terça-feira, 26 de julho de 2011

O POVO DESPROTEGIDO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA



Por Mauro Rocha de Porchetto
Promotor de Justiça
Antes de fiscal da lei, o Ministério Público é o guardião da Constituição da República e o defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não há dúvida de que, hodiernamente, o Ministério Público é o mais importante órgão de proteção e transformação social, tanto que foi citado, em 1996, no relatório sobre desenvolvimento humano no Brasil, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento, órgão da ONU encarregado de medir a qualidade de vida e o progresso humano em âmbito mundial, como instituição de credibilidade internacional, sendo o do Rio Grande do Sul instituição modelo em relação a outros estados[1].
[2] Para realmente cumprir a sua missão constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais, é preciso que, por vezes, aja para proteger o grupo de indivíduos contra a própria lei. Para isso, precisa ser não um mero leitor do texto legal, mas um verdadeiro intérprete, analisando a lei frente às Constituições Federal e Estaduais e aos princípios formadores e informadores do Direito, nas suas diferentes áreas, considerando os princípios e garantias constitucionais e incursionando pelos diversos institutos formadores do Direito atinentes ao caso em exame, para aplicar ou justificar o porquê da não aplicabilidade de determinada lei ou artigo de lei ao caso concreto. Isso porque deverá ter por meta, sempre, a realização da justiça. Em matéria tributária, o povo nunca esteve tão desprotegido. Como os tribunais não estão mais reconhecendo a legitimidade que o Ministério Público tinha para discutir tributos, por conta da Medida Provisória nº 2.180-35/01, que acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da LACP, que foi reeditada 35 vezes, sem passar pelo Congresso Nacional, sendo, a final, abrangida pela EC nº 32/2001, que limitou a edição de medidas provisórias e convalidou as editadas em data anterior à da sua publicação, o povo está desprotegido em matéria tributária, mormente quando temos um parlamento enfraquecido, com oposição fragilizada, de forma que, como referido pelo Dep. Estadual Nelson Marchezan Jr. no Programa Conversas Cruzadas[3], qualquer projeto proposto pelo governo passa no Congresso, exemplificando que “se houver um projeto propondo a venda do Brasil, o País será vendido”.
Sobre a hipertrofia do Executivo, o Senador Demóstenes Torres[4] afirma que “o governo perdeu o pudor de editar MPs absurdamente inconstitucionais, sem urgência ou relevância” e que “a MP se tornou a única forma de o Executivo se relacionar com o Parlamento”, de modo que “vivemos um momento crítico, de total submissão. De um lado temos o Executivo mandando por meio de medidas provisórias, e de outro o Congresso sem cumprir sua obrigação, a ponto de a quase totalidade das leis aprovadas ter origem no Palácio do Planalto”[5]. O fisiologismo que vemos entre os governos e a “base aliada”, formada por diferentes partidos, ocorre também, sem raridade, em nível estadual e municipal, representando um verdadeiro “golpe” no eleitor, que vota em um parlamentar que é, por vezes, cooptado pelo Executivo, sendo que outro, que não foi eleito, assume o seu lugar, ou passa ele a integrar a “base” do governo, numa verdadeira “prostituição política”. Isso fere a democracia e põe em risco as garantias constitucionais, como bem definiu o Senador Demóstenes Torres ao dizer: “à medida que o governo se robustece, ele avança sobre os pilares da democracia”. Assim, assistimos estáticos a uma enxurrada de leis que criam e majoram tributos, desrespeitando princípios e garantias que a Constituição Federal assegura aos contribuintes, que restam desprotegidos, ante o desarmamento de seu principal defensor: o Ministério Público.
Em tempos em que é noticiado que apenas no dia 25 de maio o brasileiro deixa de pagar ao governo e começa a embolsar o dinheiro que ganha com o trabalho honesto, é preciso reagir. A Constituição Federal de 1988 recepcionou expressamente a Lei 7.347/85 ao consagrar a ação civil pública como instrumento para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de “outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III), e confirmou a legitimidade do Ministério Público para intentá-la, incumbindo-lhe, inclusive, de defender “os interesses sociais” (art. 127). Não resta dúvida, portanto, que o texto da LACP vigente em 05 de outubro de 1988 foi inteiramente agasalhado pela nova ordem constitucional. A Lei 8.078/90, que atende a comando constitucional, estendeu a ACP “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Então, o art. 6º da MP nº 2.180-35/01, que acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da LACP, é flagrantemente inconstitucional. Assim, é preciso reafirmar a propriedade da ação civil pública e a legitimidade do Ministério Público para veicular pretensões coletivas que envolvam tributos ou, no mínimo, criarmos um movimento nacional, via CONAMP[6], buscando a revogação do parágrafo único do art. 1º da LACP.
Nesse sentido, não é demais rememorar a reflexão do saudoso jornalista Mendes Ribeiro[7]: “A reação. Sempre sobra espaço para a reação. Por piores os tempos. Por mais deslavadas as mentiras. Por deturpados os meios de comunicação. Por maior a corrupção. Por alijados da coisa pública, os honestos. Ainda que quase conformados, os pagantes de sempre. Não obstante ignorada a maioria, vítima da injustiça social, será impossível continuar enganando todos, todo o tempo. Reagir é um estado de espírito. Convicção brotando de dentro para fora. Encontro com a dignidade. Sem ela a vida não é.” Por fim, é oportuno lembrar o sempre atual pensamento de Rui Barbosa: “de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agitarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Lembrar, não para nos resignarmos com a situação, mas para reagirmos e protegermos a sociedade, que é a verdadeira razão da existência do Ministério Público.
[1] Notícia veiculada no Jornal Correio do Povo, em ago/1996.
[2] No mesmo sentido, pesquisa realizada em 2007, pela Universidade de Brasília (UnB), aponta para o Ministério Público e a Polícia Federal como as instituições mais confiáveis (in http://blogdoeduardomoraes.com/blog/?p=152 ). Pesquisa anterior, realizada pelo Centro de Pesquisas e Opinião Pública da Universidade de Brasília, em 20/05/2005, revela o Ministério Público como, ao lado do Exército. 
 (in http://cedes.iesp.uerj.br/PDF/05maio/stf%20justica%20em%20numeros.pdf ), uma das instituições mais confiáveis.
[3] Exibido em 20/02/2011, na TVCOM.
[4] DEM-GO, em entrevista dada à Revista Veja, edição 2220, de 08/06/2011, p. 20.
[5] Entrevista referida, p. 17.
[6] Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
[7] Publicada no Correio do Povo, edição de 19.05.98, p. 4, em Porto Alegre/RS.

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