sobre o tema. Segundo ele, seu estado perderia cerca de R$ 1,6 bilhão de uma arrecadação total ao redor de R$ 5 bilhões de ICMS. Ele sugeriu duplicar o período de transição do atual para o novo modelo de cobrança, para 16 anos.

Mantega esclareceu que as resoluções sugeridas ao Senado consideram as especificidades dos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Antes de encerar a reunião, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que sugeriu e coordenou o debate, informou que as discussões serão continuadas na próxima terça-feira, às 14h, quando estará na CAE o secretário-executivo do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, além de um secretário de Fazenda de cada região.

Agência Senado

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Contribuinte deve receber intimação pessoal

Autor(es): Por Arthur Rosa | De São Paulo
Valor Econômico - 03/12/2012

Um grupo que atua no setor de petróleo e gás conseguiu na Justiça reabrir o prazo para recurso contra o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) de 2011. O mecanismo, adotado em 2010 pela Previdência Social, pode elevar ou reduzir a alíquota do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) - que passou a se chamar Riscos Ambientais do Trabalho (RAT).

A decisão, proferida pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara Federal de Brasília, beneficia três empresas do grupo. A magistrada acatou o argumento de que os contribuintes não poderiam ter sido intimados por edital de decisões que indeferiram contestações ao FAP de 2011. Para ela, com base na Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo na esfera federal, as intimações têm que ser pessoais ou via correio, com aviso de recebimento (AR).

"Verifica-se que, apesar de haver a possibilidade de que a autoridade administrativa competente determine o meio pelo qual deverá ser feita a intimação, caso seja escolhido outro meio que não um dos expressamente previstos em lei - pessoal, via postal com aviso de recebimento ou telegrama -, esse outro meio deverá assegurar a certeza da ciência do interessado", diz a juíza na decisão. "A publicação de edital não traz tal segurança, não se podendo ter certeza de que o interessado realmente tomou ciência da publicação do edital de intimação."

Para o advogado Bruno de Abreu Faria, do escritório Araújo e Policastro Advogados, que defende o grupo, a intimação por edital só poderia ser feita em último caso. "A Previdência Social não pode tratar a exceção como regra", afirma. "Os editais nem trazem o nome das empresas. A identificação é pela raiz do CNPJ." Procurada pelo Valor, a Previdência Social preferiu não comentar a decisão.

O FAP está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), que deu repercussão geral ao tema nove anos depois de considerar constitucional o Seguro de Acidente do Trabalho. O relator do recurso apresentado pela Komatsu Forest Indústria e Comércio de Máquinas Florestais é o ministro Luiz Fux.

Embora tenha reconhecido a repercussão geral, Fux entendeu que o assunto já está resolvido. Para ele, as decisões reiteradas sobre a constitucionalidade da contribuição poderiam ser aplicadas ao caso. Em 2003, o STF decidiu que o governo poderia estabelecer por decreto os critérios para enquadramento dos setores econômicos previstos na legislação nas alíquotas do SAT, que varia de 1% a 3%, de acordo com o risco de cada atividade.

Fonte: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/12/3/contribuinte-deve-receber-intimacao-pessoal

sábado, 1 de dezembro de 2012

Por que o governo teme?

RICARDO BERTOLINI

No dia 22 de novembro, o governador Silval Barbosa encaminhou, em regime de urgência, à Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) um projeto de lei que altera significativamente a regulamentação do Processo Administrativo Tributário (PAT) e do Conselho de Contribuintes.

O Governo pretende promover a desregulamentação legal do PAT e garantir uma autorização do Legislativo para que essa regulamentação se dê por meio de normas infralegais, pois essa iniciativa propõe a revogação de 60% dos artigos da lei que atualmente disciplina o PAT e altera outros 20%.

A regulamentação do PAT é muito importante, pois é a maneira que o contribuinte tem de se opor administrativamente ao lançamento de tributos que julgar indevidos. A Lei n° 8.797/2008, que traz essa regulamentação hoje, dispõe sobre a forma como o processo vai se desenvolver, garante a ampla defesa do contribuinte e que o recurso apresentado por ele seja analisado pelas pessoas com competência legal para essa função, além de disciplinar a composição e funcionamento do Conselho de Contribuinte.

Se o projeto encaminhado pelo Governo for aprovado, caberá ao Executivo fazer essa regulamentação, sem a participação do Legislativo. Na prática, os deputados estarão dando carta branca para o governador dispor, por meio de decretos e portarias, como essa revisão dos lançamentos tributários será realizada.

Além disso, é direito do contribuinte, em segundo grau de recurso, ter seu pleito julgado pelo Conselho de Contribuintes. A existência dessa entidade é a garantia do julgamento de impugnação pelos pares, pois o Conselho é formado por representantes do Estado e representantes dos contribuintes. No entanto, se o projeto de lei for aprovado, caberá ao Executivo definir qual será o valor dos lançamentos que poderão ser levados ao Órgão, inviabilizando, consequentemente, o acesso do contribuinte ao Conselho.

O projeto de lei fere ainda a Constituição Federal, porque delega o julgamento dos processos interpostos pelo contribuinte a servidores que não fizeram concurso público para essa função. Com isso, atenta contra o dispositivo constitucional que prevê o concurso público como forma de ingresso nos cargos públicos e proíbe a transposição de um cargo para outro que não integra a carreira que o servidor estava investido originariamente.

Não é a primeira vez que o Executivo Estadual toma medidas que fragilizam o PAT e o Conselho de Contribuintes. Em novembro de 2010, o Governo já tentou revogar a Lei n° 8.797/2008 quando encaminhou o Projeto de Lei n° 349/2010 ao Legislativo. Naquela ocasião, o Sindicato dos Fiscais de Tributos Estaduais (SINFATE) e as entidades que representam os contribuintes no Conselho de Contribuintes fizeram uma manifestação na ALMT contrária ao referido PL e o Governo acabou retirando o projeto.

Não logrando êxito na revogação da Lei n° 8.797/2008, o Executivo resolveu editar o Decreto n° 411/2011, dispondo de forma ilegal sobre composição e o funcionamento do Conselho de Contribuintes. O novo decreto subordinou o Conselho a uma Superintendência da Secretaria de Fazenda (Sefaz), além de submeter os representantes dos contribuintes ao Estatuto e Código de Ética dos Servidores Públicos, maculando assim a independência do Órgão. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com mandado de segurança e o Judiciário concedeu liminar suspendendo a submissão dos representantes dos contribuintes ao Estatuto e Código de Ética dos Servidores Públicos.

O Governo também nomeou para compor o Conselho, como representantes do Fisco, pessoas que não integram a carreira dos Fiscais de Tributos Estaduais contrariando a Lei Complementar n° 98/2001, deixando de zelar pela competência técnica e legal dos julgados do Órgão. Dando margem a insegurança jurídica em relação aos atos do Conselho, o SINFATE conseguiu liminar no Judiciário que manda suspender o ato ilegal de nomeação.

Diante das liminares concedidas, ao invés de procurar o caminho da legalidade revogando os atos e decreto arbitrários e ilegais, o Governo paralisou as atividades do Conselho sob o pretexto da digitalização e correição dos processos de recursos levados ao Órgão. De lá para cá, já foram 17 (dezessete) meses de paralisação da instituição que veio para garantir a legalidade e Justiça dos lançamentos tributários.

*RICARDO BERTOLINI é presidente do Sindicato dos Fiscais de Tributos Estaduais de Mato Grosso


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Matéria publicada na edição 13475 em 02/12/2012 no Jornal Diário de Cuiabá

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Defensores da guerra fiscal

O Estado de S.Paulo


A maioria dos governadores quer manter a guerra fiscal e rejeita, ao mesmo tempo, qualquer conversa a respeito de um sistema tributário mais racional e mais compatível com uma economia moderna e integrada no mercado global. Com outras palavras, foi esta a resposta oferecida ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, em sua reunião de quarta-feira com representantes dos 26 Estados e do Distrito Federal, em Brasília. O ministro nem chegou a apresentar uma reforma tributária digna desse nome. Propôs apenas uma alteração do imposto cobrado nas operações interestaduais, para dificultar a guerra de incentivos, ilegal há décadas, mas amplamente praticada para atração de investimentos. Se um acordo for impossível, disse Mantega, o remédio será deixar a solução para o Supremo Tribunal Federal (STF). Já houve sentenças contra incentivos concedidos por vários Estados e, na falta de consenso, a reforma "será feita pelo Judiciário", disse Mantega. É difícil dizer se essa advertência convencerá os governadores, já treinados na arte de contornar as decisões judiciais.

A ideia do governo é simplesmente reduzir para 4% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) cobrado quando se leva um produto de um Estado para outro. Tradicionalmente são cobradas alíquotas de 7% (nos Estados mais ricos) e 12% (nos menos desenvolvidos). Empresas beneficiadas por incentivos especiais costumam, nas vendas para outros Estados, contabilizar créditos fiscais na origem, como se houvessem recolhido o imposto integral. Se esse crédito for descontado no Estado de destino, as empresas terão um duplo benefício: pagarão menos tributo e terão uma vantagem competitiva, obviamente desleal. Alguns governos reagem desconsiderando o crédito fictício. Com isso a guerra se prolonga e só é interrompida, de vez em quando, por alguma decisão judicial.

A Resolução 13 do Senado permitiu um avanço parcial na solução do problema. A redução das alíquotas para 4% poderá diminuir, se não eliminar, a chamada guerra dos portos. Com a alteração da cobrança, ficará menos vantajosa a importação de produtos com redução de imposto para revenda a clientes de outros Estados. Essa aberração - incentivo fiscal a importações de mercadorias produzidas no País - tem florescido há alguns anos em vários Estados, com graves prejuízos para a indústria brasileira. A regulamentação do assunto foi discutida também na quarta-feira pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A mudança deve entrar em vigor em janeiro.

