segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Sócio com nome na certidão de dívida ativa pode responder à execução fiscal, diz STJ

O relator é o ministro Benedito Gonçalves.

É possível o redirecionamento da execução fiscal proposta contra pessoa jurídica aos seus sócios, cujos nomes constem da Certidão de Dívida Ativa (CDA). A tese, firmada em recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi aplicada pela Primeira Turma para decidir um recurso sobre execução fiscal a favor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O relator é o ministro Benedito Gonçalves.

No REsp 1.104.900, julgado em abril de 2009 pelo regime dos recursos repetitivos, a Primeira Seção firmou entendimento no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, cabe a ele provar que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), ou seja, que não houve a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

No caso julgado agora pela Primeira Turma, o recorrente sustentou que os sócios não praticaram nenhum ato que justificasse sua inclusão no polo passivo da execução fiscal, bem como que o INSS não demonstrou a sua ocorrência. O recorrente alegava que o caso não se amoldava à tese fixada no julgamento do recurso repetitivo e que isso não foi apreciado pela corte de origem, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

O ministro Benedito Gonçalves constatou que a tese cuja omissão se alega no recurso especial não foi apresentada perante o TRF2 por ocasião da oposição dos embargos declaratórios. “No caso concreto, o tribunal regional admitiu o redirecionamento da execução fiscal aos sócios em razão de estarem seus nomes incluídos na CDA”, afirmou o relator. 



Fonte: STJ

Tributo e classificação das espécies no sistema tributário brasileiro

Por Eurico Marcos Diniz de Santi em 26 de outubro de 2012


1 – Relevância do estudo das definições e classificações no direito tributário

A definição de “tributo” é um conceito fundamental para a demarcação do direito tributário. Está para a dogmática do direito tributário assim como a definição de “norma jurídica” está para o Direito. A delimitação do conceito de norma jurídica define o liame que separa o direito do não-direito; o mundo jurídico, do universo da moral, da ética e de outras interações normativistas reguladoras da conduta humana. Estar dentro ou fora dos limites do direito é a circunstância que determina a existência ou não de efeitos jurídicos, de direitos subjetivos e obrigações jurídicas; em suma, enseja a propulsão ou não desse instrumento, que é o direito, sobre a região das condutas intersubjetivas.

Tal demarcação é, ainda, nuclear na definição do objeto de estudo do direito tributário (as letras maiúsculas indicam a denotação de uma ciência). Se fixarmos esse objeto como o conjunto das proposições jurídicas que correspondem, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, podemos inferir que o objeto do direito tributário é função imediata da definição do conceito de “tributo”; mais, que tal determinação tem efeitos estritamente jurídicos. Salientar esse aspecto vale para não coactar ilações em descompasso com o espírito informador da chamada proposta “didática” da separação desse ramo do direito. A grande preocupação dos autores, arautos da proposta, é contrapor a vitanda idéia de outorgar ao direito tributário a qualidade de “ciência autônoma do direito”, desprestigiando o cânone da unidade do ordenamento jurídico e a visão sistemática do direito, que pressupõe o entrelaçamento das regras de todos os ramos do ordenamento jurídico.

Afiançar que o direito tributário é autônomo para fins didáticos não quer dizer que sua demarcação não apresente efeitos jurídicos. A definição de “direito tributário” é jurídica e tem – assim como a determinação do que é “bem imóvel”, “direito penal”, “ato administrativo”, “contrato de trabalho” – importância capital não só em termos teóricos, mas também com reflexos diretos na vida do cidadão e na prática do jurista e do profissional do direito. Saber se dada obrigação é tributo ou não determina sua forma de instituição, garantias específicas ao sujeito passivo, forma privilegiada de cobrança mediante execução fiscal, além de, entre muitas outras peculiaridades, estabelecer os prazos decadencial e prescricional do direito de repetição do indébito.

Nesse sentido, como bem asseverou Luciano Amaro, a classificação das espécies tributárias não é mera questão acadêmica, “pois da capitulação de tais figuras como espécies tributárias depende sua sujeição aos princípios tributários, cuja aplicação pode modificar ou mesmo, em dadas circunstâncias, inviabilizar a exigência tributária”.

De outra parte, importa adiantar que toda definição é classificatória, na medida em que compõe duas classes: a que atende e a que não atende ao critério do definiens (ser ou não “tributo”, por exemplo). Da mesma forma, toda classificação também é definitória, pois delimita o que é e o que não é “taxa”, “imposto”, “contribuição”, etc.

2 – Sobre o ato de classificar

Segundo John Hospers, durante muito tempo acreditou-se que havia uma relação natural entre as palavras e aquilo que elas representavam. Confundia-se a palavra com a coisa, a palavra “gato” com a criatura gato, a palavra “crime” com o fato crime, ao ponto de, em civilizações primitivas, crer-se que o emprego de certas palavras tinha efeito sobre a coisa significada.

No universo da linguagem simbólica, a relação entre significante e significado é convencional. “Não há tal conexão natural: as palavras são signos arbitrários, os significados das palavras não são descobertos, mas sim assinalados convencionalmente”. E, dado que as palavras são convencionais, não se pode afirmar que uma palavra é correta ou incorreta quando representa uma coisa.

Não se avança de forma séria e criteriosa no estudo do tema da definição de tributos e da classificação das espécies tributárias sem a necessária digressão ao campo da semântica ou ciência do significado. Semântica é a parte da semiótica que estuda o significado das palavras, i.é, os signos em relação com os objetos designados. Primitivamente, a semântica tratava de estudar as linguagens naturais, o modo como os significados se atribuíam às palavras e suas modificações através do tempo. Denominava-se, então, semântica descritiva ou linguística, a qual tinha como sub-ramo a lexicografia (disciplina que busca estabelecer o significado das palavras de um idioma em um momento dado para composição de dicionários).

