quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Decadência e pagamento antecipado


Decadência e pagamento antecipado

Trabalho publicado com o título "A irrelevância do pagamento antecipado como nota essencial para caracterizar o lançamento por homologação." na Tributação em Revista nº 34.

Autores: Antonio Carlos Atulim e José Antonio Francisco.

Exposição da questão

A definição legal de lançamento por homologação encontra-se no Código Tributário Nacional (CTN), art. 150, verbis:

"O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa."
Com o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial (ERESP) 101.407-SP (DJU de 08/05/2000), o Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento no sentido da necessidade do pagamento antecipado para que exista o lançamento por homologação, conforme se pode conferir na ementa desse julgado:

"TRIBUTÁRIO. DECADENCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. Nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos."
Por seu turno, o 1º Conselho de Contribuintes, no acórdão 101-92.642, Seção de 14/04/1999, cuja íntegra foi publicada no n.º 32 desta Tributação em Revista, acolheu o entendimento da corrente minoritária, consignando que:

"DECADÊNCIA - Tratando-se de lançamento por homologação (art. 150 do CTN), o prazo para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário decai em 5 (cinco) anos contados da data do fato gerador. A ausência de recolhimento da prestação devida não altera a natureza do lançamento, já que o que se homologa é a atividade exercida pelo sujeito passivo. (...)"
A solução da controvérsia não é meramente acadêmica, porquanto o fato de se considerar ou não o pagamento antecipado como nota essencial do lançamento por homologação causa reflexos imediatos sobre a fixação do termo inicial de contagem do lapso decadencial, tendo em vista que a inexistência da antecipação do pagamento, segundo a solução dada pelo STJ, desloca o dies a quo do prazo para o primeiro dia do ano seguinte (CTN, art. 173, I), alargando em até 11 meses o prazo para que a Fazenda Pública possa constituir de ofício o crédito tributário.

Fundamentos da tese dominante

Argumentam os filiados à corrente majoritária que o pagamento antecipado é a hipótese típica que caracteriza o lançamento por homologação, ou seja, que sem a antecipação do pagamento não há que falar em lançamento por homologação e, por conseguinte, não há o que ser homologado.
O art. 150, caput, ao falar do momento em que ocorre o lançamento por homologação, que é quando a autoridade expressamente homologa a "atividade" do sujeito passivo, autorizaria a conclusão de que a "atividade assim exercida" é o pagamento antecipado.
Segundo Luciano Amaro "(...) o dever de antecipar o pagamento significa que o sujeito passivo tem o encargo de valorar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo, calcular o montante do tributo e pagá-lo, sem que a autoridade precise tomar qualquer providência.
E o lançamento? Este - diz o Código Tributário Nacional - opera-se por meio do ato da autoridade que, tomando conhecimento da atividade exercida pelo devedor, nos termos do dispositivo, homologa-a. A atividade aí referida outra não é senão a de pagamento, já que esta é a única providência do sujeito passivo tratada no texto.(...)"
Além do mais, o art. 156, VII, reza que o pagamento antecipado e a homologação de lançamento extinguem o crédito tributário, nos termos do art. 150, §§ 1º e 4º.
Por fim, alega Segundo Alberto Xavier que "O art. 150, § 4º pressupõe um pagamento prévio - e daí que ele estabeleça um prazo mais curto tendo como dies a quo a data do pagamento, dado que este fornece, por si só, ao Fisco uma informação suficiente para que permita exercer o controle".
Íris Sansoni explica que o CTN adotou como critério para determinação do termo inicial da decadência o conhecimento real ou presumido pelo fisco do fato gerador. Assim, no caso do lançamento por homologação, havendo o pagamento, o fisco já teria condições de conhecer o fato, presumindo o código que o pagamento já poderia ocorrer na data do fato gerador. 