A proposta apresentada pelo ministro Mantega generaliza essa alíquota para todas as operações, valendo tanto para produtos importados (caso da guerra dos portos) quanto para os fabricados no País. Embora os incentivos arbitrários já sejam ilegais, o governo federal ainda propõe compensar os Estados partidários da guerra com a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional. Uma nova política nacional de apoio às regiões menos desenvolvidas pode ser uma boa ideia, mas conviria, nesse caso, repensar os esquemas em vigor de transferências de recursos para Estados e municípios. O governo propõe, também, compensar as perdas de alguns Estados com a redução da alíquota incidente nas operações interestaduais.

A última grande negociação entre o governo central e os governos estaduais e municipais ocorreu nos anos 90, quando foram refinanciadas as dívidas de Estados e municípios. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva jamais se dispôs a enfrentar um trabalho semelhante em favor de uma reforma tributária ambiciosa. O governo da presidente Dilma Rousseff mal começou o esforço de convencer os governadores das regiões menos desenvolvidas a aceitar uma alteração muito limitada.

Em caso de sucesso, terá conseguido atenuar apenas um dos muitos problemas de um sistema tributário superado. A compensação dos impostos cobrados sobre o investimento e a exportação continuará na dependência de remendos e de mecanismos ineficientes, como os esquemas, sempre emperrados, de devolução de créditos fiscais. Enquanto isso, os países concorrentes continuarão avançando.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Regras para alíquota unificada de ICMS são publicadas

Os procedimentos para a aplicação da alíquota unificada do ICMS de 4% sobre produtos com mais de 40% de conteúdo importado foram estabelecidos por meio do Ajuste do Sistema Nacional de Informações Econômicas e Fiscais (Sinief). A norma foi firmada no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) pelos Estados e Distrito Federal e publicada na sexta-feira no Diário Oficial da União. O Ajuste Sinief nº 20 esclarece que o conteúdo de importação deverá ser recalculado sempre que, após sua última aferição, a mercadoria ou bem objeto de operação interestadual tenha sido submetido a um novo processo de industrialização. A alíquota de 4% foi criada pela Resolução nº 13 do Senado para unificar o valor cobrado do imposto nas operações interestaduais com mercadorias importadas. A alíquota deverá ser aplicada a partir de janeiro aos produtos que não sofreram processo de industrialização ou quando esse processo resultar em mercadorias com mais de 40% de conteúdo importado. Esse conteúdo será o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada e o valor total da operação interestadual. Para comprovar esse percentual, deverá ser enviado ao Fisco uma Ficha de Conteúdo de Importação (FCI) na qual deverá constar a descrição da mercadoria ou bem resultante do processo de industrialização. O código de classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul, unidade de medida e valor da parcela importada do exterior, entre outros dados, também deverão constar no documento. Um nova FCI será necessária todas as vezes que houver alteração superior a 5 % no conteúdo de importação ou que represente alteração da alíquota interestadual aplicável à operação. A ficha deve ser enviada ao Fisco pela internet, em arquivo digital com assinatura digital do contribuinte ou seu representante legal, certificada por entidade credenciada pela ICPBrasil. 

Laura Ignacio De São Paulo

Fonte: Valor Econômico

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Mudança no ICMS é nova frente de batalha do governo

BRASÍLIA - Dentro de sua estratégia de aumentar a competitividade da economia brasileira, a presidente Dilma Rousseff dará um impulso à reforma tributária ainda este ano. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, articula uma reunião com todos os governadores na próxima quinta-feira, com o objetivo de discutir um primeiro esboço de proposta do governo para a reforma do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Depois do corte de tributos no setor elétrico e das concessões em infraestrutura, essa será a nova frente de batalha do governo. Os auxiliares de Dilma sabem que essa não será uma discussão fácil. Um deles classifica o tema como "tabu". Porém, a presidente conta com uma vantagem fundamental em relação a seus antecessores que tentaram, sem sucesso, reformar o sistema tributário nas últimas três décadas. O Supremo Tribunal Federal (STF) já condenou alguns programas de descontos no ICMS criados pelos Estados com o objetivo de atrair empresas, na chamada guerra fiscal. O passo seguinte é editar uma súmula vinculante, que estenderia a condenação a todos os demais programas de mesma natureza questionados na Justiça. Isso exerce sobre os governadores uma pressão inédita no sentido de buscar um acordo que lhes permita legalizar os incentivos já concedidos. A reforma geral do ICMS pode ser um caminho para isso. É principalmente essa a razão pela qual Mantega acha que há uma chance real de avançar com a discussão. Novo contexto Há, além disso, uma mudança no contexto do debate. Dilma já deu um primeiro passo concreto para mudar o ICMS. No dia 1.º de janeiro começam a funcionar as novas regras que vão pôr fim à chamada "guerra dos portos", formada com incentivos fiscais do ICMS à importação. A reforma geral do ICMS nada mais é do que a expansão dessas normas para os demais produtos. O fim da guerra dos portos veio com a aprovação da Resolução 13 do Senado, em abril deste ano. Por ela, as mercadorias importadas que chegarem no País por um Estado e forem consumidas em outro recolherão 4% de ICMS na passagem. Hoje essa tributação é de 12% ou 7%, dependendo do local. A proposta do governo para a reforma tributária é, basicamente, estender a redução a 4% a outras mercadorias. A redução seria gradual, de até 1 ponto porcentual ao ano, para evitar quedas bruscas na arrecadação dos Estados. E a perda de receitas seria reposta pela União. O primeiro desafio político de Mantega em suas conversas com os governadores será superar uma clara divisão regional. Os Estados do Sul e Sudeste concordam com a alíquota de 4%, como quer o governo. No entanto, os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste querem manter o sistema atual de duas alíquotas diferentes, no caso 2% e 7%. "Eles não abrem mão disso", informou o coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), Cláudio Trinchão, que é secretário de Fazenda do Maranhão. Temor Além disso, as unidades com menor dinamismo econômico temem perder empresas após a aprovação da reforma do ICMS e o consequente fim da guerra fiscal. Eles consideram que a simples reposição das quedas de receita não seria suficiente. "Precisamos de maciços investimentos em infraestrutura, taxas de juros diferenciadas e benefícios com tributos federais", defendeu Trinchão. Só com esses instrumentos seria possível dar às regiões mais remotas do País condições de competir com o Sul e Sudeste na atração de investimentos privados, defende o secretário de Fazenda do Maranhão. Segundo informou Trinchão, os Estados do Sul e Sudeste estão pressionando os demais a aceitar os 4%. Em troca, concordariam em legalizar parte dos incentivos fiscais condenados pelo STF. A convalidação da guerra fiscal é uma discussão que se arrasta há mais de um ano no Confaz, sem alcançar o consenso. Outra discussão que promete ser complicada é a determinação da perda de arrecadação sofrida pelos Estados. O governo federal estima que, teoricamente, ela pode ser de até R$ 14 bilhões. Na prática, porém, o prejuízo é menor porque hoje os Estados não cobram o ICMS integralmente, por causa da guerra fiscal. 

Lu Aiko Otta Da Agência Estado
Fonte: Estadão - Economia

sábado, 3 de novembro de 2012

STF suspende incentivos fiscais à produção de tablets em SP

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos de dispositivos de lei e decretos editados pelo estado de São Paulo que estabelecem incentivos fiscais à produção de tablets por meio de tratamento tributário diferenciado quanto ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A suspensão decorre de concessão de liminar na em uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4635) ajuizada pelo governador do Amazonas, Omar Abdel Aziz, sob o argumento de que a iniciativa paulista prejudica a Zona Franca de Manaus. A decisão atinge uma lei paulista de 1989, que concede benefícios fiscais à produção de bens de informática, e terá validade até que o Plenário do STF se manifeste sobre o caso.

Em sua decisão, o ministro invocou precedentes do STF sobre a chamada guerra fiscal nos quais a corte tem censurado a validade constitucional de leis, decretos e outros atos normativos pelos quais os Estados-membros, sem prévia celebração de convênio interestadual no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), têm concedido, unilateralmente, isenções, incentivos e benefícios fiscais em matéria de ICMS, e afirma que a Lei Complementar 24/75, que regulou a celebração de convênios para a concessão de isenções e outros benefícios pertinentes ao ICMS, encontra-se em plena vigência.

Nas informações prestadas ao ministro Celso de Mello pelo governador Geraldo Alckmin, consta que, "visando a inclusão digital e o incremento tecnológico, foram concedidos incentivos à produção de tablets, por meio de redução de base de cálculo e fixação de crédito presumido de ICMS, incentivos estes editados de acordo com os ditames da magna carta e legislação federal correlata". Mas, segundo o ministro, tal interpretação parece transgredir cláusulas constitucionais.

A Carta Política prescreve, em seu art. 155, 2º, XII, g, que se inclui no domínio normativo da lei complementar nacional lei esta que se acha inscrita na esfera de competência da União Federal a regulação da forma como isenções, incentivos e benefícios fiscais poderão ser concedidos e revogados por deliberação dos estados-membros. Essa norma constitucional, destinada a estabelecer padrões normativos uniformes em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS, acha-se teleologicamente vinculada a um objetivo de nítido caráter político-jurídico: impedir a guerra tributária entre os estados-membros, afirmou o ministro, acrescentando que os dispositivos da LC 24/75 que exigem concordância unânime de todos os estados e do Distrito Federal para a concessão de benefícios tributários em matéria de ICMS está sendo questionado no STF por meio da ADPF 198, de relatoria do ministro Dias Toffoli.

O ministro entendeu que estão presentes os requisitos para a concessão da liminar (plausibilidade do direito e perigo da demora). Tudo o que vem de ser exposto concorre para o reconhecimento do indiscutível relevo jurídico do pedido, tanto mais quando se tem presente que a doutrina, ao analisar o tema da exoneração tributária em matéria de ICMS, não prescinde, qualquer que seja o veículo de exteriorização da competência isencional, da prévia e necessária celebração de convênio entre os estados-membros, afirmou. Quanto ao periculum in mora (risco de decisão tardia), o relator afirmou estar presente em face da irrecusável repercussão econômico-financeira provocada pelas ora questionadas regras concessivas de unilateral exoneração tributária de ICMS.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Estabelecimentos poderão ter de informar isenção de tributos sobre mercadorias

Arquivo/ Renato Araújo

Policarpo: medida incentivará consumidor a exigir preços justos.