As coisas não mudam de nome; nós é que mudamos o modo de nomear as coisas. Portanto, não existem nomes verdadeiros das coisas. Apenas existem nomes aceitos, nomes rejeitados e nomes menos aceitos que outros. A possibilidade de inventar nomes para as coisas chama-se liberdade de estipulação. Ao inventar nomes (ou ao aceitar os já inventados), traçamos limites na realidade, como se a cortássemos idealmente em pedaços; ao assinalar cada nome, identificamos o pedaço que, segundo nossa decisão, corresponderá a ele. Um nome é uma palavra tomada voluntariamente como uma marca que pode suscitar em nosso espírito um pensamento semelhante a algum outro pensamento que tivemos antes e que, sendo formulado perante os demais homens, é para eles um signo que representa o pensamento que havia no espírito do interlocutor antes de falar.

Como ensina Paulo de Barros Carvalho, “ao mesmo tempo em que todos os nomes são nomes de uma coisa, real ou imaginária, nem todas as coisas tem nome privativo. Algumas reivindicam designação distinta, em função de sua individualidade, como acontece com as pessoas e com certos lugares que se tornam famosos. Mas há objetos que não tem nome próprio, de tal maneira que, se for preciso indicá-los, empregam-se nomes gerais, aptos para abrangê-los em número indefinido”.

3 – Classificação e os conceitos de (G) gênero próximo e (De) diferença específica

Um nome geral denota uma classe de objetos que apresentam um mesmo atributo. Nesse sentido, atributo significa a propriedade que manifesta um dado objeto. Todo nome cuja significação está constituída de atributos é em potencial o nome de um número indefinido de objetos. Portanto, todo nome geral cria uma classe de objetos. As classes de objetos são criadas por nomes gerais. Ordinariamente, um nome geral é introduzido porque temos a necessidade de uma palavra que denote determinada classe de objetos e seus atributos peculiares.

Um naturalista, em vista das exigências de sua ciência particular, vê uma razão, como mais interessante que outras, para distribuir o mundo animal ou vegetal em certos grupos. As classes que denotam grupos de objetos são, como todas as demais, constituídas por certos atributos comuns, e seus nomes significam esses atributos, e não outra coisa. Os nomes das classes e ordens de Cuvier: os plantígrados (tribo de mamíferos que andam sobre as plantas dos pés), digitígrados (que andam nas pontas dos dedos) etc., ainda que nascidos de sua classificação dos animais, são também expressão de atributos, como se os houvesse precedido. O atributo ou atributos que distinguem uma determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se diferença.

Segundo Stuart Mill, o gênero compreende a espécie. Daí decorre que o gênero ou denota mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos. Segue-se que a espécie deve conotar mais que o gênero. A espécie deve conotar todos os atributos que o gênero conota: do contrário haveria homens que não fossem animais; e deve conotar algo mais do que conota “animal”: de outro modo todos os animais seriam homens. O excesso de conotação, que a espécie acumula sobre o gênero, é a diferença ou diferença específica. Para dizer o mesmo com outras palavras, a diferença é aquilo que deve ser adicionado à conotação do gênero para completar a conotação da espécie.

Com efeito, diferença de uma espécie é aquela parte da conotação do nome específico, ordinário, especial ou técnico, que distingue a espécie em questão de todas as outras espécies de dado gênero a que em determinada ocasião nos referimos. Em objetiva síntese, diferença específica é o nome que se dá ao conjunto de qualidades que se acrescentam ao gênero para a determinação da espécie, de tal modo que é lícito anunciar: a (E) espécie é igual ao (G) gênero específico mais a (De) diferença específica (E = G + De).

Acrescente-se que “conotação” aqui quer significar o critério de uso da palavra; por exemplo, quando afirmo que o “homem é um ser racional”, o termo “ser” designa o gênero e “racional”, a espécie do gênero à qual quero me referir: os homens. A associação dos vocábulos “ser” e “racional” perfaz critério de uso, ou conotação, da palavra “homem”. Agora, todos o objetos do mundo que se subsumam a essa conotação vão compor um conjunto que denominamos “denotação”.

4 – Classificações intrínsecas e classificações relacionais (ou extrínsecas)

Qualquer característica pode servir de critério de uso na elaboração de uma classificação. Quanto à seleção do critério classificador, podemos divisar as classificações em relacionais e intrínsecas. Nestas, o critério que informa a classificação compõe a definição do objeto classificado; assim, nas substâncias químicas os elementos que compõem a coisa também a definem (sal é todo composto formado por sódio ou cloro); da mesma maneira, o critério classificador dos organismos é a forma ou figura do ser vivo objeto da classificação (forma de cachorro, gato, pássaro etc.).

Diversamente, nas classificações relacionais (ou extrínsecas) o critério diferenciador é externo à coisa. Assim, irmãos definem-se pelo fato de terem o mesmo pai e/ou a mesma mãe; os objetos domésticos classificam-se por seu uso ou função: cadeira serve para sentar, caneta para escrever etc.Não há classes naturais: as características comuns que tomamos como critério de uso de uma palavra em geral são assuntos de conveniência. Nossas classificações dependem de nossos interesses e nossa necessidade de reconhecer as similitudes e diferenças que há entre as coisas. E, convém salientar, “não há coisas no mundo exatamente iguais em todos os aspectos”.

Conforme frisa Roque Carrazza, “as classificações objetivam acentuar as semelhanças e dessemelhanças em diversos seres, de modo a facilitar a compreensão do assunto que estiver sendo examinado”. E a seguir arremata:

“Isto nos leva a concluir que as classificações não estão no mundo fenomênico (no mundo real), mas na mente do homem (agente classificador)”.

5 – Classificações no direito positivo e classificações da ciência do direito

Goza de grande acolhida na doutrina nacional a célebre frase de Agustín Gordillo, segundo a qual “não há classificações certas ou erradas, mas classificações mais úteis ou menos úteis”. A assertiva do renomado administrativista argentino tem suporte na clássica obra de Genaro R. Carrió “Notas sobre o direito e a linguagem”, um dos principais fundadores da escola analítica de Buenos Aires, na qual o jusfilósofo portenho adverte que grande parte das divergências jurídicas centram-se em classificações de enorme prestígio e herdadas de tradição milenar:

Los juristas creen que esas clasificaciones constituyen la verdadera forma de agrupar las regras y los fenómenos, en lugar de ver en ellas simples instrumentos para una mejor comprensión de estós. Los fenómenos – se cree – deben acomodarse a las clasificaciones e no a la inversa.

