quarta-feira, 24 de abril de 2013

5 ideias para aliviar problemas com impostos

Há nós fiscais que podem ser desatados com medidas simples e que independem da reforma tributária. Veja cinco ideias para aliviar distorções que atormentam as empresas e seguram a economia

Alexa Salomão - EXAME.COM
São Paulo - O economista Raul Velloso se diz cético em relação à reforma tributária. Estudioso das finanças públicas, ele afirma que a pressão dos gastos, tanto da União quanto de estados e municípios, é tão intensa que os fiscos são obrigados a concentrar esforços para arrecadar quantias sempre maiores.
 “Não existe espaço para uma discussão sensata sobre a reforma porque ninguém quer perder dinheiro”, diz Velloso. “Todo mundo apenas finge que quer a reforma.” O fato é que o caráter hermético e caótico do sistema tributário brasileiro hoje opera em favor do aumento da arrecadação a qualquer custo.
A profusão de tributos é uma demonstração disso. São seis sobre bens e serviços (IPI, Cofins, PIS, Cide, ICMS e ISS) e dois sobre o lucro (IRPJ e CSLL). A folha de pagamentos tem tantos penduricalhos fiscais que cada trabalhador custa para a empresa mais do que o dobro do que ganha. O sistema também alimenta guerras tributárias entre estados, entre municípios e entre os estados e os municípios. 
Nas próximas páginas há cinco exemplos de distorções que ilustram o vale-tudo em que se transformou essa busca por abastecer o Erário. Em todos, o que se vê são estratégias intrincadas para garantir a cobrança de impostos.
Não raramente, elas contrariam a racionalidade, atropelam a lei, distorcem o funcionamento da economia e até intervêm nas relações diplomáticas do Brasil com outros países. As soluções para cada caso, ao contrário, são simples e objetivas. Mas dependem de qualidades que andam escassas no país:­ bom senso e vontade política. 
1 A regra muda hoje — mas vale para o passado
Revisões ou criações de normas fiscais podem gerar dívidas retroativas para quem sempre pagou tudo em dia
Imagine se a Fifa, a federação que regulamenta o futebol no mundo,  mudasse as regras de arbitragem hoje, mas avisasse que elas valeriam não só daqui para a frente mas para os jogos realizados nos últimos anos. Refeitas as contas, os vencedores do Brasileirão, da Libertadores da América e até da Copa do Mundo teriam de repassar as taças aos perdedores.
A situação é inconcebível, mas algo semelhante ocorre no sistema tributário brasileiro, que é um ambiente fértil para a criação de novas regras, as reinterpretação de regras antigas e a interferência de decisões judiciais que reveem até a revisão da regra.
Enfim, há espaço de sobra para que o Fisco cobre hoje impostos retroativos. Os prazos de cobrança para trás são igualmente surreais. Variam de cinco a seis anos, dependendo da interpretação do fiscal.
Como não há lei que proteja o contribuinte de súbitas mudanças de rota, é comum as divergências terminarem na Justiça. “Questionar a retroatividade está entre as brigas judiciais mais comuns na área tributária”, diz Maucir Fregonesi Junior, sócio do Siqueira Castro Advogados. “Só o nosso escritório tem mais de 100 causas desse tipo no momento.”
Recentemente, a viagem pelo túnel do tempo fiscal tomou um rumo inesperado. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou, de uma só vez, 14 ações contra a concessão de incentivos fiscais — e considerou ilegais todos os benefícios listados nos processos. A proposta da corte suprema é emitir uma súmula que irá tornar irregular qualquer benesse tributária.
A decisão poderá abrir margem para que os estados cobrem impostos atrasados das empresas que aceitaram os incentivos fiscais oferecidos pelos próprios governos estaduais. “Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os governos não podem abrir mão de impostos”, diz Adriana de Figueiredo, sócia do escritório Trench, Rossi e Watanabe. “Por isso, o risco de cobrança é real.”
A montadora GM no Rio Grande do Sul, a calçadista Grendene no Ceará e a farmacêutica Teuto/Pfizer em Goiás são apenas algumas das empresas que podem receber faturas milionárias. Pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, o débito total das empresas beneficiadas por incentivos passaria de 250 bilhões de reais.
Em outros países, o cenário kaf­kiano dificilmente ocorre porque o contribuinte é protegido pela lei contra as incoerências do coletor de impostos.
O código tributário da França prevê que, se o contribuinte seguir as regras do poder público, não pode ser punido com a cobrança de impostos atrasados caso essas regras sejam revistas depois. O correto seria que o Fisco brasileiro aplicasse a lei do futebol: não se muda placar de jogo já encerrado. Simples assim.
2 O Fisco dita o preço do produto