A Câmara analisa o Projeto de Lei 4335/12, do deputado Policarpo (PT-DF), que obriga os estabelecimentos comerciais a divulgar informações sobre a isenção de tributos federais, estaduais ou municipais incidentes sobre mercadorias ou serviços postos à venda.

De acordo com a proposta, a informação deverá constar dos documentos fiscais ou equivalentes emitidos na venda das mercadorias ou serviços. A informação também poderá constar de painel afixado em local visível do estabelecimento ou por qualquer outro meio eletrônico ou impresso.

Segundo o autor do projeto, o objetivo da medida é alertar o consumidor sobre a influência da isenção de tributos na formação dos preços finais dos produtos e serviços. “Os cidadãos não têm consciência de que alguns tributos deixaram de compor o preço de venda de um determinado serviço ou mercadoria, cerceando o direito do consumidor a exigir preços justos de mercado”, argumenta o deputado.

O descumprimento da medida sujeitará o infrator às sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que vão de multa à cassação de licença do estabelecimento.

Tributos

Segundo o projeto, as isenções devem ser computadas em relação aos seguintes tributos: 

- Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); 
- Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS); 
- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); 
- Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF); 
- Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza; 
- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); 
- Contribuição Social para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) – (PIS/ Pasep); 
- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); 
- Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide).

Tramitação 

O projeto está apensado ao PL 1472/07, que aguarda inclusão na pauta do Plenário.

Íntegra da proposta:
Reportagem – Lara Haje 
Edição – Pierre Triboli

A reforma tributária possível

Ives Gandra da Silva Martins - O Estado de S.Paulo



Não estou convencido de que as propostas de minirreforma tributária sinalizadas por autoridades e especialistas possam simplificar o sistema e acarretar a redução do nível de imposição.


Muito embora convencido de que a carga burocrática de nossa Federação não cabe no PIB, condicionando o elevado porcentual de tributação no País, não vejo como ela possa ser reduzida sem enfrentar o principal problema do sistema tributário, que é a guerra fiscal, provocada a partir do equívoco inicial dos formuladores da Emenda Constitucional n.º 18/65, de que seria possível "regionalizar" um tributo de "vocação nacional" mediante o princípio geral do valor agregado, ou melhor, da não cumulatividade.

Considero que a guerra fiscal, mesmo que atalhada, agora e em parte, pela Suprema Corte, necessita encontrar solução dentro de uma reforma que, sem retirar o direito impositivo dos Estados de administrarem o ICMS, equacione as pendências passadas, sobre as quais o Pretório Excelso não se debruçou. Implica definir a tributação futura, sem aumentar necessariamente a carga - que a fórmula hoje em discussão no governo fatalmente promoverá -, mediante a alteração do regime das operações interestaduais, de misto (parte beneficiando a origem e parte o destino) para regime preponderante de destino, com uma pequena compensação aos Estados exportadores líquidos, em torno de 2% do arrecadado.

Em outras palavras: se o sistema atual vier a ser alterado para o regime de destino, propiciará aos Estados "importadores líquidos" (compram mais do que vendem) um benefício real e aos Estados "exportadores líquidos" (vendem mais do que compram), um prejuízo efetivo, calculando-se, na melhor das hipóteses, uma queda da arrecadação superior a 10% somente para o Estado de São Paulo.

A solução acenada, nas diversas propostas anteriores, de uma compensação a ser ofertada pela União, à evidência acarretaria um aumento da carga tributária. É que, além de a União ter necessidade dos tributos que ora arrecada, para fazer face à sua estrutura burocrática, precisaria arrecadar mais para compensar os Estados perdedores, sendo, ainda, conhecida a enorme dificuldade de se calcular o real prejuízo que decorreria desse sistema e sua justa reposição. Tomem-se em conta, por exemplo, as compensações prometidas pela União aos Estados quando da Lei Complementar n.º 87/96, até hoje contestadas por todos eles, que se consideram lesados por terem perdido arrecadação, sem que houvesse uma justa compensação pela União em relação à eliminação do ICMS incidente sobre a exportação de produtos semi-elaborados.

Um outro problema apareceria, também: os Estados exportadores líquidos perderiam a autonomia absoluta na administração de seu imposto, pois parte de sua arrecadação ficaria na dependência da União. Pessoalmente, não vejo nenhuma viabilidade, em teoria ou na prática, de se colocar um porcentual na Constituição, na lei complementar ou na lei ordinária para quantificar os exatos valores das perdas dos Estados exportadores líquidos a serem compensados.

O certo é que, ganhando os Estados importadores líquidos e perdendo os Estados exportadores líquidos, se se adotasse o regime de destino do ICMS, teríamos um aumento da carga, diante da necessidade da União de arrecadar mais para compensar os Estados perdedores de receita. É de lembrar, ainda, que o regime de destino implica jogar o trabalho arrecadatório para o Estado exportador de mercadorias e serviços definidos na Lei Maior, e o beneficiário será o Estado importador, que receberá o tributo sem a necessidade de trabalhar para arrecadá-lo.

Bernardo Appy, em seu anteprojeto, pensou em retirar parte do aumento de arrecadação dos Estados beneficiários para formar um fundo de compensação, também de difícil implantação, levando em consideração que poderá haver em relação a tais operações interestaduais um interesse menor de fiscalização pelo Estado exportador do tributo, que terá de fiscalizar e arrecadar não em benefício próprio, mas do Estado destinatário das mercadorias.

Embora a decisão da Suprema Corte, que considerou inconstitucional a "guerra fiscal", tenha acelerado o processo de discussão, deverá - se não houver uma modulação de seus efeitos, ou seja, a determinação de que a decisão valerá para o futuro, em todos os casos - acarretar problemas profundos para todas as empresas que se estabeleceram em Estados cuja lei foi considerada inconstitucional.

Essa é a razão pela qual volto ao ponto crucial: o nó górdio de qualquer reforma tributária é manter o regime misto, com porcentual a ser ainda definido para Estados de origem e de destino, com dois complementos apenas, isto é, alíquota única para todo o território nacional e vedação absoluta à concessão de estímulos fiscais e financeiros via ICMS, pois se trata de um imposto de vocação nacional, que, no Brasil - gritante exceção no concerto das nações -, foi regionalizado. Trata-se de proposta que apresentei quando participei de audiência pública no Congresso Nacional e defendi, depois dela, perante os parlamentares.

Por outro lado, os incentivos passados deveriam ser mantidos até a promulgação de emenda constitucional, não prevalecendo, todavia, para o futuro. Essa solução parece melhor do que a que, no momento, pesa sobre todas as empresas que corresponderam à oferta de estímulos fiscais por parte dos Estados e que podem vê-los invalidados pelos últimos cinco anos.

Seria, a meu ver, a forma correta de começarmos uma reforma tributária, sem a necessidade de aumentar a carga de tributos numa Federação, cujo tamanho, repito, é maior do que o seu PIB.



PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE MACKENZIE, DO CIEE/O ESTADO DE S. PAULO E DAS ESCOLAS DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME) E SUPERIOR DE GUERRA (ESG)



Governo prepara proposta que altera cobrança de ICMS

O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, afirmou ontem que o governo prepara uma proposta para alterar o sistema de cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e pôr fim à guerra fiscal entre os Estados.

A medida, ainda sem data, está sendo formulada pelo ministério da Fazenda e integra o novo pacote de ações de estímulo à indústria que o governo pretende anunciar no primeiro trimestre do ano que vem. Será o terceiro conjunto de medidas lançadas pelo governo desde agosto de 2011.

Segundo ele, as novas regras levarão em conta os incentivos fiscais, relativos à redução de ICMS, já concedidos às empresas nos diferentes Estados, um pedido já feito pelos empresários.

"O governo não pensa em fazer uma mudança tão radical que desorganize o sistema produtivo como ele é hoje", disse Pimentel, após reunião do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial), no Palácio do Planalto, para discutir os resultados do primeiro ano do Plano Brasil Maior, lançado pelo governo em 2011.

A preocupação com a guerra fiscal foi externada, durante a reunião, pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo o presidente da entidade, Robson Andrade, o cenário é de insegurança jurídica. O STF (Supremo Tribunal Federal) deve se posicionar sobre o tema ainda em 2012. "O país inteiro está com uma insegurança enorme, porque de repente você pode ver os incentivos fiscais retirados", disse Andrade.

A CNI defende que os incentivos já concedidos sejam convalidados e que eventuais impedimentos à guerra fiscal entre os Estados sejam válidos apenas para futuros empreendimentos.

Segundo Andrade, outra demanda apresentada na reunião foi a possibilidade de estender benefícios concedidos a montadoras à cadeia de produção automobilística, como o setor de autopeças.

"Senão nós vamos ficar com as montadoras no Brasil, mas importando todos os componentes", disse.

Segundo o ministro Fernando Pimentel, das 63 medidas previstas no Brasil Maior, 49 já estão em operação. Entre as ações implantadas, estão a desoneração da folha de pagamento para 40 setores considerados intensivos de trabalho, o novo regime automotivo e medidas de estímulo às exportações.

Também participaram da reunião o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, além de representantes da sociedade civil.

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Fonte: APET

O modelo regressivo de tributação no Brasil

Por Joacir Sevegnani 


Quando se afirma que o Brasil apresenta uma tributação regressiva, significa que há uma retirada proporcionalmente maior das pessoas com menor capacidade de contribuir, seja por meio de tributos pagos diretamente ou indiretamente suportados.

Explicando melhor, um sistema tributário é considerado regressivo quando a participação dos tributos sobre a renda e a riqueza dos indivíduos acresce na relação inversa destas, que em linguagem simples quer dizer, paga mais (em termos relativos) quem ganha menos. Um Sistema Tributário é dito progressivo, quando esta participação aumenta na mesma proporção da renda e da riqueza, ou seja, paga mais quem ganha mais (01). Assim, a regressividade é o reverso da progressividade, razão por que é adequada uma explicação desta, para entender-se os efeitos perversos daquela.