Colaciona a seguir, a festejada lição:

Las clasificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guía a quien las formula , y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente comprensible o más rica en consecuencias prácticas deseables. Idéia que representa a projeção da doutrina de John Hospers no campo do direito, no também clássico An Introduction to Philosophical Analysis.

Convém salientar que o relativismo das classificações verificado por Hospers, assim como os exemplos colacionados por Carrió e Gordillo, têm em mira as ciências naturais.

Entretanto, pelos motivos a seguir expostos, entendemos que tal proposição não predica adequadamente as classificações jurídicas. É perfeita a pertinência dessa proposição às ciências naturais, quando por exemplo, um naturalista considera os vários gêneros de animais e trata de classificá-los do modo que, segundo a Zoologia, melhor convenha para ordenar os vários espécimes. Assim, acredita-se ser preferível dividir os animais em animais de sangue quente e em animais de sangue frio; ou em animais que respiram por meio de pulmões e animais que respiram por brânquias; ou em animais carnívoros, frugívoros, gramívoros; ou em animais que se movem arrastando-se ou com a extremidade dos pés (distinções nas quais estão fundadas algumas das famílias de Cuvier). Ao fazer isso, o naturalista cria outras tantas classes novas, que não são, absolutamente, de modo algum familiares à própria natureza dos seres ou à forma com que são espontaneamente divididos pelo senso comum, a não ser por um propósito preconcebido de conveniência científica.

É certo que, posto que as classes são artificiais, o ato de classificar no direito também decorre de uma atividade humana, dependente de interesses e necessidades. Contudo, as classificações no direito têm natureza totalmente distinta daquelas operadas nas ciências naturais, nas quais o objeto da classificação são animais, plantas, minerais ou espaços geográficos; diversamente, nas classificações jurídicas, os referenciais são conceitos cunhados prescritivamente pelo direito. Não há fenômenos (objetos reais) a ordenar. Por isso, tais classificações, no plano da linguagem do direito, visam construir arbitrariamente classes e definições com finalidades genuinamente prescritivas, cortando cegamente o universo do real: as classificações e definições jurídicas incidem sobre o real sem pretender se confundir com ele. Por outro ângulo, num plano de sobrelinguagem, a Ciência do Direito cuida de descrever as classificações edificadas no patamar do direito posto, surtindo dessa relação de correspondência sua pertinência ou não ao sistema de proposições descritivas da Ciência do Direito.

Dois são os níveis, ou tipos, possíveis de classificações jurídicas: (i) aquelas construídas no direito positivo e (ii) as descritas na Ciência do Direito. As classificações no direito positivo têm cunho nitidamente prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir situações jurídicas específicas aos produtos dessas classificações. De outra parte, as classificações da Ciência do Direito caracterizam-se por se apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por objeto descrever as proposições prescritivas do direito positivo.

Se a classificação é elaborada pelo legislador, ela é válida (valor que se opõe a não-válido), e como não se trata de proposição prescritiva, a ela não se pode atribuir os valores aléticos “verdadeiro” ou “falso” nem “correto” ou “incorreto”.

Por outro lado, coisa diversa é a classificação efetivada pelo cientista do direito; cuida de proposição descritiva, e por isso há de manter coerência e fidelidade aos critérios previstos no direito positivo: sendo correta, é verdadeira; caso contrário, é falsa. E quanto a “utilidade”?

A utilidade não é critério jurídico. Seja como for, em discurso não-científico é admissível classificar as proposições descritivas verdadeiras com úteis ou inúteis. Mas não sem advertir que o critério da utilidade da classificação é, juridicamente, inútil para a Ciência do Direito em sentido estrito.

Conclusão necessária: a observação do mestre argentino sobre ser verdadeira para outras ciências não se aplica nem à Ciência do Direito nem ao direito positivo. Conforme doutrina Roque Carrazza, uma classificação jurídica “deverá necessariamente levar em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica. Reforçando a asserção, a norma jurídica é o ponto de partida indispensável de qualquer classificação que pretenda ser jurídica.” No mesmo sentido, Geraldo Ataliba, convergindo com Carrazza, indiretamente, afirma, com sua peculiar autoridade, a tese da correção ou incorreção das classificações jurídicas, quando execra a malfadada classificação dos impostos em diretos e indiretos como não sendo jurídica, denunciando que o critério de diferenciação é puramente econômico.

Deduz-se que, juridicamente, o critério da “utilidade” é inaplicável: as classificações jurídicas são válidas ou inválidas (direito positivo) ou verdadeiras ou falsas (Ciência do Direito) em função do direito posto e da eficiência do discurso do jurista para descrever seu objeto de análise.

6 – Função das definições jurídicas e seu inexorável caráter de prescritividade

Geraldo Ataliba, com apoio em Sainz de Bujanda, registrou que o art. 3º do CTN se trata de mero precepto didático, pois “não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos”. Nessa guisa, Hugo de Brito Machado também afirma “que, em princípio, não é função da lei conceituar”.

Diante dos pressupostos que adotamos como direito, não é possível concordar como a proposição desses insignes mestres.

O sistema do direito, ante a plurivocidade de sentidos que a expressão suscita, denota pelo menos três aspectos: a) o sistema visto como conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; b) o sistema jurídico como o conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos e c) o sistema jurídico como domínio articulado de significações normativas. A conceitualização dessa teoria, que desmembra e explicita a iteração dos três sistemas, coloca à mostra que o plano da literalidade textual ou plano de expressão é direito independentemente da forma de linguagem com que se apresente o enunciado prescritivo. O enunciado é prescritivo porque foi veiculado por fonte formal do direito habilitada.

As definições do direito não pretendem alcançar o real; elas prescrevem o real. Por isso, a classe das coisas imóveis, no sentido jurídico, como referente real, não há de apresentar-se como móvel nem imóvel. Para o direito, pode ser imóvel uma casa, um terreno, um navio ou uma aeronave (para certos efeitos). O direito cria suas próprias realidades, constrói seus próprios conceitos e define-os para sobre eles poder falar com mais precisão. É como um tecido vivo e inteligente, capaz de prontamente absorver novas situações e transformá-las segundo suas categorias operacionais. O direito pretende regular condutas e seu instrumento é a linguagem; para isso, está atento ao teor de imprecisão e de ambiguidade de que a linguagem é portadora e corta a denotação das palavras mediante definições estipulativas, redefinindo a realidade e precisando, assim, os traços conceituais que conformam a urdidura normativa.