Contra-argumentos específicos à tese dominante

Com todas as vênias devidas aos adeptos da tese dominante, ousamos afirmar que o pagamento antecipado não é da essência do lançamento por homologação.
A hipótese típica do lançamento por homologação é a previsão legal do dever de o sujeito passivo antecipar o pagamento; o fato de haver ou não pagamento não altera a tipicidade do lançamento por homologação, que, para ocorrer, deve apenas ter previsão legal a respeito do dever de o sujeito passivo fazer a antecipação do pagamento. 
O fato de eventualmente inocorrer a antecipação de pagamento, não desnatura o lançamento por homologação, já que ao desincumbir-se do encargo de valorar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo e calcular o montante do tributo, o contribuinte poderá chegar à conclusão de que nada tem a pagar, seja por ter apurado saldo credor na escrita, seja por ser beneficiário de um incentivo fiscal, só para citar dois exemplos.
Claro está que a atividade não pode ser apenas a existência do pagamento; na hipótese de não haver pagamento, pode, perfeitamente, incidir a hipótese típica do lançamento por homologação, posto que o sujeito passivo pode ter cumprido o dever legal e dele ter concluído que não há o que pagar.
Exemplos: compensação de prejuízos, compensação do art. 66 da Lei nº 8.383/91, assim como a isenção e imunidade. Imagine-se a hipótese de o sujeito passivo operar ao abrigo de uma imunidade ou isenção do IPI, por exemplo, onde não ocorre nenhum pagamento, já que o imposto nem sequer é destacado em nota fiscal. Esse fato (a inexistência de pagamento) não impede que o fisco homologue expressamente a atividade à qual o sujeito passivo está obrigado por lei (como a emissão de notas fiscais, classificação fiscal dos produtos, escrituração de livros e apuração do tributo devido, se for o caso); ou então que, na ausência de homologação expressa, se opere a homologação tácita pelo decurso do prazo previsto no § 4º do art. 150.
Estes exemplos reforçam a tese de que o que se homologa é a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo antes de qualquer manifestação da Fazenda, e não o pagamento, que é o ato final, o clímax dessa atividade.
Em relação ao critério adotado para estabelecer o prazo inicial do termo da decadência (conhecimento real ou presumido do fato gerador pelo fisco), é preciso, primeiramente, ponderar que o CTN somente refere-se à decadência no art. 173, e não no art. 150.
Veja-se que Rubens Gomes de Souza, ao explicar que o termo inicial da decadência deveria levar em conta o conhecimento real ou presumido do fato, refere-se, inicialmente, aos arts. 138 e 139 de seu projeto anterior.
O inciso I e o parágrafo único do art 173 do CTN praticamente reproduziram as disposições do art. 138, §§ 1º e 2º, respectivamente, do projeto anterior, que traziam as hipóteses de conhecimento presumido e real do fato pelo fisco. Assim, as duas hipóteses aventadas estão no art. 173, sendo que o CTN não caracterizou, expressamente, a disposição do ar. 150, § 4º, como de decadência.
Ademais, o referido artigo estabelece a data do fato gerador como marco inicial, e não a do pagamento. Não há lógico critério para se afirmar que ambas se confundem.
Ora, à época da publicação do CTN, o IPI era, no âmbito federal, o típico exemplo de imposto sujeito ao lançamento por homologação. O fato gerador ocorria na saída do produto do estabelecimento (art. 46).
Assim, se houvesse sonegação por falta de emissão de nota fiscal, em um certo número de operações, o fato de haver pagamento antecipado em relação a um outro número delas não dava ao fisco conhecimento algum a respeito dos fatos omitidos. E, obviamente, o que deveria importar à decadência é o conhecimento do fato omitido, pois em relação aos declarados, em que as obrigações decorrentes tenham sido cumpridas, não há relevância para o lançamento do art. 149, V, do CTN.
Portanto, a conclusão de que o critério do conhecimento presumido ou real do fato gerador aplicar-se-ia também ao art. 150, § 4º, é precipitada. Parece que o CTN pretendeu impor aos casos do art. 150 um prazo fixo e independente do conhecimento do fato pelo fisco, somente adotando o critério do conhecimento real ou presumido do fato para os casos de dolo, fraude ou simulação.

A decadência nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação

Nos casos de dolo, fraude ou simulação, existe uma lacuna no ordenamento jurídico que tem que ser integrada. A norma de integração deve ser buscada inicialmente dentro do próprio subsistema jurídico em que estamos trabalhando. No caso, dentro do próprio Código é possível construir a norma de integração (art. 173). Como a norma complementar desempenha uma função de garantia dos contribuintes, não pode prosperar a interpretação de que não existe prazo para a homologação enquanto não for descoberto o dolo a fraude ou a simulação.


