domingo, 19 de junho de 2011

Dignidade Social, A Circulação de Capital e a Justa Tributação


Alexandre Carnevali da Silva

Procurador da Fazenda Nacional

A questão da livre circulação de riquezas em um Estado democrático e de livre iniciativa resvala na problemática social desse mesmo Estado. Se estivermos a falar de uma sociedade onde há uma circulação de riquezas dentro de regras jurídicas que permitam uma igualdade de oportunidade a todos, e na própria ascensão social, então estamos a falar de uma sociedade que realmente apresenta uma livre circulação de riquezas concreta.
Em verdade, muitas vezes os princípios democráticos são invocados para justificar mudanças, mas não são efetivamente empregados e, por não serem de fato absorvidos pela maioria das pessoas, não chegam a se tornar princípios políticos reais e acabam servindo apenas de justificativas logo esquecidas por quem detém o poder.
Os temas se relacionam entre si, e é autorizada a conclusão que sem igualdade real não há dignidade, e sem dignidade de todos não há possibilidade ou oportunidade de circulação de riquezas para todos. Como a circulação de riquezas necessariamente deve ocorrer, pois a vida em sociedade assim a exige, sem a preocupação com a livre e sadia circulação de bens criam-se as distorções que são observadas atualmente, como por exemplo, grandes bolsões de pobreza. Todos de um modo geral são prejudicados.
A circulação de riquezas ocorre e é impossível de impedi-la, ela só não aconteceria se todos os seres humanos fossem auto-suficientes, mas é impossível a um ser humano deter tudo ao mesmo tempo. Não é possível, por exemplo, ser dono de uma propriedade que produza comida, roupa, remédios, e todos os bens que um ser humano necessita para viver. Com o simples fato do aumento da população já se tem a inexorável circulação de riquezas.
Mas qual a razão de se colocar o princípio da dignidade como informador da circulação de capital? E o que isso tem a ver com uma Justiça Fiscal eficiente?
Os temas se entrelaçam, e considerando que o Estado, por mais liberal que ele seja, depende de recursos para seu bom funcionamento, e que em certa medida sempre será responsável pelo bem estar de todos os seus cidadãos, resvalamos na idéia de que se o modo pelo qual ele consegue seus recursos não é justo na origem, ou se não os obtém na justa medida, teremos violado o princípio da igualdade e o principio da dignidade, pois teremos duas categorias de cidadãos, os que pagam os custos do Estado e os que estão acima dessa obrigação, assim como teremos os que usufruem o Estado, que permite sua riqueza, e os que são relegados por ele.

Ato contínuo, os que estão acima dessa obrigação de contribuir com o Estado também estarão acima das obrigações de cunho social, e isso afeta, no geral, o princípio da dignidade humana. Podemos provar essa assertiva facilmente, pois é notória a informação de que os Grandes Devedores de tributos são também Grandes Devedores de verbas destinadas às políticas sociais, como a Previdência Social e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
A livre iniciativa restará, por seu turno, corrompida também, no momento em que aquele que arca com suas obrigações legais simplesmente não tem como competir no mercado com quem deliberadamente não arca com suas obrigações.
Obviamente, tal situação não é perceptível numa escala reduzida, mas quando lembramos que há corporações que devem milhões de reais à União, INSS e FGTS vislumbramos a violação da livre circulação de riquezas e iniciativa, pois essas fortunas deixam de sustentar as políticas sociais para abastecer o bolso de um grupo seleto de pessoas. Lembrando que não estamos a falar da dívida que está garantida ou suspensa por conta de alguma discussão acerca da sua higidez. Estamos a falar da dívida sonegada, realidade patente em inúmeras execuções fiscais sem efetividade pelo país.
No momento em que todos tenham o básico para sua subsistência, os conflitos sociais tendem a diminuir drasticamente, basta se observar os países democráticos mais evoluídos. Um Estado que subtrai, ou permite a subtração das condições básicas para o desenvolvimento de parte de sua população, na prática, se assemelha a um estado totalitário, pois a muitos não é dada a oportunidade de conforto, paz ou ascensão social, ainda que limitada.
O princípio da dignidade é muito pensado na questão das relações do trabalho, mas pensar no princípio da dignidade apenas nas relações do trabalho é limitar o seu espectro de abrangência, pois ele deve ser encarado como verdadeiro princípio informador político, e se usado com sabedoria permite uma saudável circulação de riquezas. Nesse ponto, se o ônus da tributação for injusto, distorcido, parte da população será tratada com desvalor, equivalerá à plebe que sustentava o viciado regime absolutista francês.
Fomentar a Justiça Fiscal, nessa singela análise, ajuda inclusive ao detentor da fortuna, pois se a mesma é justa, é também incontestável e segura.
Estamos pintando um quadro de fortes cores para demonstrar que sem uma Justiça Fiscal real teremos criado na prática diferentes categorias de cidadãos, o que afronta nosso próprio bom censo.
Assim, convidamos o amigo leitor a meditar e a chegar na seguinte conclusão: A correta aplicação da Justiça Fiscal é tão importante quanto a correta aplicação da Justiça Penal, pois a circulação de riquezas e a necessidade de manutenção do Estado são tão presentes quanto as ordinárias relações humanas.

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