Diante disso, não podemos retirar do enunciado do art. 3º do CTN seu inato cunho prescritivo, “definindo” como devem ser os “tributos”, ainda, que não sejam assim.

7 – Análise crítica da classificação das obrigações em ex lege e ex voluntate

A palavra “tributo” é o nome de uma classe de objetos construídos conceitualmente pelo direito positivo. Trata-se de palavra ambígua que, conforme assinalou Paulo de Barros Carvalho, pode denotar distintas classes de objetos (relação jurídica, direito subjetivo, dever jurídico, quantia em dinheiro, norma jurídica e, como prefere o CTN, a relação jurídica, o fato e a norma que juridiciza o fato). Fixemos aqui nosso interesse na acepção de “tributo” com as proporções semânticas do art. 3º da Lei nº 5 172/66:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Definir uma palavra é indicar seu significado. Uma definição como esta de “tributo” compõe-se de duas partes, o definiendum (a palavra a definir, o sujeito da proposição: “tributo”) e o definiens (a enunciação do significado: “toda prestação pecuniária…”). Tal definição é conotativa, isto é, o definiens determina as características que conformam o critério de uso da palavra “tributo”. Ao mesmo tempo, esses critérios seletores constituem uma dicotomia: a classe dos tributos e a classe dos não-tributos. Daí a procedência em se afirmar que toda definição determina uma classificação de objetos: daqueles que atendem aos critérios de uso da palavra ou não.

A tradicional classificação das obrigações em ex lege e ex voluntate como situações aparentemente excludentes não se sustenta. Analisando o critério do definiens de ambas verificamos que não se trata de duas categorias excludentes, mas de dois critérios conotativos distintos que permitem a construção de quatro classes diversas: (i) obrigações ex lege em que há a participação da vontade, (ii) obrigações ex lege em que não há a participação da vontade, (iii) obrigações ex voluntate sem previsão em lei e (iv) obrigações sem previsão legal e nas quais a participação da vontade também é irrelevante.

Aliás, a Constituição Federal diz:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II).

Portanto, toda obrigação será ex lege. Agora, há obrigações em que a participação da vontade é relevante e outras em que esse aspecto é desnecessário. Assim, nos contratos, o fato gerador da obrigação contratual decorre de suporte fáctico em que a participação da vontade é relevante; diversamente, nos tributos, ainda que o fato imponível seja propriamente o negócio jurídico, a hipótese de incidência toma-o como o fato do negócio, abstraindo deste a complexidade de sua conformação.

É sobremaneira interessante, nesse passo, a reflexão de Eduardo Jardim que exclui a cláusula “instituída em lei” do definiens do termo “tributo”, entendendo-a como “absolutamente irrelevante para tipificar o tributo como tal”. E não poderia ser diferente. Se constitucionalmente toda obrigação requer lei, não faz sentido imaginar obrigação que não seja legal, já que se trata de requisito do direito constitucional vigente. Desse modo, é tautológico afirmar “obrigação legal”, posto que, segundo aCF/88, toda obrigação é legal. Faltando lei, de obrigação é que não trata.

Também merece registro que Luciano da Silva Amaro, em sua definição de tributo, não faz referência à compulsoriedade da prestação tributária, pois entende que essa qualidade já está expressa ao admitir a cláusula “instituído em lei”, indicando que o nascimento da obrigação tributária não tem por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica, mas, sim, o comando legal.

Diante disso, concluímos: a classificação das obrigações em ex voluntate/ex lege não se sustenta, primeiro porque não traz qualquer oposição entre os critérios que a definem (a obrigação de entregar o bem, num contrato de compra e venda, é ex voluntate e ex lege ao mesmo tempo); segundo, dizer que o tributo é obrigação ex lege é uma tautologia, pois todas obrigações em nosso direito o são.

8 – Classificação intrínseca dos tributos

Na classificação intrínseca dos tributos, o critério de classificação define-se em função da vinculação, ou não, de uma atividade estatal, no desenho da hipótese tributária (que há de ser confirmada ou infirmada pela base de cálculo).

Tal proposta, agudamente desenvolvida pelo talento de Geraldo Ataliba, apresenta-se muitas vezes distorcida, a ponto de suscitar a necessidade de um esclarecimento decisivo: o critério utilizado pelo célebre professor para classificar as espécies tributárias não é a vinculação da arrecadação a uma atividade específica do Estado, mas a vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a uma atuação estatal, que é algo bem diverso. Enfim, para Geraldo Ataliba, imposto, enquanto gravame não vinculado a uma atuosidade do Estado, é o “tributo cuja hipótese de incidência consiste na conceituação de um fato qualquer que não se constitua numa atuação estatal (art. 16 do CTN); um fato da esfera jurídica do contribuinte.”; a taxa, diversamente, é o tributo cuja hipótese de incidência consiste em atuação estatal.

Torna-se interessante, seguindo as lições de Paulo de Barros Carvalho, analisar, sob essa perspectiva, a atividade empreendida pelo sujeito do verbo contido na hipótese tributária. Tratando-se de taxa, quem realiza a ação expressa pelo verbo é o próprio Estado, ao empreender atividade diretamente referida ao obrigado. Diversamente, nos impostos, quem realiza a diligência, configurada como fato imponível, é o contribuinte. Sublinha, ainda, o atual titular da PUC/SP e da USP, que o substrato dessa classificação é “eminentemente jurídico, pois repousa na observação fiel das hipóteses de incidência dos vários tributos, em confronto com as respectivas bases de cálculo. Toda vez que o binômio expressar um acontecimento que envolva atuação do Estado, estaremos diante de um tributo vinculado”. E mais adiante arremata:

“O interesse jurídico dessa classificação está no seu ponto de partida: o exame das unidades normativas, visualizadas na conjugação do suposto (hipótese de incidência), e da base de cálculo (que está na conseqUência da norma), mantendo plena harmonia com a diretriz constitucional que consagra a tipologia tributária no direito brasileiro” (grifamos).