Todavia, antes é preciso enfatizar que a progressividade é exigência do próprio postulado da capacidade contributiva. Como se asseverou, pelo princípio da capacidade contributiva, a tributação deve ser geral, devendo atingir o maior número de pessoas e a sua exigência deve ser uniformemente feita, na medida da capacidade de cada um, em que cada pessoa seja instada a contribuir com mais ou com menos, para a manutenção dos serviços que a Administração Pública presta aos cidadãos. Nas palavras de Baleeiro, o princípio da Capacidade Contributiva “repousa sobre a base ética de um ideal de justiça. Se os membros de um grupo politicamente organizado são desiguais do ponto de vista econômico, paguem na medida das suas faculdades de disponibilidades” (02). Em resumo, retire-se menos de quem apenas pode satisfazer as necessidades essenciais para uma vida com dignidade e recorra-se a quem possui uma maior capacidade econômica.

Até a metade do século XIX, os “impostos progressivos soavam como confisco, rapina, comunismo e subversão social, a despeito dos argumentos lógicos que a seu favor desenvolveram alguns nobres espíritos” (03). Em interessante observação, o financista americano Groves, citado por Baleeiro, não obstante sua convicção contrária, justificou que “a tributação progressiva é uma válvula de segurança para aliviar a pressão do vapor que de outra forma poderia forçar mudanças revolucionárias imprudentes” (04).

Em muitos países, as estatísticas passaram a demonstrar a eficácia dos impostos como instrumentos de redistribuição da riqueza e da renda nacional. Na Inglaterra, a amputação dos vultosos patrimônios e das rendas elevadas modificou a realidade social. Nos Estados Unidos, o imposto de renda já tornou raras as extravagâncias que celebrizaram milionários há algumas dezenas de anos (05).

Hoje, a tributação progressiva é universal e utilizada em grande medida pelos países mais desenvolvidos, com vistas a atender as modernas funções da política fiscal. É por meio da política fiscal que os governos procuram interferir na ordem econômica para neutralizar ou reduzir problemas crônicos, como crises, processos inflacionários e desigualdades sociais.

Para isso utiliza-se de um conjunto de medidas que podem ser didaticamente classificadas de acordo com as funções básicas que pretende exercer: a função alocativa, que diz respeito ao fornecimento de bens públicos; a função estabilizadora que tem por objetivo o uso da política econômica visando a um alto nível de emprego e, por fim, a função distributiva, que se passa a expor.

A função distributiva visa promover a redução das desigualdades sociais, mediante a adoção de mecanismos estruturais criados pelo governo que propiciem a possibilidade da transferência, direta ou indireta, de parte da riqueza em poder dos mais ricos para os mais pobres. Como ensinava Sainz de Bujanda, a política fiscal não pode ser neutra, deve estar direcionada à realização do fim supremo do Estado: a prosperidade social. Para atingir esse objetivo, as operações financeiras decorrentes da tributação devem resultar na distribuição da riqueza produzida entre os indivíduos e as classes sociais, por meio de um sistema jurídico e político que proporcione a máxima eficiência social (06).

Como mecanismos de concretização da função distributiva, cabe assinalar, em primeiro lugar, a redistribuição direta de renda que ocorre quando são tributados em maior percentual (tributação progressiva) os indivíduos pertencentes às camadas de renda mais alta e em menor valor ou isentando os possuidores de menor riqueza, como ocorre com os impostos sobre o patrimônio e a renda. Em segundo lugar, pela utilização dos recursos captados pela tributação dos indivíduos de renda mais alta, para o financiamento de programas voltados à parcela da população de baixa renda, como a construção de moradias populares. Finalmente, o governo pode impor alíquotas de impostos mais elevadas aos bens considerados de “luxo” consumidos, em regra, pelos indivíduos das classes mais altas e estabelecer tributação reduzida ou nenhuma para os bens que compõem a cesta básica, subsidiando desta forma, os bens de primeira necessidade, com alta participação no consumo da população das classes baixas (07). É o que ocorre com os impostos indiretos (08), a exemplo do ICMS (09), onde a progressividade pode ser aplicada parcialmente por meio de alíquotas menores ou isenções para mercadorias de consumo popular e maiores para aquelas classificadas como supérfluas.

O Sistema Tributário Brasileiro, não obstante apresentar, em particular alguns tributos progressivos, no conjunto a tributação recai de forma regressiva sobre a população, o que implica no fracasso da função distributiva que a ele se atribui como medida transformadora da realidade social. Isto decorre da representatividade elevada dos impostos indiretos (IPI (10), ICMS, ISS (11), etc.) sobre o total da carga tributária e de uma pouca efetividade dos impostos sobre o patrimônio e a renda. No caso dos impostos indiretos, os seus valores são embutidos em maior ou menor percentual nos custos dos produtos e serviços e repassados aos consumidores. O mesmo princípio é aplicável para os impostos diretos de responsabilidade das pessoas jurídicas, a exemplo do IRPJ (12), pois embora a base de incidência seja a renda das empresas gerada em determinado período, também é possível, e via de regra realizada, a transferência dos custos estimados do imposto para os adquirentes finais. Então, é um equívoco pensar-se que o ônus dos impostos diretos não possa recair sobre os consumidores. A rigor, toda a tributação dos impostos e contribuições sob a responsabilidade das empresas, é computada no valor dos produtos e serviços comercializados.

Na opinião de Godoi, essas distorções na tributação brasileira são resultantes, principalmente, do extremo descaso com que o legislador ordinário brasileiro trata a progressividade nos impostos diretos, o que fica evidenciado pelo seu desprezo até mesmo com o IRPF (13). Observa que apesar de a Constituição dispor que a incidência deste imposto deva ser geral, universal e progressiva (art. 153, §3º), pouca efetividade é dada a estes princípios. Enquanto a generalidade é descaracterizada em muitas situações, a exemplo da isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas aos seus sócios e acionistas, a progressividade não representa adequadamente a diversidade da riqueza das pessoas (14).

Embora ampliada para quatro alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), as variações de receitas submetidas à tributação em cada faixa do IRPF são muito próximas, de tal modo que mesmo a faixa de isenção não representa um valor adequado a atender o mínimo vital para a subsistência. Como resultado, as rendas mais elevadas são submetidas, em muitas situações, ao mesmo percentual de tributação de rendas significativamente menores.

Como enfatiza Zavarizi, a recomendação do legislador constituinte, que consagra os princípios de justiça fiscal, não é obedecida pelo legislador ordinário, que insiste em ampliar a tributação por meio de impostos essencialmente indiretos, penalizando assim os contribuintes de baixa renda (15). Neste sentido, é de se lamentar que a regressividade impingida aos tributos, em termos gerais, faz com que os menos afortunados e os assalariados, sejam postos a arcar proporcionalmente com a maior carga, enquanto o imposto sobre as grandes fortunas, figura como um natimorto, nasceu, mas não viveu, e os lucros do sistema financeiro são quase intocáveis.

Segundo a visão humanista de Baleeiro, ainda se sonha no Brasil com a época em que “não se reproduza jamais o paradoxo da miséria na abundância, ou do subconsumo no auge da superprodução” (16). Apesar desta triste constatação, o autor revela-se otimista com a eficiência política do imposto pessoal e progressivo, acreditando que poderá ser o instrumento silencioso e adequado a “uma revolução social, sem ‘sangue, suor ou lágrimas’, mas tão radical quanto as de caráter catastrófico que têm congestionado cemitérios, cárceres e orfanatos, apavorando as sociedades ameaçadas pela sua propagação insinuante e insidiosa” (17).

Das breves anotações, vislumbra-se a tributação progressiva como a forma que melhor se aproxima do ideal solidário que deve perpassar os fundamentos sobre os quais se estruturam as sociedades modernas, em especial, a idéia de que os homens devem prestar-se mútua colaboração, inclusive por meio dos tributos. Neste sentido, se um dos aspectos centrais do Estado é fazer com que todos contribuam para a promoção do bem comum, é essencial que os impostos pessoais sobre o patrimônio e a renda tenham um peso maior no conjunto da tributação.

Notas

(01) GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 199.

(02) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 829.

(02) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 752.

(04) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 754.

(05) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 834.

(06) BUJANDA, Fernando Sainz de. Hacienda Y Derecho: Introducción al Derecho Financeiro de nuestro tiempo. Madri: Instituto de Estúdios Políticos, 1962, v. I, p. 18-20.

(07) GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia Duarte de. Finanças públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 30-34.

(08) Impostos indiretos são aqueles que incidem sobre o preço das mercadorias, em que normalmente o empresário embute o valor do imposto no seu custo, repassando-o ao consumidor.

(09) Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

(10) Imposto sobre produtos industrializados.

(11) Imposto sobre serviços de qualquer natureza.

(12) Imposto de renda das pessoas jurídicas.

(13) Imposto de renda das pessoas físicas.

(14) GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (orgs.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 161-162.

(15) ZAVARIZI, Índio Jorge. Finanças Públicas. In: Curso de especialização em gestão fazendária. p. 97.

(16) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 833.

(17) BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 699.

Texto publicado originalmente em: 18/06/2012

Publicidade na web e em outdoor deve pagar tributo

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou ontem um projeto de lei que tenta reforçar o caixa dos municípios e acabar com incertezas na incidência de impostos sobre a inserção de publicidade na internet e em outdoors.

Elaborado pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), o projeto seguiu para o plenário do Senado em regime de urgência.

A proposta prevê a cobrança de ISS (Imposto sobre Serviços) sobre a publicidade em meios "que não sejam livros, jornais, periódicos, rádio e televisão".

Segundo o parecer do CAE, uma lacuna jurídica abria brecha para o não recolhimento do tributo.

No lugar, previa o pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por agências de publicidade que utilizam esses meios de comunicação aos Estados. A troca havia sido proibida pelo Supremo Tribunal Federal.