Distinção entre homologação tácita e expressa para efeito do lançamento de ofício

O art. 156, VII, do CTN diz que a extinção do crédito tributário opera-se pelo pagamento antecipado e pela homologação do lançamento, nos termos do art. 150 e seus parágrafos 1º e 4º.
Obviamente, o § 1º trata da hipótese de homologação expressa, explicitando os efeitos da ulterior homologação de lançamento sobre o pagamento antecipado.
Por outro lado, o § 4º trata da homologação tácita.
Não há que se combinarem os dois dispositivos, haja vista tratarem de situações distintas. O § 1º não precisa do § 4º para ter seus efeitos definidos, a não ser o prazo em que pode ser realizada a homologação. Excedido o prazo, os efeitos da norma do § 1º não podem mais ser produzidos. Deve-se, então, analisar a questão pelo que diz o § 4º.
À vista disso, a análise do § 4º é fundamental para se verificar que não há que se exigir o pagamento antecipado para ocorrer a chamada homologação tácita.
Em primeiro lugar, porque, como se disse, não se lhe aplica a disposição do § 1º.
Em segundo lugar, porque a única exceção prevista para que não ocorra a "extinção definitiva do crédito tributário" está no próprio § 4º: a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Não se pode alegar, ademais, que não poderia ocorrer a extinção do crédito sem o pagamento, posto que, na sistemática do CTN, a decadência também teria efeito de extinção de crédito (art. 156, V).
Portanto, é lógico que, sendo a homologação tácita uma modalidade de decadência, em princípio seria irrelevante a exigência de pagamento para caracterizá-la.
Mas o que é mais relevante é que as hipóteses que excluem a incidência da regra do art. 150, § 4º, que são o dolo, a fraude e a simulação, não se referem uma atividade de pagamento.
Ora, se se argumenta que o objeto e a hipótese típica do lançamento por homologação é o pagamento antecipado, seria totalmente irrelevante a conduta do sujeito passivo existente anteriormente ao ato do pagamento.
Entretanto, as condutas dolosas ocorrem certamente nas atividades que precedem o pagamento, representadas pela contratação de negócios, emissão de documentos fiscais, escrituração contábil e fiscal e declaração de obrigações tributárias.
Tais atos praticados pelo sujeito passivo são previstos em lei, e o sujeito passivo os pratica por lhe serem impostos. Se praticados regularmente, ocorrerá a apuração e o pagamento corretos dos tributos sujeitos ao regime do art. 150.
Entretanto, se o sujeito passivo decidir não pagar os tributos, terá que utilizar meio doloso, com o intuito de esconder a real dimensão da obrigação.
Essa é a prova de que a atividade que precede o pagamento antecipado é relevante para o lançamento por homologação.
Segundo a interpretação aqui exposta, somente se essa atividade for praticada com dolo, fraude ou simulação é que a decadência não poderá ser contada na forma do art. 150, § 4º.
Se o sujeito passivo simplesmente errar ou agir com culpa (em sentido estrito), então, independentemente de ter apurado valor a ser recolhido, a decadência opera-se pela regra do art. 150, § 4º.
Aliás, idêntico critério, em relação à prescrição, foi adotado pelo CTN no art. 155, parágrafo único. Se houver dolo do obrigado, a prescrição não corre. Em contrapartida, se houver apenas culpa, a revogação da isenção somente produzirá efeitos se realizada enquanto não houver ocorrido a prescrição.

A conduta da pessoa obrigada como verdadeiro critério para determinação do termo inicial do prazo decadencial

O art. 150 especifica que a lei poderá atribuir ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento, independentemente de ato da autoridade administrativa.
Obviamente, para fazê-lo, o sujeito passivo deverá obedecer às normas legais, emitindo os documentos fiscais, escriturando livros, declarando os valores apurados.
Fazendo isso, poderá ou não apurar tributo devido. Apurando tributo devido, poderá ou não efetuar o pagamento antecipado.
Assim, em princípio, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que o pagamento antecipado seria a hipótese típica do lançamento por homologação, poderiam surgir duas situações distintas.
A primeira, em que o sujeito passivo apura que nada deve, decorrendo a falta do pagamento antecipado da apuração de que não há obrigação. 
A segunda, em que o sujeito passivo apura valor a pagar, mas não paga, podendo ou não tê-lo declarado.
Portanto, o critério adotado pelo entendimento dominante é completamente casuístico, posto que a falta de pagamento antecipado pode resultar da lei (o sujeito passivo apura corretamente que nada deve), de conduta culposa ou de conduta dolosa do sujeito passivo. E todas as hipóteses dependem de uma atividade anterior ao pagamento antecipado.
Igualar todas essas situações é tratar de modo idêntico situações completamente distintas. O sujeito passivo ser imune ou isento, ou deixar de pagar o tributo em decorrência de uma dada interpretação da lei, ou declarar falsamente ser isento não correspondem a uma mesma situação.
Por isso, o critério isolado do § 4º, parte final, é muito mais lógico.
Em todas as situações descritas, o que é relevante é que o sujeito passivo não tenha agido dolosamente, hipótese em que o prazo decadencial irá ser determinado pelo art. 150, § 4º. Caso contrário, não se dá guarida à conduta dolosa do obrigado, pela incidência de um prazo decadencial mais extenso.