Essa divisão dicotômica dos tributos em vinculados/não-vinculados ajusta-se, perfeitamente, ao que John Hospers denominou de classificação de intrínseca, posto que os elementos diferenciadores constituem aspectos internos da regra-matriz de incidência tributária.

9 – Classificação relacional (ou extrínseca) dos tributos

Ocorre que, em nosso entender, a classificação intrínseca dos tributos não esgota o repertório de variáveis do sistema constitucional tributário vigente. Nele foram instaladas as seguintes peculiaridades: (i) é vedada a vinculação de receita de impostos [art. 167, IV, da CF/88], (ii) as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, têm sua destinação vinculada aos órgãos atuantes nas respectivas áreas [artigos 149, 195, 212§5º, etc.] e (iii) os empréstimos compulsórios, sobre serem vinculados aos motivos que justificaram sua edição, hão de ser, obrigatoriamente, restituídos ao contribuinte.

Isolamos, basicamente, duas variáveis: a destinação legal e a restituibilidade.

Ambas são extrínsecas à estrutura da norma tributária. Por isso, sua utilização como critério conotativo da classificação dos tributos mereceu as considerações tecidas por Paulo de Barros Carvalho. Entretanto, não obstante serem estranhas à intimidade estrutural da regra-matriz de incidência tributária, não deixam de ser jurídicas, pois fundam-se em critérios eminentemente jurídicos: a “existência” de normas sobre destinação e restituição.

É a partir desses critérios que fundamos a classificação extrínseca dos tributos, que, sobre ser jurídica, é necessária, pois as classificações no direito não são meramente úteis ou inúteis. O que, aliás, compromete até a força do art. 4º do CTN: se o imposto não pode ser destinado especificamente a nenhum órgão, não basta ser tributo não-vinculado; exige-se também que seja não destinado.

Reiteremos o raciocínio: se a Constituição, ex vi do art. 167, IV, ressalvada a repartição constitucional, veda expressamente a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, então o art. 4º, II, do CTN infirma a desimportância da destinação legal, e esse aspecto passa a tornar-se relevante (pelo menos negativamente) para se determinar a espécie tributária. Havendo destinação legal do gravame, de imposto é que não se trata.

Com efeito, três são, a priori, os critérios diferenciadores que convivem, concomitantemente, no âmago constitucional: o primeiro e indiscutível é a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária; o segundo, a previsão do destino legal do tributo; o terceiro, a previsão legal da restituição.

Está instaurado o dilema. Tomemos como exemplo o “salário-educação”: conforme o primeiro critério, a contribuição social do salário-educação é imposto; para o segundo, em decorrência da destinação do produto da arrecadação, imposto não poderia ser.

A circunstância é que, segundo entendemos, a Constituição Federal de 1988 concebeu duas diferentes acepções para a palavra “imposto”: uma como gênero próximo, outra como diferença específica constituinte de duas classes de “impostos”. Imposto, gênero próximo, define-se pela não-vinculação do critério material da hipótese tributária a uma atuação estatal específica. Imposto, como subespécie, é aquele que não apresenta destinação legal de sua receita (não-afetação). Ou seja, o CTN combinado com a Constituição oferece dados para definirmos o gênero imposto em função do critério da atuação do Estado na composição do suposto normativo; ao mesmo tempo, a CF/88 estipula a definição de imposto sob o critério da não-destinação legal como subcritério definidor da espécie imposto. Resultado: o sistema constitucional tributário, num entrelaçamento de critérios de classificação intrínsecos e extrínsecos, estipula o gênero e a espécie imposto.

São impostos em sentido estrito (imposto-imposto): II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, Causa Mortis e doação, ICMS, IPVA, IPTU, ISS e Inter Vivos.

São impostos em sentido lato (imposto-contribuição): as contribuições sociais, profissionais e de intervenção no domínio econômico.

Tecnicamente falando, portanto, imposto é imposto em sentido estrito. Não basta a não-vinculação estatal na conformação do fato jurídico tributário. Requer-se, ainda, a não-afetação. Tão só da integração desses dois critérios se instaura a condição suficiente para definição da espécie imposto em sentido estrito.

Concordamos, destarte, com Sacha Calmon Navarro Coelho, quando afirma que seria “erro rotundo não levar em conta o destino da arrecadação (mormente quando constitucionalmente fixado) no momento do exame jurídico-positivo das “contribuições sociais”, que são alfim, impostos afetados a finalidades específicas, a teor daConstituição Brasileira.” E, semelhantemente, para Wagner Balera, “a espécie tributária denominada contribuição é daquelas em que o destino dos recursos é assumido como dado que integra o regime jurídico de tributo”.

Voltemos ao salário-educação. Ora, o Decreto-Lei 1.422/75 definiu, como critério material dessa contribuição, o fato de empresa comercial, industrial ou agrícola, qualificada como empregadora, emitir folha de salário. É patente: o critério material da hipótese é pertinente ao gênero próximo dos impostos, por não requerer nenhuma atuação estatal específica. Entrementes, seu produto arrecadatório está vinculado à manutenção do ensino básico fundamental: é contribuição. Explicamos: o tributo que denominamos “contribuições sociais” caracteriza-se pela associação tipológica do gênero imposto com a destinação constitucionalmente afetada. Assim, definindo estipulativamente, contribuição social são espécies do gênero próximo imposto que apresentam destinação legalmente especificada.

10 – Análise dos critérios constitucionais que permitem uma classificação juridicamente válida das espécies tributárias

Linhas atrás, firmamos que três são, a priori, os critérios diferenciadores que convivem no bojo da Constituição Federal de 1988: (i) a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária; (ii) a previsão do destino legal do tributo; e (iii) a previsão legal do dever de restituir o tributo arrecadado numa data futura, as quais analisaremos uma a uma, a partir da tabela que segue.