"Isso é um avanço. Quem administrou prefeituras sabe o quanto isso é importante para a reorganização de municípios médios", disse o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). O projeto foi elogiado por integrantes da oposição.

Além da aprovação do requerimento de urgência, os senadores fecharam um acordo para evitar que o texto fosse alterado e, assim, retornasse à Câmara. Deve ser aprovado com apenas um veto da presidente Dilma Rousseff.


Fonte: Folha de S. Paulo

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Sócio com nome na certidão de dívida ativa pode responder à execução fiscal, diz STJ

O relator é o ministro Benedito Gonçalves.

É possível o redirecionamento da execução fiscal proposta contra pessoa jurídica aos seus sócios, cujos nomes constem da Certidão de Dívida Ativa (CDA). A tese, firmada em recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi aplicada pela Primeira Turma para decidir um recurso sobre execução fiscal a favor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O relator é o ministro Benedito Gonçalves.

No REsp 1.104.900, julgado em abril de 2009 pelo regime dos recursos repetitivos, a Primeira Seção firmou entendimento no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, cabe a ele provar que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), ou seja, que não houve a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

No caso julgado agora pela Primeira Turma, o recorrente sustentou que os sócios não praticaram nenhum ato que justificasse sua inclusão no polo passivo da execução fiscal, bem como que o INSS não demonstrou a sua ocorrência. O recorrente alegava que o caso não se amoldava à tese fixada no julgamento do recurso repetitivo e que isso não foi apreciado pela corte de origem, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

O ministro Benedito Gonçalves constatou que a tese cuja omissão se alega no recurso especial não foi apresentada perante o TRF2 por ocasião da oposição dos embargos declaratórios. “No caso concreto, o tribunal regional admitiu o redirecionamento da execução fiscal aos sócios em razão de estarem seus nomes incluídos na CDA”, afirmou o relator. 



Fonte: STJ

Tributo e classificação das espécies no sistema tributário brasileiro

Por Eurico Marcos Diniz de Santi em 26 de outubro de 2012


1 – Relevância do estudo das definições e classificações no direito tributário

A definição de “tributo” é um conceito fundamental para a demarcação do direito tributário. Está para a dogmática do direito tributário assim como a definição de “norma jurídica” está para o Direito. A delimitação do conceito de norma jurídica define o liame que separa o direito do não-direito; o mundo jurídico, do universo da moral, da ética e de outras interações normativistas reguladoras da conduta humana. Estar dentro ou fora dos limites do direito é a circunstância que determina a existência ou não de efeitos jurídicos, de direitos subjetivos e obrigações jurídicas; em suma, enseja a propulsão ou não desse instrumento, que é o direito, sobre a região das condutas intersubjetivas.

Tal demarcação é, ainda, nuclear na definição do objeto de estudo do direito tributário (as letras maiúsculas indicam a denotação de uma ciência). Se fixarmos esse objeto como o conjunto das proposições jurídicas que correspondem, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, podemos inferir que o objeto do direito tributário é função imediata da definição do conceito de “tributo”; mais, que tal determinação tem efeitos estritamente jurídicos. Salientar esse aspecto vale para não coactar ilações em descompasso com o espírito informador da chamada proposta “didática” da separação desse ramo do direito. A grande preocupação dos autores, arautos da proposta, é contrapor a vitanda idéia de outorgar ao direito tributário a qualidade de “ciência autônoma do direito”, desprestigiando o cânone da unidade do ordenamento jurídico e a visão sistemática do direito, que pressupõe o entrelaçamento das regras de todos os ramos do ordenamento jurídico.

Afiançar que o direito tributário é autônomo para fins didáticos não quer dizer que sua demarcação não apresente efeitos jurídicos. A definição de “direito tributário” é jurídica e tem – assim como a determinação do que é “bem imóvel”, “direito penal”, “ato administrativo”, “contrato de trabalho” – importância capital não só em termos teóricos, mas também com reflexos diretos na vida do cidadão e na prática do jurista e do profissional do direito. Saber se dada obrigação é tributo ou não determina sua forma de instituição, garantias específicas ao sujeito passivo, forma privilegiada de cobrança mediante execução fiscal, além de, entre muitas outras peculiaridades, estabelecer os prazos decadencial e prescricional do direito de repetição do indébito.

Nesse sentido, como bem asseverou Luciano Amaro, a classificação das espécies tributárias não é mera questão acadêmica, “pois da capitulação de tais figuras como espécies tributárias depende sua sujeição aos princípios tributários, cuja aplicação pode modificar ou mesmo, em dadas circunstâncias, inviabilizar a exigência tributária”.

De outra parte, importa adiantar que toda definição é classificatória, na medida em que compõe duas classes: a que atende e a que não atende ao critério do definiens (ser ou não “tributo”, por exemplo). Da mesma forma, toda classificação também é definitória, pois delimita o que é e o que não é “taxa”, “imposto”, “contribuição”, etc.

2 – Sobre o ato de classificar

Segundo John Hospers, durante muito tempo acreditou-se que havia uma relação natural entre as palavras e aquilo que elas representavam. Confundia-se a palavra com a coisa, a palavra “gato” com a criatura gato, a palavra “crime” com o fato crime, ao ponto de, em civilizações primitivas, crer-se que o emprego de certas palavras tinha efeito sobre a coisa significada.

No universo da linguagem simbólica, a relação entre significante e significado é convencional. “Não há tal conexão natural: as palavras são signos arbitrários, os significados das palavras não são descobertos, mas sim assinalados convencionalmente”. E, dado que as palavras são convencionais, não se pode afirmar que uma palavra é correta ou incorreta quando representa uma coisa.

Não se avança de forma séria e criteriosa no estudo do tema da definição de tributos e da classificação das espécies tributárias sem a necessária digressão ao campo da semântica ou ciência do significado. Semântica é a parte da semiótica que estuda o significado das palavras, i.é, os signos em relação com os objetos designados. Primitivamente, a semântica tratava de estudar as linguagens naturais, o modo como os significados se atribuíam às palavras e suas modificações através do tempo. Denominava-se, então, semântica descritiva ou linguística, a qual tinha como sub-ramo a lexicografia (disciplina que busca estabelecer o significado das palavras de um idioma em um momento dado para composição de dicionários).

As coisas não mudam de nome; nós é que mudamos o modo de nomear as coisas. Portanto, não existem nomes verdadeiros das coisas. Apenas existem nomes aceitos, nomes rejeitados e nomes menos aceitos que outros. A possibilidade de inventar nomes para as coisas chama-se liberdade de estipulação. Ao inventar nomes (ou ao aceitar os já inventados), traçamos limites na realidade, como se a cortássemos idealmente em pedaços; ao assinalar cada nome, identificamos o pedaço que, segundo nossa decisão, corresponderá a ele. Um nome é uma palavra tomada voluntariamente como uma marca que pode suscitar em nosso espírito um pensamento semelhante a algum outro pensamento que tivemos antes e que, sendo formulado perante os demais homens, é para eles um signo que representa o pensamento que havia no espírito do interlocutor antes de falar.

Como ensina Paulo de Barros Carvalho, “ao mesmo tempo em que todos os nomes são nomes de uma coisa, real ou imaginária, nem todas as coisas tem nome privativo. Algumas reivindicam designação distinta, em função de sua individualidade, como acontece com as pessoas e com certos lugares que se tornam famosos. Mas há objetos que não tem nome próprio, de tal maneira que, se for preciso indicá-los, empregam-se nomes gerais, aptos para abrangê-los em número indefinido”.

3 – Classificação e os conceitos de (G) gênero próximo e (De) diferença específica

Um nome geral denota uma classe de objetos que apresentam um mesmo atributo. Nesse sentido, atributo significa a propriedade que manifesta um dado objeto. Todo nome cuja significação está constituída de atributos é em potencial o nome de um número indefinido de objetos. Portanto, todo nome geral cria uma classe de objetos. As classes de objetos são criadas por nomes gerais. Ordinariamente, um nome geral é introduzido porque temos a necessidade de uma palavra que denote determinada classe de objetos e seus atributos peculiares.

Um naturalista, em vista das exigências de sua ciência particular, vê uma razão, como mais interessante que outras, para distribuir o mundo animal ou vegetal em certos grupos. As classes que denotam grupos de objetos são, como todas as demais, constituídas por certos atributos comuns, e seus nomes significam esses atributos, e não outra coisa. Os nomes das classes e ordens de Cuvier: os plantígrados (tribo de mamíferos que andam sobre as plantas dos pés), digitígrados (que andam nas pontas dos dedos) etc., ainda que nascidos de sua classificação dos animais, são também expressão de atributos, como se os houvesse precedido. O atributo ou atributos que distinguem uma determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se diferença.

Segundo Stuart Mill, o gênero compreende a espécie. Daí decorre que o gênero ou denota mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos. Segue-se que a espécie deve conotar mais que o gênero. A espécie deve conotar todos os atributos que o gênero conota: do contrário haveria homens que não fossem animais; e deve conotar algo mais do que conota “animal”: de outro modo todos os animais seriam homens. O excesso de conotação, que a espécie acumula sobre o gênero, é a diferença ou diferença específica. Para dizer o mesmo com outras palavras, a diferença é aquilo que deve ser adicionado à conotação do gênero para completar a conotação da espécie.

Com efeito, diferença de uma espécie é aquela parte da conotação do nome específico, ordinário, especial ou técnico, que distingue a espécie em questão de todas as outras espécies de dado gênero a que em determinada ocasião nos referimos. Em objetiva síntese, diferença específica é o nome que se dá ao conjunto de qualidades que se acrescentam ao gênero para a determinação da espécie, de tal modo que é lícito anunciar: a (E) espécie é igual ao (G) gênero específico mais a (De) diferença específica (E = G + De).

Acrescente-se que “conotação” aqui quer significar o critério de uso da palavra; por exemplo, quando afirmo que o “homem é um ser racional”, o termo “ser” designa o gênero e “racional”, a espécie do gênero à qual quero me referir: os homens. A associação dos vocábulos “ser” e “racional” perfaz critério de uso, ou conotação, da palavra “homem”. Agora, todos o objetos do mundo que se subsumam a essa conotação vão compor um conjunto que denominamos “denotação”.