Hipóteses do lançamento de ofício quando não cabível a homologação expressa

A questão do objeto da homologação pode ser analisada a partir dos arts. 150, § 3º, e 149, V. O objetivo dessa análise será de constatar que o CTN somente admite a homologação da atividade, que incluirá o pagamento do valor apurado.
O art. 149, V, refere-se tanto a omissão, como a inexatidão. Assim, se houver pagamento a menor ou não houver pagamento algum, não haverá homologação. O que importa é que o resultado da apuração é que determina se o sujeito passivo deverá ou não efetuar o pagamento. Apurando valor positivo, deverá recolhê-lo. Caso contrário, não. 
Portanto, adotando-se um critério coerente, se a questão é estabelecer o que pode ser objeto de lançamento por homologação, à evidência, será aquilo que não poderá ser objeto do lançamento de ofício. Como tanto o pagamento a menor como a falta de pagamento implicaria o lançamento de ofício, se houvesse fiscalização dentro do prazo em que poderia ser realizada a homologação, então nunca seria aplicado, na prática, o prazo do art. 150, § 4º.
Se o tributo for recolhido corretamente, então não faz diferença que o prazo seja o do art. 150, § 4º, ou do art. 173, posto que nunca haverá o que lançar. Por outro lado, se houver pagamento parcial ou falta de pagamento, será o caso de lançamento de ofício, como previsto no art. 149, V. Assim, o prazo para o lançamento seria sempre o do art. 173, posto que as situações de falta de pagamento e pagamento a menor, segundo o CTN, não podem dar origem à homologação expressa.
Isso demonstra que a tese que prevalece no STJ é completamente ilógica, posto que o CTN equipara o pagamento parcial à falta de pagamento, para efeito do lançamento de ofício (art. 149, V). A autoridade fiscal não homologaria a atividade de que decorresse pagamento parcial, da mesma forma que não homologaria a de que não decorresse pagamento algum.
Portanto, na falta de pagamento integral, que depende de correta apuração e correto recolhimento, o prazo decadencial deve ser sempre o mesmo. O critério de existência ou não de pagamento é completamente contraditório com a previsão do art. 149, V.
Por sinal, uma análise mais cuidadosa do art. 149 permite concluir que há uma separação de situações, em relação aos casos do art. 150, para efeito de contagem do prazo decadencial.
Na hipótese de falta de pagamento ou pagamento a menor, decorrente de omissão na atividade do art. 150 ou de sua inexatidão, sem dolo, fraude ou simulação, o CTN prevê o lançamento no art. 149, V.
Já nos casos de conduta dolosa, o lançamento é previsto no art. 149, VII, situação correspondente à exceção prevista no art. 150, § 4º, última parte.
Dessa forma, o lançamento do art. 149, V, sujeita-se à decadência do art. 150, § 4º, e o do art. 149, VII, à do art. 173.
Isso ocorre porque o CTN não atribuiu eficácia jurídica à atividade do sujeito passivo, para os efeitos do art. 150 e parágrafos, quando aquele tenha agido com dolo, fraude ou simulação. É a isso que conduz a conjugação interpretativa dos arts. 150, § 4º, última parte, e 149, V e VII. 
Obviamente que o fato de ser o pagamento antecipado irrelevante para a determinação do prazo decadencial não implica a equiparação do procedimento de apuração do imposto a lançamento, posto que o fato é que toda a atividade do sujeito passivo, a não ser a dolosa, acaba legitimando-se pela expiração do prazo do art. 150, § 4º.
Portanto, não importa que ele se tenha omitido, ou que tenha agido com culpa em sentido estrito, ou que tenha apurado e recolhido corretamente o tributo. Expirado o prazo, nada mais poderá o Fisco fazer.
Assim, é óbvio que o objeto da homologação expressa é o resultado da apuração do contribuinte, não importando que tenha ele apurado ou não o tributo. A autoridade irá fiscalizar o sujeito passivo e declarará extinto o crédito tributário.