Primeiro, haveremos de registrar que a figura das taxas é totalmente incompatível com a dos empréstimos compulsórios, posto que, se há uma atuação estatal específica e divisível, o Estado, automaticamente, está investido na competência tributária de instituir uma taxa. Carece, portanto, de qualquer utilidade a figura do empréstimo compulsório.

Tais condições podem ser verificadas ou não, originando, assim, as oito combinações logicamente possíveis:

CASOVINCULAÇÃODESTINAÇÃORESTITUIÇÃOtipo
1.SIMSIMSIMIncompatível
2.SIMSIMNÃOTaxas
3.SIMNÃOSIMIncompatível
4.SIMNÃONÃOContribuições de melhoria
5.NÃOSIMSIMEmpréstimos compulsórios
6.NÃOSIMNÃOContribuições em geral
7.NÃONÃOSIMVedado pela CF/88
8.NÃONÃONÃOImpostos
Analisemos, primeiro, os casos vedado e incompatíveis:

1º caso: É um contra-senso pensar em empréstimo compulsório com hipótese tributária de taxa. Havendo atuação estatal que justifique a instituição de taxa, esta é que há de ser proposta por lei ordinária; é disparatado, diante da situação, propor empréstimo compulsório que exija lei complementar para depois ser devolvido.

3º caso: Pelo mesmo motivo do primeiro caso, taxa sujeita à devolução é absurda.

7º caso: Caso vedado pela constituição, posto que a competência para instituir o empréstimo compulsório exige a destinação legal vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

Casos compatíveis:

2º caso: É a circunstância clássica da taxa, como tributo vinculado.

4º caso: É a circunstância clássica da contribuição de melhoria: com vinculação, ainda que indireta, a uma atuação estatal (obra pública); a destinação legal é desnecessária, pois a obra pública já foi construída e não há previsão de restituição.

5º caso: É a hipótese de empréstimo compulsório válido, pertinente ao gênero imposto e com a diferença específica dos empréstimos compulsórios: destinação legal e restituição.

6º caso: É o caso das contribuições sociais, de intervenção econômica e de interesse de categorias profissionais. Observe que a hipótese tributária é de imposto; o que lhe altera a natureza é a destinação legal (imposto-contribuição).

8º caso: É o caso do “imposto-imposto” ou imposto em sentido estrito, exação com hipótese de tributo não-vinculado e sem afetação legal.

Contudo, não podemos deixar de registrar as seguintes ilações que a análise desse quadro suscita, no que diz respeito à controvertida figura do empréstimo compulsório. É sem dúvida tributo, e só por isso sua denominação é redundante, pois todo tributo é compulsório. Seria mais próprio, nesse sentido, chamá-lo de empréstimo tributário. Mas isso não nos parece relevante. Importante é verificar que os empréstimos compulsórios só podem pertencer ao gênero próximo de imposto, com duas peculiaridades: a restituição dos valores arrecadados e o condicionamento do exercício da competência impositiva às condições previstas nos incisos I e II do art. 148, os quais devem, obrigatoriamente, compor a exposição de motivos do veículo introdutor ocupado com a edição desse gravame, em conformidade com o capítulo das fontes do direito.

Empréstimo compulsório não é espécie tributária. Não obstante a força da expressão, consolida apenas a contingência de a administração obrigar-se a devolver o valor cobrado relativo a um imposto. Trata-se, em rigor, de um imposto afetado, com previsão de devolução, e outorga de competência em caso extraordinário, aliás muito próximo daquele previsto no art. 154, II da CF/88. Por esse motivo, Paulo de Barros Carvalho não reconhece os empréstimos compulsórios, “natureza” de categoria tributária sui generis; para o autor, “tais exações poderão revestir qualquer das formas que correspondem às espécies do gênero tributo. Para reconhecê-las como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, basta aplicar o operativo critério constitucional representado pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo”.

Assim, são tributos extraordinários não só os impostos extraordinários (art. 154, II), mas também os empréstimos compulsórios (art. 148). Ou, de modo mais preciso, melhor seria dizer tributos instituídos por competências extraordinárias.

11 – A falácia do “autêntico empréstimo compulsório”

Tributo, reitere-se, é prestação pecuniária compulsória que satisfaz às cláusulas acima referidas. Se de um lado é útil para a classificação das espécies tributárias, de outro é de todo irrelevante a destinação legal ou financeira ao qualificar-se uma prestação como tributo.

Por isso “empréstimo compulsório” é tributo, ainda que, no futuro, tenha que ser devolvido pelo Estado. O ser tributo qualifica-se pela forma (obrigação legal), conteúdo (patrimonial) e fundamento (fato lícito), além dos quais três aspectos individualizam o empréstimo compulsório: o primeiro é formal, a exigência de lei complementar; o segundo, a previsão legal de sua devolução e o terceiro, a motivação jurídica inscrita no corpo da lei que justifique sua produção, face aos incisos I e II do art. 148 da CF.

Faltando qualquer desses pré-requisitos, prejudicado estará o perfil tipológico tributário do empréstimo compulsório. Trata-se, em rigor, da mais complexa das competências impositivas outorgadas à União. Sua configuração requer o atendimento de vários itens; por isso, é difícil de ser validamente instituído um empréstimo compulsório.

Ocorre, entretanto, que tem se tornado renitente praxe entabular o seguinte raciocínio: se o tributo é inválido, pois não se enquadra na competência impositiva do ente tributante, então se trata de autêntico empréstimo compulsório. Em suma, tudo aquilo cobrado a mais ou em desconformidade com a lei é, seja por confisco, seja por invasão de competência, seja por abuso de autoridade, não importa, segundo essa vitanda idéia, tudo que é cobrado a mais é empréstimo compulsório.

E a raiz do problema está em confundir (i) “empréstimo compulsório” como tipo tributário e (ii) o fato de uma cobrança indevida que carreie indebitamente recursos para o Fisco. Qual o nome que se dá a esse montante? Resposta: empréstimo compulsório. Nesse sentido, por pura falta de nome mais apropriado, empréstimo compulsório é a materialização do fato de toda e qualquer cobrança indevida. Trata-se de desatino imperdoável.

Explica-se, mas não se justifica, o uso de argumentos desse tipo, os quais só se prestam para semear a discórdia e a confusão, desqualificando a doutrina do direito tributário. Devem, portanto, ser evitados.