4 – Classificações intrínsecas e classificações relacionais (ou extrínsecas)

Qualquer característica pode servir de critério de uso na elaboração de uma classificação. Quanto à seleção do critério classificador, podemos divisar as classificações em relacionais e intrínsecas. Nestas, o critério que informa a classificação compõe a definição do objeto classificado; assim, nas substâncias químicas os elementos que compõem a coisa também a definem (sal é todo composto formado por sódio ou cloro); da mesma maneira, o critério classificador dos organismos é a forma ou figura do ser vivo objeto da classificação (forma de cachorro, gato, pássaro etc.).

Diversamente, nas classificações relacionais (ou extrínsecas) o critério diferenciador é externo à coisa. Assim, irmãos definem-se pelo fato de terem o mesmo pai e/ou a mesma mãe; os objetos domésticos classificam-se por seu uso ou função: cadeira serve para sentar, caneta para escrever etc.Não há classes naturais: as características comuns que tomamos como critério de uso de uma palavra em geral são assuntos de conveniência. Nossas classificações dependem de nossos interesses e nossa necessidade de reconhecer as similitudes e diferenças que há entre as coisas. E, convém salientar, “não há coisas no mundo exatamente iguais em todos os aspectos”.

Conforme frisa Roque Carrazza, “as classificações objetivam acentuar as semelhanças e dessemelhanças em diversos seres, de modo a facilitar a compreensão do assunto que estiver sendo examinado”. E a seguir arremata:

“Isto nos leva a concluir que as classificações não estão no mundo fenomênico (no mundo real), mas na mente do homem (agente classificador)”.

5 – Classificações no direito positivo e classificações da ciência do direito

Goza de grande acolhida na doutrina nacional a célebre frase de Agustín Gordillo, segundo a qual “não há classificações certas ou erradas, mas classificações mais úteis ou menos úteis”. A assertiva do renomado administrativista argentino tem suporte na clássica obra de Genaro R. Carrió “Notas sobre o direito e a linguagem”, um dos principais fundadores da escola analítica de Buenos Aires, na qual o jusfilósofo portenho adverte que grande parte das divergências jurídicas centram-se em classificações de enorme prestígio e herdadas de tradição milenar:

Los juristas creen que esas clasificaciones constituyen la verdadera forma de agrupar las regras y los fenómenos, en lugar de ver en ellas simples instrumentos para una mejor comprensión de estós. Los fenómenos – se cree – deben acomodarse a las clasificaciones e no a la inversa.

Colaciona a seguir, a festejada lição:

Las clasificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guía a quien las formula , y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente comprensible o más rica en consecuencias prácticas deseables. Idéia que representa a projeção da doutrina de John Hospers no campo do direito, no também clássico An Introduction to Philosophical Analysis.

Convém salientar que o relativismo das classificações verificado por Hospers, assim como os exemplos colacionados por Carrió e Gordillo, têm em mira as ciências naturais.

Entretanto, pelos motivos a seguir expostos, entendemos que tal proposição não predica adequadamente as classificações jurídicas. É perfeita a pertinência dessa proposição às ciências naturais, quando por exemplo, um naturalista considera os vários gêneros de animais e trata de classificá-los do modo que, segundo a Zoologia, melhor convenha para ordenar os vários espécimes. Assim, acredita-se ser preferível dividir os animais em animais de sangue quente e em animais de sangue frio; ou em animais que respiram por meio de pulmões e animais que respiram por brânquias; ou em animais carnívoros, frugívoros, gramívoros; ou em animais que se movem arrastando-se ou com a extremidade dos pés (distinções nas quais estão fundadas algumas das famílias de Cuvier). Ao fazer isso, o naturalista cria outras tantas classes novas, que não são, absolutamente, de modo algum familiares à própria natureza dos seres ou à forma com que são espontaneamente divididos pelo senso comum, a não ser por um propósito preconcebido de conveniência científica.

É certo que, posto que as classes são artificiais, o ato de classificar no direito também decorre de uma atividade humana, dependente de interesses e necessidades. Contudo, as classificações no direito têm natureza totalmente distinta daquelas operadas nas ciências naturais, nas quais o objeto da classificação são animais, plantas, minerais ou espaços geográficos; diversamente, nas classificações jurídicas, os referenciais são conceitos cunhados prescritivamente pelo direito. Não há fenômenos (objetos reais) a ordenar. Por isso, tais classificações, no plano da linguagem do direito, visam construir arbitrariamente classes e definições com finalidades genuinamente prescritivas, cortando cegamente o universo do real: as classificações e definições jurídicas incidem sobre o real sem pretender se confundir com ele. Por outro ângulo, num plano de sobrelinguagem, a Ciência do Direito cuida de descrever as classificações edificadas no patamar do direito posto, surtindo dessa relação de correspondência sua pertinência ou não ao sistema de proposições descritivas da Ciência do Direito.

Dois são os níveis, ou tipos, possíveis de classificações jurídicas: (i) aquelas construídas no direito positivo e (ii) as descritas na Ciência do Direito. As classificações no direito positivo têm cunho nitidamente prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir situações jurídicas específicas aos produtos dessas classificações. De outra parte, as classificações da Ciência do Direito caracterizam-se por se apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por objeto descrever as proposições prescritivas do direito positivo.

Se a classificação é elaborada pelo legislador, ela é válida (valor que se opõe a não-válido), e como não se trata de proposição prescritiva, a ela não se pode atribuir os valores aléticos “verdadeiro” ou “falso” nem “correto” ou “incorreto”.

Por outro lado, coisa diversa é a classificação efetivada pelo cientista do direito; cuida de proposição descritiva, e por isso há de manter coerência e fidelidade aos critérios previstos no direito positivo: sendo correta, é verdadeira; caso contrário, é falsa. E quanto a “utilidade”?

A utilidade não é critério jurídico. Seja como for, em discurso não-científico é admissível classificar as proposições descritivas verdadeiras com úteis ou inúteis. Mas não sem advertir que o critério da utilidade da classificação é, juridicamente, inútil para a Ciência do Direito em sentido estrito.

Conclusão necessária: a observação do mestre argentino sobre ser verdadeira para outras ciências não se aplica nem à Ciência do Direito nem ao direito positivo. Conforme doutrina Roque Carrazza, uma classificação jurídica “deverá necessariamente levar em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica. Reforçando a asserção, a norma jurídica é o ponto de partida indispensável de qualquer classificação que pretenda ser jurídica.” No mesmo sentido, Geraldo Ataliba, convergindo com Carrazza, indiretamente, afirma, com sua peculiar autoridade, a tese da correção ou incorreção das classificações jurídicas, quando execra a malfadada classificação dos impostos em diretos e indiretos como não sendo jurídica, denunciando que o critério de diferenciação é puramente econômico.

Deduz-se que, juridicamente, o critério da “utilidade” é inaplicável: as classificações jurídicas são válidas ou inválidas (direito positivo) ou verdadeiras ou falsas (Ciência do Direito) em função do direito posto e da eficiência do discurso do jurista para descrever seu objeto de análise.

6 – Função das definições jurídicas e seu inexorável caráter de prescritividade

Geraldo Ataliba, com apoio em Sainz de Bujanda, registrou que o art. 3º do CTN se trata de mero precepto didático, pois “não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos”. Nessa guisa, Hugo de Brito Machado também afirma “que, em princípio, não é função da lei conceituar”.

Diante dos pressupostos que adotamos como direito, não é possível concordar como a proposição desses insignes mestres.

O sistema do direito, ante a plurivocidade de sentidos que a expressão suscita, denota pelo menos três aspectos: a) o sistema visto como conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; b) o sistema jurídico como o conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos e c) o sistema jurídico como domínio articulado de significações normativas. A conceitualização dessa teoria, que desmembra e explicita a iteração dos três sistemas, coloca à mostra que o plano da literalidade textual ou plano de expressão é direito independentemente da forma de linguagem com que se apresente o enunciado prescritivo. O enunciado é prescritivo porque foi veiculado por fonte formal do direito habilitada.

As definições do direito não pretendem alcançar o real; elas prescrevem o real. Por isso, a classe das coisas imóveis, no sentido jurídico, como referente real, não há de apresentar-se como móvel nem imóvel. Para o direito, pode ser imóvel uma casa, um terreno, um navio ou uma aeronave (para certos efeitos). O direito cria suas próprias realidades, constrói seus próprios conceitos e define-os para sobre eles poder falar com mais precisão. É como um tecido vivo e inteligente, capaz de prontamente absorver novas situações e transformá-las segundo suas categorias operacionais. O direito pretende regular condutas e seu instrumento é a linguagem; para isso, está atento ao teor de imprecisão e de ambiguidade de que a linguagem é portadora e corta a denotação das palavras mediante definições estipulativas, redefinindo a realidade e precisando, assim, os traços conceituais que conformam a urdidura normativa.

Diante disso, não podemos retirar do enunciado do art. 3º do CTN seu inato cunho prescritivo, “definindo” como devem ser os “tributos”, ainda, que não sejam assim.

7 – Análise crítica da classificação das obrigações em ex lege e ex voluntate

A palavra “tributo” é o nome de uma classe de objetos construídos conceitualmente pelo direito positivo. Trata-se de palavra ambígua que, conforme assinalou Paulo de Barros Carvalho, pode denotar distintas classes de objetos (relação jurídica, direito subjetivo, dever jurídico, quantia em dinheiro, norma jurídica e, como prefere o CTN, a relação jurídica, o fato e a norma que juridiciza o fato). Fixemos aqui nosso interesse na acepção de “tributo” com as proporções semânticas do art. 3º da Lei nº 5 172/66:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Definir uma palavra é indicar seu significado. Uma definição como esta de “tributo” compõe-se de duas partes, o definiendum (a palavra a definir, o sujeito da proposição: “tributo”) e o definiens (a enunciação do significado: “toda prestação pecuniária…”). Tal definição é conotativa, isto é, o definiens determina as características que conformam o critério de uso da palavra “tributo”. Ao mesmo tempo, esses critérios seletores constituem uma dicotomia: a classe dos tributos e a classe dos não-tributos. Daí a procedência em se afirmar que toda definição determina uma classificação de objetos: daqueles que atendem aos critérios de uso da palavra ou não.