Isonomia, segurança jurídica e decadência

A aplicação do entendimento de que o pagamento seria necessário para aplicação do art. 150, § 4º, resultaria em ofensa ao princípio da isonomia, pois o parâmetro para aferição da isonomia, no caso, não poderia ser o resultado "pagamento", que pode ou não ser devido, mas o fato de o sujeito passivo ter agido conforme a regra do art. 150, caput. Ademais, o próprio art. 150, § 4º, estabelece o discrímen objetivo, que é a não existência de dolo, fraude ou simulação.
Não é difícil imaginar a situação em que o sujeito passivo que não apure tributo a ser recolhido resolva "errar" para apurar um valor simbólico de tributo, a fim de antecipar a ocorrência da decadência.
Poder-se-ia alegar que o sujeito passivo agiu com dolo. Mas, além de não se poder provar esse tipo de intenção, nessa situação específica, o dolo não teria por objetivo a sonegação do tributo, já que o obrigado assim teria agido apenas para antecipar o termo inicial da decadência.
Portanto, numa situação em que o Fisco entendesse ser devido tributo e o contribuinte entendesse não ser, bastaria que o contribuinte, para antecipar o termo inicial da decadência, apurasse algum valor positivo e o recolhesse, e os efeitos do entendimento dominante poderiam ser facilmente contornados.
A segurança jurídica, que está intrinsecamente relacionada com a decadência, é outro aspecto relevante a ser analisado.
A dependência de ocorrência de pagamento, que é possível ou não, ofende o princípio da segurança jurídica, posto que a regra da decadência deve ser objetiva, independendo do resultado da atividade não dolosa do sujeito passivo.
Somente não pode ter segurança jurídica, em relação a seus atos, aquele que age com dolo, fraude ou simulação. Quem age de acordo com a lei, ou mesmo cometendo erros, não pode sofrer o efeito da insegurança, posto que não se pode exigir dos contribuintes que conheçam e cumpram a lei da mesma forma que a Administração, que tem o dever de aplicá-la de ofício.
Portanto, o dever de cumprir a lei não pode ser atribuído da mesma forma ao administrado e à Administração. Essa tem o dever de conhecer e aplicar a lei de ofício. Aquele é induzido a cumprir a lei pelo poder coercitivo do Estado, o que não pode ser desprezado no caso do direito tributário.
Justifica-se, portanto, que a conduta culposa ou com erros do sujeito passivo seja irrelevante para determinação do termo inicial da decadência.