12 – Sobre o problema da utilização do regime jurídico tributário como critério definidor do termo “tributo”

Também vale a pena insistir no descabimento da argumentação segundo a qual, na sistemática de 1.967, as contribuições sociais não se revestiam do caráter de tributo, pois a elas não era prescrito, de forma expressa, o regime jurídico próprio, como o faz o art. 149 da atual Carta”. Entendemos que pretender definir a espécie tributária em função do regime jurídico aplicável é um procedimento equivocado.

Tomemos para início de reflexão, a excelente síntese de Lúcia Valle Figueiredo que define o conceito de “regime jurídico” como o complexo de normas e princípios disciplinadores de determinado instituto.

Um homem pertence à classe daqueles que querem emagrecer (critério classificador: antecedente ou causa) e por isso se hospeda num spa em Campos do Jordão (submeter-se a um regime no “spa”: consequente ou efeito). A primeira é condição suficiente da segunda, as causas são condições suficientes de seus efeitos: porque o homem queria emagrecer (antecedente), ele hospedou-se num “spa” (consequente). O argumento recíproco não é valido: alguém pode fazer regime por um outro motivo que não seja emagrecer, por questão se saúde, por exemplo.

Mesmo fenômeno acontece no direito tributário. A classificação de um vínculo como prestação pecuniária compulsória que não decorra de ato ilícito é condição suficiente para que esse liame jurídico se subsuma ao regime jurídico próprio dos tributos, não o contrário. Os regimes jurídicos tributários específicos decorrem dessa demarcação: são efeitos, não causas distintivas das várias espécies tributárias.

Dizer que o regime jurídico define a natureza específica do tributo significa incorrer na denominada falácia de inversão do efeito pela causa. Como ensina Paulo de Barros Carvalho: a água é uma substância composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, que ferve a 100 graus centígrados, no nível do mar. Não é por ferver a 100 graus centígrados que a substância assume o caráter de água: outros líquidos distintos apresentam o mesmo efeito, no pressuposto de idênticas condições. É o critério de sua composição que informa o uso da palavra “água”, que designa a substância água, e não o efeito de ferver a 100 graus centígrados. Se fosse assim, todo líquido ou sólido que fervesse nessa temperatura seria água.

Portanto, a qualidade de ser tributo não é efeito do regime jurídico aplicável. É tributo porque a norma jurídica impositiva instituidora da prestação apresenta critérios que a subsumem na extensão da classe dos “tributos” e, coisa que, consequentemente, implica o regime jurídico peculiar dessa classe de relações jurídicas tributárias.

Concluímos, assim, que a classificação de um liame como tributo é condição suficiente para atribuir-lhe o regime jurídico tributário e não o oposto. Os regimes jurídicos tributários específicos aparecem em função de tratar-se de “tributo”, isto é, são efeitos, não causas seletoras das várias espécies tributárias: o salário-educação é contribuição porque tem hipótese tributária de tributo não-vinculado e de ser destinado legalmente a um fundo (FNDE); em decorrência, aplica-se-lhe o regime tributário da contribuição e não o inverso; submeter-se ao prazo de vigência em 90 dias não faz de nenhuma prestação jurídica contribuição social.

Texto publicado originalmente em: 21/03/2012

Artigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.


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Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - NEF/DireitoGV.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

REFORMA DO ICMS


Marcos Cintra

Proposta do Senado respalda ideia de que todas as mazelas do ICMS referem-se à forma de sua implementação, mas seus defeitos são inerentes à natureza do imposto sobre valor agregado.

O Senado brasileiro vai apresentar projeto de reforma do ICMS. A intenção da proposta, elaborada por um grupo de tributaristas, é acabar com a guerra fiscal através da unificação da alíquota interestadual e da obrigatoriedade de aprovação prévia pelo Confaz de novos incentivos fiscais envolvendo esse imposto.

Infelizmente, a proposta do Senado dá respaldo à ideia de que todas as mazelas do ICMS refere-se à forma de sua implementação no Brasil quando em realidade seus defeitos são características inerentes à natureza do imposto sobre valor agregado (IVA).

A teoria ensina que um IVA, como o ICMS, é mais eficiente para a alocação de recursos por ser neutro. Mas, na prática esse imposto revela péssima qualidade e tem sido severamente questionado em alguns países por causa da complexidade que ele gera, dando margem a altas taxas de evasão, sonegação, elisão e burocratização. Sem falar nos péssimos padrões de incidência que ele produz.

Os defensores do IVA se prendem ferrenhamente em seus argumentos à ideia de neutralidade desse imposto. De modo puro, alguns especialistas afirmam que essa forma de tributação não provoca distorções nos preços relativos, ao contrário do que ocorre com impostos cumulativos como, por exemplo, o imposto sobre movimentação financeira (como a CPMF).

Primeiramente, cumpre dizer que não existe imposto neutro. Todo tributo distorce preços. E simulações econométricas utilizando a matriz de "Leontief" para o Brasil revelam que na prática as distorções econômicas causadas por um imposto sobre movimentação financeira são significativamente menores que as de um IVA, como o ICMS.

A alegada neutralidade de um IVA depende da existência de mercados competitivos perfeitos e essa condição não ocorre na prática. Além disso, seria necessária também uma situação com sonegação zero, algo impossível de ser verificado em países como o Brasil, onde a ética fiscal é incipiente. Assim, se torna impossível fixar um ordenamento confiável de situações tributárias alternativas sem uma análise pontual e específica de cada cenário, o que evidentemente não é feito quando se afirma "a priori" que o IVA é mais eficiente que um imposto cumulativo.

Ademais, mesmo que um IVA introduza menos distorções na formação dos preços relativos, é possível que impostos cumulativos sejam preferíveis se, por exemplo, puder ser comprovado que a sonegação é menor, do que resultaria um padrão de incidência tributária mais aceitável para a sociedade. Isso porque, ao exigirem alíquotas mais altas para uma dada meta de arrecadação, os IVAs produzem péssimos padrões de equidade, pois geram mais evasão. Alguns contribuintes pagam impostos em excesso, ao passo que muitos pagam pouco, ou menos do que deveriam. Criam-se, assim, distorções alocativas de grandes proporções, na medida em que os custos de produção e a capacidade de concorrência das empresas não mais definem sua lucratividade, mas sim o grau de ousadia na evasão. Por fim, cabe destacar que a complexidade do IVA impõe elevados custos para empresas e para os governos.