A tradicional classificação das obrigações em ex lege e ex voluntate como situações aparentemente excludentes não se sustenta. Analisando o critério do definiens de ambas verificamos que não se trata de duas categorias excludentes, mas de dois critérios conotativos distintos que permitem a construção de quatro classes diversas: (i) obrigações ex lege em que há a participação da vontade, (ii) obrigações ex lege em que não há a participação da vontade, (iii) obrigações ex voluntate sem previsão em lei e (iv) obrigações sem previsão legal e nas quais a participação da vontade também é irrelevante.

Aliás, a Constituição Federal diz:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II).

Portanto, toda obrigação será ex lege. Agora, há obrigações em que a participação da vontade é relevante e outras em que esse aspecto é desnecessário. Assim, nos contratos, o fato gerador da obrigação contratual decorre de suporte fáctico em que a participação da vontade é relevante; diversamente, nos tributos, ainda que o fato imponível seja propriamente o negócio jurídico, a hipótese de incidência toma-o como o fato do negócio, abstraindo deste a complexidade de sua conformação.

É sobremaneira interessante, nesse passo, a reflexão de Eduardo Jardim que exclui a cláusula “instituída em lei” do definiens do termo “tributo”, entendendo-a como “absolutamente irrelevante para tipificar o tributo como tal”. E não poderia ser diferente. Se constitucionalmente toda obrigação requer lei, não faz sentido imaginar obrigação que não seja legal, já que se trata de requisito do direito constitucional vigente. Desse modo, é tautológico afirmar “obrigação legal”, posto que, segundo aCF/88, toda obrigação é legal. Faltando lei, de obrigação é que não trata.

Também merece registro que Luciano da Silva Amaro, em sua definição de tributo, não faz referência à compulsoriedade da prestação tributária, pois entende que essa qualidade já está expressa ao admitir a cláusula “instituído em lei”, indicando que o nascimento da obrigação tributária não tem por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica, mas, sim, o comando legal.

Diante disso, concluímos: a classificação das obrigações em ex voluntate/ex lege não se sustenta, primeiro porque não traz qualquer oposição entre os critérios que a definem (a obrigação de entregar o bem, num contrato de compra e venda, é ex voluntate e ex lege ao mesmo tempo); segundo, dizer que o tributo é obrigação ex lege é uma tautologia, pois todas obrigações em nosso direito o são.

8 – Classificação intrínseca dos tributos

Na classificação intrínseca dos tributos, o critério de classificação define-se em função da vinculação, ou não, de uma atividade estatal, no desenho da hipótese tributária (que há de ser confirmada ou infirmada pela base de cálculo).

Tal proposta, agudamente desenvolvida pelo talento de Geraldo Ataliba, apresenta-se muitas vezes distorcida, a ponto de suscitar a necessidade de um esclarecimento decisivo: o critério utilizado pelo célebre professor para classificar as espécies tributárias não é a vinculação da arrecadação a uma atividade específica do Estado, mas a vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a uma atuação estatal, que é algo bem diverso. Enfim, para Geraldo Ataliba, imposto, enquanto gravame não vinculado a uma atuosidade do Estado, é o “tributo cuja hipótese de incidência consiste na conceituação de um fato qualquer que não se constitua numa atuação estatal (art. 16 do CTN); um fato da esfera jurídica do contribuinte.”; a taxa, diversamente, é o tributo cuja hipótese de incidência consiste em atuação estatal.

Torna-se interessante, seguindo as lições de Paulo de Barros Carvalho, analisar, sob essa perspectiva, a atividade empreendida pelo sujeito do verbo contido na hipótese tributária. Tratando-se de taxa, quem realiza a ação expressa pelo verbo é o próprio Estado, ao empreender atividade diretamente referida ao obrigado. Diversamente, nos impostos, quem realiza a diligência, configurada como fato imponível, é o contribuinte. Sublinha, ainda, o atual titular da PUC/SP e da USP, que o substrato dessa classificação é “eminentemente jurídico, pois repousa na observação fiel das hipóteses de incidência dos vários tributos, em confronto com as respectivas bases de cálculo. Toda vez que o binômio expressar um acontecimento que envolva atuação do Estado, estaremos diante de um tributo vinculado”. E mais adiante arremata:

“O interesse jurídico dessa classificação está no seu ponto de partida: o exame das unidades normativas, visualizadas na conjugação do suposto (hipótese de incidência), e da base de cálculo (que está na conseqUência da norma), mantendo plena harmonia com a diretriz constitucional que consagra a tipologia tributária no direito brasileiro” (grifamos).

Essa divisão dicotômica dos tributos em vinculados/não-vinculados ajusta-se, perfeitamente, ao que John Hospers denominou de classificação de intrínseca, posto que os elementos diferenciadores constituem aspectos internos da regra-matriz de incidência tributária.

9 – Classificação relacional (ou extrínseca) dos tributos

Ocorre que, em nosso entender, a classificação intrínseca dos tributos não esgota o repertório de variáveis do sistema constitucional tributário vigente. Nele foram instaladas as seguintes peculiaridades: (i) é vedada a vinculação de receita de impostos [art. 167, IV, da CF/88], (ii) as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, têm sua destinação vinculada aos órgãos atuantes nas respectivas áreas [artigos 149, 195, 212§5º, etc.] e (iii) os empréstimos compulsórios, sobre serem vinculados aos motivos que justificaram sua edição, hão de ser, obrigatoriamente, restituídos ao contribuinte.

Isolamos, basicamente, duas variáveis: a destinação legal e a restituibilidade.

Ambas são extrínsecas à estrutura da norma tributária. Por isso, sua utilização como critério conotativo da classificação dos tributos mereceu as considerações tecidas por Paulo de Barros Carvalho. Entretanto, não obstante serem estranhas à intimidade estrutural da regra-matriz de incidência tributária, não deixam de ser jurídicas, pois fundam-se em critérios eminentemente jurídicos: a “existência” de normas sobre destinação e restituição.

É a partir desses critérios que fundamos a classificação extrínseca dos tributos, que, sobre ser jurídica, é necessária, pois as classificações no direito não são meramente úteis ou inúteis. O que, aliás, compromete até a força do art. 4º do CTN: se o imposto não pode ser destinado especificamente a nenhum órgão, não basta ser tributo não-vinculado; exige-se também que seja não destinado.

Reiteremos o raciocínio: se a Constituição, ex vi do art. 167, IV, ressalvada a repartição constitucional, veda expressamente a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, então o art. 4º, II, do CTN infirma a desimportância da destinação legal, e esse aspecto passa a tornar-se relevante (pelo menos negativamente) para se determinar a espécie tributária. Havendo destinação legal do gravame, de imposto é que não se trata.

Com efeito, três são, a priori, os critérios diferenciadores que convivem, concomitantemente, no âmago constitucional: o primeiro e indiscutível é a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária; o segundo, a previsão do destino legal do tributo; o terceiro, a previsão legal da restituição.

Está instaurado o dilema. Tomemos como exemplo o “salário-educação”: conforme o primeiro critério, a contribuição social do salário-educação é imposto; para o segundo, em decorrência da destinação do produto da arrecadação, imposto não poderia ser.

A circunstância é que, segundo entendemos, a Constituição Federal de 1988 concebeu duas diferentes acepções para a palavra “imposto”: uma como gênero próximo, outra como diferença específica constituinte de duas classes de “impostos”. Imposto, gênero próximo, define-se pela não-vinculação do critério material da hipótese tributária a uma atuação estatal específica. Imposto, como subespécie, é aquele que não apresenta destinação legal de sua receita (não-afetação). Ou seja, o CTN combinado com a Constituição oferece dados para definirmos o gênero imposto em função do critério da atuação do Estado na composição do suposto normativo; ao mesmo tempo, a CF/88 estipula a definição de imposto sob o critério da não-destinação legal como subcritério definidor da espécie imposto. Resultado: o sistema constitucional tributário, num entrelaçamento de critérios de classificação intrínsecos e extrínsecos, estipula o gênero e a espécie imposto.

São impostos em sentido estrito (imposto-imposto): II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, Causa Mortis e doação, ICMS, IPVA, IPTU, ISS e Inter Vivos.

São impostos em sentido lato (imposto-contribuição): as contribuições sociais, profissionais e de intervenção no domínio econômico.

Tecnicamente falando, portanto, imposto é imposto em sentido estrito. Não basta a não-vinculação estatal na conformação do fato jurídico tributário. Requer-se, ainda, a não-afetação. Tão só da integração desses dois critérios se instaura a condição suficiente para definição da espécie imposto em sentido estrito.

Concordamos, destarte, com Sacha Calmon Navarro Coelho, quando afirma que seria “erro rotundo não levar em conta o destino da arrecadação (mormente quando constitucionalmente fixado) no momento do exame jurídico-positivo das “contribuições sociais”, que são alfim, impostos afetados a finalidades específicas, a teor daConstituição Brasileira.” E, semelhantemente, para Wagner Balera, “a espécie tributária denominada contribuição é daquelas em que o destino dos recursos é assumido como dado que integra o regime jurídico de tributo”.

Voltemos ao salário-educação. Ora, o Decreto-Lei 1.422/75 definiu, como critério material dessa contribuição, o fato de empresa comercial, industrial ou agrícola, qualificada como empregadora, emitir folha de salário. É patente: o critério material da hipótese é pertinente ao gênero próximo dos impostos, por não requerer nenhuma atuação estatal específica. Entrementes, seu produto arrecadatório está vinculado à manutenção do ensino básico fundamental: é contribuição. Explicamos: o tributo que denominamos “contribuições sociais” caracteriza-se pela associação tipológica do gênero imposto com a destinação constitucionalmente afetada. Assim, definindo estipulativamente, contribuição social são espécies do gênero próximo imposto que apresentam destinação legalmente especificada.