Declaração de informações e débitos, pagamento parcial e lançamento

No caso de o tributo ter sido declarado e não pago, não se tratará mais de decadência, mas de prescrição, uma vez que a declaração poderá servir de base à inscrição da dívida ativa.
Na falta de declaração e falta de pagamento, o lançamento é absolutamente necessário, mesmo que o sujeito passivo tenha apurado os valores devidos na escrituração, posto que seria impossível admitir-se a hipótese de o sujeito ativo ter de ajuizar ação de conhecimento contra o sujeito passivo.
Segundo James Marins, "a Administração Tributária detém a prerrogativa de promover a declaração administrativa (princípio da autotutela vinculada do ente tributante) do conteúdo da relação jurídica tributária, por intermédio do lançamento fiscal (...)". Assim, quando não puder inscrever o débito por inexistência de declaração, deverá efetuar o lançamento.
Entretanto, no caso de tributo pago e não declarado, não se haverá que lavrar auto de infração, uma vez que terá havido apenas descumprimento de obrigação acessória e, por óbvio, não terá a Fazenda interesse jurídico em apresentar ação de cobrança executiva. Ademais, o CTN não exige declaração para que a homologação expressa ou tácita ocorra.
Ademais, o sujeito passivo não poderá obter restituição se, deixando de declarar, efetuar o pagamento, e o prazo do art. 150, § 4º, expirar-se.
Na hipótese de falta de declaração e pagamento, caberá o lançamento, mesmo que tenha o contribuinte apurado o resultado na sua escrituração.
Isso, no entanto, não é argumento que contradiga a tese defendida, posto que a atividade do sujeito passivo, prevista no art. 150 do CTN, engloba a apuração e o pagamento. Na hipótese, haverá omissão do sujeito passivo em relação ao pagamento, que, quando cabível, é elemento da atividade. Cabível será o lançamento do art. 149, V.
Se, por outro lado, ocorrer o pagamento, sem que tenha havido apuração, dificilmente ocorreria a coincidência entre o valor recolhido e o efetivamente devido.
Na hipótese de recolhimento a menor, seriam aplicados os §§ 2º e 3º do art. 150. Assim, o pagamento, que teria por finalidade a extinção do crédito, não produziria tal efeito, mas seria considerado na cobrança do tributo devido e na imposição de penalidade.
Nas hipóteses de recolhimento exato ou a maior, aplicam-se, em linhas gerais, as mesmas conclusões, exceto pelo fato de não ser possível o lançamento de ofício, uma vez que a Fazenda não poderia cobrar do sujeito passivo aquilo que já recolheu. Nessa hipótese, a homologação é que legitimaria a pretensão da Fazenda sobre o valor recolhido, à vista de não haver, antes dela, qualquer indício de legitimidade, por não corresponder o pagamento efetuado a uma apuração decorrente da aplicação da lei. 

Esclarecimentos finais

Não se pode olvidar que o pagamento antecipado é parte da atividade exercida pelo sujeito passivo, que engloba o cumprimento das obrigações acessórias, a escrituração contábil e fiscal, a apresentação de declarações, enfim, a apuração do valor devido e, se for o caso, o pagamento. O que se insiste é em que a falta do pagamento antecipado pode resultar de hipóteses diversas, não sendo critério apropriado para a determinação do termo inicial do prazo de decadência.
Poderá faltar o pagamento em função de, da aplicação da lei ao caso concreto, nada ser devido. Nesse caso, a decadência não teria objeto, pois inexiste direito do Fisco.
Ou poderá faltar o pagamento em função de apuração com erro do sujeito passivo, por aplicação inadequada da legislação, erro na transcrição de valores, erro de cálculo, perda de documentos etc., ou por conduta dolosa. 
Da mesma forma, poderá ocorrer pagamento parcial por erro imputável ao sujeito passivo, ou por dolo.
Portanto, a existência de pagamento parcial é situação qualitativamente idêntica à de falta de pagamento, desde que não tenha havido dolo.
Daí concluir-se que o único aspecto relevante para efeito da decadência é o que se refere ao motivo do não pagamento, em relação ao comportamento doloso do sujeito passivo.
Tal comportamento refere-se, via de regra, a toda a atividade que do obrigado se possa esperar, desde a emissão de notas fiscais, passando pela escrituração e declaração dos débitos ao Fisco, até o pagamento.

conclusão

1) o lançamento por homologação ocorre nos casos em que a lei atribua ao sujeito passivo o dever de efetuar o pagamento do tributo, independentemente de qualquer ato do Fisco;
2) a falta de pagamento ou sua inexatidão implicam o lançamento do art. 149, V, do CTN;
3) a conduta dolosa do sujeito passivo implica o lançamento do art. 149, VII, do CTN;
4) a falta de pagamento antecipado ou sua inexatidão não é relevante para determinar a modalidade de lançamento;
5) havendo pagamento a menor ou falta de pagamento, caberá lançamento de ofício;
6) nesse caso, ocorrerá o lançamento por falta de cumprimento integral do dever do art. 150, aplicando-se a regra do art. 150, § 4º, para contagem da decadência;
7) somente nos casos de dolo, fraude ou simulação não poderá incidir a referida regra, aplicando-se a do art. 173.

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Notas:

1) DIREITO Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.

2) Do lançamento (Forense), p. 93.

3) Decadência em direito tributário.

4) Citado por Íris Sansoni op. cit. p. 16.
5) AÇÃO declaratória em matéria tributária - notas sob suas particularidades. ROCHA, Valdir de Oliveira. Problemas de processo judicial tributário, 4º volume. São Paulo, Dialética, 2000, ps. 147-65. P. 152.

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