É isso o que ocorre na substituição tributária, hoje a forma mais comum — e polêmica — de cobrança do ICMS
Toda vez que os preços dos medicamentos são reajustados, a trabalheira se repete. Os 280 fabricantes acionam as calculadoras para apurar quanto deve ser pago de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços para cada um dos 20 000 tipos de remédio vendidos no país.
Detalhe: os fabricantes ainda calculam os impostos dos distribuidores e das farmácias, consolidam o resultado e pagam o total assim que cada produto  deixa a empresa — ou seja, o tributo é pago antes de ser vendido ao consumidor.
O ritual é o mesmo na maioria dos setores, como os de cosméticos, eletroeletrônicos e alimentos. Para cobrar o imposto antes da venda ao consumidor, é preciso projetar o preço final.
Isso é feito por meio de pesquisas que são coordenadas pelos governos estaduais — que, em última instância, são os beneficiários da coleta dos impostos. O Brasil é o único país que cobra impostos sobre tantos produtos antes que sejam vendidos.
O sistema, chamado de substituição tributária, foi adotado nos anos 80 para combater a sonegação em alguns setores, como o de cigarros, mas se alastrou.
“A substituição combateu a sonegação porque é mais fácil fiscalizar uns poucos fabricantes do que milhões de comerciantes”, diz José Clóvis Cabrera, coordenador de administração tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo, o estado mais atuante nessa cobrança. 
Ainda assim, a substituição é uma distorção. “A Bélgica tentou adotar um sistema parecido para a venda de carros usados”, diz o advogado Iure Vieira, que tem especialização em finanças públicas pela Universidade Panthéon-Assas, de Paris. “A Justiça proibiu porque entendeu que projetar preços era uma forma de tabelamento que fere a livre concorrência.”
Os empresários brasileiros concordam. “A substituição ataca a sonegação e a informalidade”, diz Luiza Helena Trajano, presidente da varejista Magazine Luiza. “Porém, é burocrática e tabela os preços.” Geladeiras, fogões, televisores e até carros chegam ao ponto de venda com um preço determinado.
Na avaliação dos especialistas, investimentos em novas tecnologias, como a nota fiscal eletrônica, vão oferecer mecanismos mais eficientes para combater a sonegação. Os estados poderão cobrar o imposto como se faz nas economias mais desenvolvidas — só depois que o produto deixar a loja. 
3 O Leão sai rugindo pelo mundo afora
A Receita Federal cobra imposto de renda de empresas brasileiras no exterior antes de o resultado ter sido consolidado
As primeiras multinacionais pagavam impostos sobre o lucro obtido no exterior quando o resultado era consolidado no país de origem. Nos anos 60, quando a internacionalização dos negócios acelerou, os Estados Unidos criaram uma lei para desmotivar quem quisesse deixar o dinheiro fora e sonegar. Mas a lei foi pensada para não interferir nos negócios.
Assim, o Fisco americano assumiu critérios para agir em outros países: foco nas empresas que estão em paraísos fiscais ou que mostrem conduta suspeita. É compreen­sível que uma filial recém-inaugurada na Ásia não remeta um centavo para a matriz durante alguns anos, por estar à espera do retorno do investimento. Mas uma operação que nunca sai do vermelho merece investigação.
Do mesmo modo, não é suspeita uma rede hoteleira que abre unidade nas Bahamas, paraíso fiscal no Caribe. Já o escritório de uma montadora, que não produz nada lá, tem as contas remexidas pelos fiscais. A lei americana inspirou as demais do gênero no mundo — menos a do Brasil.
O pressuposto do Fisco brasileiro é o inverso: aqui todos são culpados até provarem o contrário. O que mais incomoda as multinacionais brasileiras é a cobrança do imposto de renda e da contribuição sobre o lucro líquido de coligadas e controladas no exterior. A cobrança é frequentemente feita antes de saber se há ou não lucro no conjunto da operação.
O resultado parcial de uma empresa pode ser destinado a pagar dívida ou a um novo investimento — e, nesse caso, não faz sentido cobrar imposto, já que não houve lucro. “A saída das empresas tem sido questionar a cobrança na Justiça”, diz o advogado Marco Behrndt, sócio do escritório Machado, Meyer. A maior briga é a da Vale. Pelos cálculos da Receita, ela deve 30 bilhões de reais por lucros no exterior.
A mineradora contesta e aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Para pôr fim às divergências basta uma lei ordinária, baseada na regra americana. O Brasil só cobraria fora de quem atua em paraíso fiscal ou tem conduta suspeita. As demais pagariam imposto aqui dentro.
4 Detalhe demais e clareza de menos
Há mais de 100 regras para o Pis e para a Cofins, mas nenhuma define algo básico para os negócios: o que é insumo