10 – Análise dos critérios constitucionais que permitem uma classificação juridicamente válida das espécies tributárias

Linhas atrás, firmamos que três são, a priori, os critérios diferenciadores que convivem no bojo da Constituição Federal de 1988: (i) a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária; (ii) a previsão do destino legal do tributo; e (iii) a previsão legal do dever de restituir o tributo arrecadado numa data futura, as quais analisaremos uma a uma, a partir da tabela que segue.

Primeiro, haveremos de registrar que a figura das taxas é totalmente incompatível com a dos empréstimos compulsórios, posto que, se há uma atuação estatal específica e divisível, o Estado, automaticamente, está investido na competência tributária de instituir uma taxa. Carece, portanto, de qualquer utilidade a figura do empréstimo compulsório.

Tais condições podem ser verificadas ou não, originando, assim, as oito combinações logicamente possíveis:

CASOVINCULAÇÃODESTINAÇÃORESTITUIÇÃOtipo
1.SIMSIMSIMIncompatível
2.SIMSIMNÃOTaxas
3.SIMNÃOSIMIncompatível
4.SIMNÃONÃOContribuições de melhoria
5.NÃOSIMSIMEmpréstimos compulsórios
6.NÃOSIMNÃOContribuições em geral
7.NÃONÃOSIMVedado pela CF/88
8.NÃONÃONÃOImpostos
Analisemos, primeiro, os casos vedado e incompatíveis:

1º caso: É um contra-senso pensar em empréstimo compulsório com hipótese tributária de taxa. Havendo atuação estatal que justifique a instituição de taxa, esta é que há de ser proposta por lei ordinária; é disparatado, diante da situação, propor empréstimo compulsório que exija lei complementar para depois ser devolvido.

3º caso: Pelo mesmo motivo do primeiro caso, taxa sujeita à devolução é absurda.

7º caso: Caso vedado pela constituição, posto que a competência para instituir o empréstimo compulsório exige a destinação legal vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

Casos compatíveis:

2º caso: É a circunstância clássica da taxa, como tributo vinculado.

4º caso: É a circunstância clássica da contribuição de melhoria: com vinculação, ainda que indireta, a uma atuação estatal (obra pública); a destinação legal é desnecessária, pois a obra pública já foi construída e não há previsão de restituição.

5º caso: É a hipótese de empréstimo compulsório válido, pertinente ao gênero imposto e com a diferença específica dos empréstimos compulsórios: destinação legal e restituição.

6º caso: É o caso das contribuições sociais, de intervenção econômica e de interesse de categorias profissionais. Observe que a hipótese tributária é de imposto; o que lhe altera a natureza é a destinação legal (imposto-contribuição).

8º caso: É o caso do “imposto-imposto” ou imposto em sentido estrito, exação com hipótese de tributo não-vinculado e sem afetação legal.

Contudo, não podemos deixar de registrar as seguintes ilações que a análise desse quadro suscita, no que diz respeito à controvertida figura do empréstimo compulsório. É sem dúvida tributo, e só por isso sua denominação é redundante, pois todo tributo é compulsório. Seria mais próprio, nesse sentido, chamá-lo de empréstimo tributário. Mas isso não nos parece relevante. Importante é verificar que os empréstimos compulsórios só podem pertencer ao gênero próximo de imposto, com duas peculiaridades: a restituição dos valores arrecadados e o condicionamento do exercício da competência impositiva às condições previstas nos incisos I e II do art. 148, os quais devem, obrigatoriamente, compor a exposição de motivos do veículo introdutor ocupado com a edição desse gravame, em conformidade com o capítulo das fontes do direito.

Empréstimo compulsório não é espécie tributária. Não obstante a força da expressão, consolida apenas a contingência de a administração obrigar-se a devolver o valor cobrado relativo a um imposto. Trata-se, em rigor, de um imposto afetado, com previsão de devolução, e outorga de competência em caso extraordinário, aliás muito próximo daquele previsto no art. 154, II da CF/88. Por esse motivo, Paulo de Barros Carvalho não reconhece os empréstimos compulsórios, “natureza” de categoria tributária sui generis; para o autor, “tais exações poderão revestir qualquer das formas que correspondem às espécies do gênero tributo. Para reconhecê-las como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, basta aplicar o operativo critério constitucional representado pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo”.

Assim, são tributos extraordinários não só os impostos extraordinários (art. 154, II), mas também os empréstimos compulsórios (art. 148). Ou, de modo mais preciso, melhor seria dizer tributos instituídos por competências extraordinárias.

11 – A falácia do “autêntico empréstimo compulsório”

Tributo, reitere-se, é prestação pecuniária compulsória que satisfaz às cláusulas acima referidas. Se de um lado é útil para a classificação das espécies tributárias, de outro é de todo irrelevante a destinação legal ou financeira ao qualificar-se uma prestação como tributo.

Por isso “empréstimo compulsório” é tributo, ainda que, no futuro, tenha que ser devolvido pelo Estado. O ser tributo qualifica-se pela forma (obrigação legal), conteúdo (patrimonial) e fundamento (fato lícito), além dos quais três aspectos individualizam o empréstimo compulsório: o primeiro é formal, a exigência de lei complementar; o segundo, a previsão legal de sua devolução e o terceiro, a motivação jurídica inscrita no corpo da lei que justifique sua produção, face aos incisos I e II do art. 148 da CF.

Faltando qualquer desses pré-requisitos, prejudicado estará o perfil tipológico tributário do empréstimo compulsório. Trata-se, em rigor, da mais complexa das competências impositivas outorgadas à União. Sua configuração requer o atendimento de vários itens; por isso, é difícil de ser validamente instituído um empréstimo compulsório.

Ocorre, entretanto, que tem se tornado renitente praxe entabular o seguinte raciocínio: se o tributo é inválido, pois não se enquadra na competência impositiva do ente tributante, então se trata de autêntico empréstimo compulsório. Em suma, tudo aquilo cobrado a mais ou em desconformidade com a lei é, seja por confisco, seja por invasão de competência, seja por abuso de autoridade, não importa, segundo essa vitanda idéia, tudo que é cobrado a mais é empréstimo compulsório.

E a raiz do problema está em confundir (i) “empréstimo compulsório” como tipo tributário e (ii) o fato de uma cobrança indevida que carreie indebitamente recursos para o Fisco. Qual o nome que se dá a esse montante? Resposta: empréstimo compulsório. Nesse sentido, por pura falta de nome mais apropriado, empréstimo compulsório é a materialização do fato de toda e qualquer cobrança indevida. Trata-se de desatino imperdoável.

Explica-se, mas não se justifica, o uso de argumentos desse tipo, os quais só se prestam para semear a discórdia e a confusão, desqualificando a doutrina do direito tributário. Devem, portanto, ser evitados.

12 – Sobre o problema da utilização do regime jurídico tributário como critério definidor do termo “tributo”

Também vale a pena insistir no descabimento da argumentação segundo a qual, na sistemática de 1.967, as contribuições sociais não se revestiam do caráter de tributo, pois a elas não era prescrito, de forma expressa, o regime jurídico próprio, como o faz o art. 149 da atual Carta”. Entendemos que pretender definir a espécie tributária em função do regime jurídico aplicável é um procedimento equivocado.

Tomemos para início de reflexão, a excelente síntese de Lúcia Valle Figueiredo que define o conceito de “regime jurídico” como o complexo de normas e princípios disciplinadores de determinado instituto.

Um homem pertence à classe daqueles que querem emagrecer (critério classificador: antecedente ou causa) e por isso se hospeda num spa em Campos do Jordão (submeter-se a um regime no “spa”: consequente ou efeito). A primeira é condição suficiente da segunda, as causas são condições suficientes de seus efeitos: porque o homem queria emagrecer (antecedente), ele hospedou-se num “spa” (consequente). O argumento recíproco não é valido: alguém pode fazer regime por um outro motivo que não seja emagrecer, por questão se saúde, por exemplo.

Mesmo fenômeno acontece no direito tributário. A classificação de um vínculo como prestação pecuniária compulsória que não decorra de ato ilícito é condição suficiente para que esse liame jurídico se subsuma ao regime jurídico próprio dos tributos, não o contrário. Os regimes jurídicos tributários específicos decorrem dessa demarcação: são efeitos, não causas distintivas das várias espécies tributárias.

Dizer que o regime jurídico define a natureza específica do tributo significa incorrer na denominada falácia de inversão do efeito pela causa. Como ensina Paulo de Barros Carvalho: a água é uma substância composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, que ferve a 100 graus centígrados, no nível do mar. Não é por ferver a 100 graus centígrados que a substância assume o caráter de água: outros líquidos distintos apresentam o mesmo efeito, no pressuposto de idênticas condições. É o critério de sua composição que informa o uso da palavra “água”, que designa a substância água, e não o efeito de ferver a 100 graus centígrados. Se fosse assim, todo líquido ou sólido que fervesse nessa temperatura seria água.

Portanto, a qualidade de ser tributo não é efeito do regime jurídico aplicável. É tributo porque a norma jurídica impositiva instituidora da prestação apresenta critérios que a subsumem na extensão da classe dos “tributos” e, coisa que, consequentemente, implica o regime jurídico peculiar dessa classe de relações jurídicas tributárias.

Concluímos, assim, que a classificação de um liame como tributo é condição suficiente para atribuir-lhe o regime jurídico tributário e não o oposto. Os regimes jurídicos tributários específicos aparecem em função de tratar-se de “tributo”, isto é, são efeitos, não causas seletoras das várias espécies tributárias: o salário-educação é contribuição porque tem hipótese tributária de tributo não-vinculado e de ser destinado legalmente a um fundo (FNDE); em decorrência, aplica-se-lhe o regime tributário da contribuição e não o inverso; submeter-se ao prazo de vigência em 90 dias não faz de nenhuma prestação jurídica contribuição social.

Texto publicado originalmente em: 21/03/2012

Artigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.


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Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - NEF/DireitoGV.
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