A Doux Frangosul, avícola do Rio Grande do Sul, dedicou sete anos a uma tarefa no mínimo surreal: convencer técnicos da Receita Federal e funcionários do Ministério da Fazenda de que os uniformes dos funcionários são imprescindíveis à produção.
A vestimenta é exigida pela Agência de Vigilância Sanitária porque protege contra a baixa temperatura de câmaras frigoríficas e evita a contaminação da carne.
A estranha discussão conceitual fazia uma grande diferença para os dois lados. Pela lei que rege a tributação do PIS e da Cofins, duas contribuições federais sobre bens e serviços, as empresas podem pedir ressarcimento dos gastos com materiais que sejam fundamentais à produção, os chamados insumos — no caso da Doux Frangosul, os uniformes. 
As regras dos dois tributos estão entre as mais complexas da lei tributária. Há mais de uma centena de exigências e exceções às exigências, além de especificidades para cada segmento de cada setor. No agronegócio, por exemplo, há uma regra para o leite e outra para a carne.
Em 2002 e 2003, a cobrança foi revista para facilitar a vida do contribuinte, mas a complicou ainda mais. Por uma dessas falhas inexplicáveis, a definição de insumo, justamente o conceito que baliza o ressarcimento das contribuições, não ficou clara.
De lá para cá, Receita e contribuintes tentam construir a definição em brigas judiciais. “PIS e Cofins incidem sobre a mesma coisa, a receita. Mas têm duas legislações difíceis de entender e de aplicar”, diz a advogada Glaucia Lauletta Frascino, sócia do escritório Mattos Filho. “É o caos total.” 
O governo anunciou que irá unir os dois tributos em apenas um. Para os especialistas, será a oportunidade de aprimorar a legislação. Uma pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas concluiu que uma lei tributária deve seguir seis princípios por ordem hierárquica.
O primeiro deles é a simplicidade. Ou seja, definir com clareza e objetividade o que se quer. Se a nova lei for assim, já será um avanço.
5 Para arrecadar mais, vale até ignorar tratado
A Receita Federal reinterpretou acordos do Brasil com 30 países para cobrar estrangeiros
A globalização obrigou os países a negociar a cobrança de impostos de suas multinacionais para evitar a bitributação em escala planetária. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne as nações mais desenvolvidas, tomou a frente na  tarefa.
Criou modelos de acordos que conciliam as relações entre os fiscos de cada país e as empresas globais. O Brasil fez mais de 30 tratados, mas aqui não houve o alívio.
A Receita Federal simplesmente ignora os acordos: cobra imposto de renda sobre o pagamento que empresas no Brasil remetem a prestadores de serviço com sede no exterior e que nem sequer têm uma sala alugada no Brasil.
Pelos tratados, nesses casos, o imposto deve ser cobrado no país de origem do prestador de serviço. “É incrível, mas a Receita tem o hábito de fazer leituras particulares até das normas mais claras”, afirma o tributarista Aldo de Paula Junior, do escritório Azevedo Sette Advogados. 
A fabricante de celulose Veracel, sociedade entre a Fibria e o grupo sueco-finlandês Stora Enso, vive à mercê desse disparate. A Veracel tem contratos permanentes de prestação de serviços com empresas no Canadá e na Finlândia, países com os quais o Brasil estabeleceu  acordos tributários.
No entanto, a Receita Federal insiste que o imposto é do Brasil. Desde 2004, a Veracel questiona a cobrança na Justiça e não paga o imposto, à espera da decisão final. O débito ultrapassa 3 milhões de dólares. Um transtorno como esse não ocorreria se a Receita fizesse o óbvio: cumprisse os acordos internacionais assinados pelo Brasil.

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