Ao contrário do que dizem os puristas teóricos, a relação custo-benefício revela vantagem de um imposto sobre movimentação financeira frente ao IVA. Reformar o ICMS não resultará em melhorias na eficiência sistêmica da economia brasileira.

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas
www.marcoscintra.org / mcintra@marcoscintra.org

Fonte: BRASIL247

O papel do Carf na defesa do princípio da legalidade

Por Roberto Duque Estrada

Entre os dias 30 de setembro e 5 de outubro realizou-se em Dublin, na Irlanda, a Conferência Anual da International Bar Association (IBA), um congresso que reuniu aproximadamente cinco mil advogados de diversos países do mundo. Diversidade é a palavra que melhor define essa profícua semana de eventos jurídicos e sociais, que nos proporcionou o convívio com colegas de profissão dos mais variados países. Um verdadeiro melting pot multicultural, representantes de países de “A a Z”, como delegações olímpicas, transitam pelos corredores, participam dos painéis, interagem nos eventos sociais: Albânia, China, França, Guatemala, Holanda, Israel, Líbano, Portugal, Rússia, Singapura, Uganda... Conhecemos e reencontramos colegas desses países e de muitos outros mais. Um lugar especial reserva-se para os colegas brasileiros, alguns já amigos de anos que a rotina impede de estarmos mais próximos, bons companheiros desses dias dublinenses."

Nesse ano, tivemos novamente a oportunidade de participar de uma das mesas de debates organizada pelo Comitê Tributário. Intitulado The Limits of Tax Planning (“Os limites do planejamento fiscal”), o painel contou com representantes de Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Japão e México, e nos permitiu interessantes reflexões a respeito da forma que as administrações fiscais dos países representados vêm lidando com a questão, como os contribuintes se têm defendido das medidas adotadas e como os Tribunais têm julgado causas envolvendo o “planejamento fiscal”.

Não deixa de ser pesaroso, no entanto, reconhecer que impera em todos esses países uma preocupante sensação de insegurança jurídica.
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terça-feira, 23 de outubro de 2012

DESCENTRALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA


CARLOS HENRIQUE ABRÃO


O modelo tributário brasileiro aspira reformas e nenhum otimismo permite dizer que alcançará o quadro da justiça fiscal, sonhado por milhões de contribuintes.


Senado elabora proposta de reforma tributária, com unificação do ICMS em 4%

Fonte: O Globo

O Senado se antecipou ao Executivo e já tem pronta uma proposta de reforma tributária para pôr fim à guerra fiscal no país. Costurada por um grupo de notáveis, com base em consensos com a equipe econômica e governos estaduais, a ideia é fazer as mudanças de forma fatiada, começando pela unificação das alíquotas interestaduais do ICMS em 4% no prazo de oito anos. Novos incentivos só poderiam ser concedidos pelos estados com aprovação prévia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e quem infringir as regras poderá ser punido com até quatro anos de prisão.

No próximo dia 30, serão entregues ao presidente do Senado, José Sarney, dois anteprojetos: um de lei complementar e uma proposta de emenda constitucional (PEC). O primeiro mantém a exigência de aprovação unânime do Confaz para a aprovação de estímulos e demais questões tributárias relativas ao ICMS. Mas abre uma exceção ao estabelecer quórum mínimo de dois terços do Conselho para aprovar incentivos que atendam a determinadas condições, como aplicação exclusiva na indústria e destinação a estados com renda per capita abaixo da média nacional.

Já a PEC prevê a cobrança do ICMS no destino, com uniformização da alíquota interestadual em 4%, no prazo de oito anos. Nesse período, as alíquotas atuais, de 7% e 12%, seriam reduzidas gradativamente. Essa proposta já vinha sendo discutida pela equipe econômica no Confaz, mas não foi concluída.

Sarney deve aprovar

Segundo o tributarista Ives Gandra, que participa da comissão, as propostas são resultado de análises sobre a reforma tributária, sondagens a governo federal, estados e parlamentares, além de estudo de decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

- A ideia é acabar com a guerra fiscal. Por isso, a proposta inclui a adoção de medidas complementares, como a proposta de alterar o Código Penal para impor punições – disse Gandra. – Acabaria a peregrinação das empresas pelos estados.

Segundo Andrea Calabi, secretário de Fazenda de São Paulo, um dos estados mais afetados pela guerra fiscal, a discussão sobre a reforma tributária está cada vez mais madura. Ele disse que, ainda este ano, os estados deverão começar a alterar suas regras.

Segundo fontes ligadas a Sarney, ele deve acolher as propostas, que serão enviadas ao plenário e encaminhadas às comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE). As fontes disseram ainda que o Senado pode prorrogar a vigência da resolução 13 até que o Congresso aprove a reforma. Além de Gandra, estão na comissão Everardo Maciel, Nelson Jobim e João Paulo dos Reis Velloso, entre outros.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Nenhum sistema tributário pode gerar privilégios

Se todos queremos justiça tributária, somos obrigados a alterar as regras constitucionais que ainda asseguram privilégios às entidades religiosas, que há muito tempo estão separadas do Estado. Estado é Estado, religião é religião. Como cantava Riachão: cada macaco no seu galho.

Ora, no preâmbulo de nossa Constituição afirma-se que, para instituir um Estado Democrático, deve-se assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos, etc. 

Todavia, o artigo 150 da mesma Carta proíbe cobrança de impostos sobre templos de qualquer culto ou natureza.

Tal norma já figurou nas constituições anteriores, mas nem por isso deve ser mantida. Muitas situações e regras perduraram por mais tempo (a escravidão, por exemplo) e foram extintas com a evolução e as necessidades do contexto social. 

Uma explicação ou justificativa para a imunidade seria a possibilidade de que, admitidos os impostos, os governos poderiam prejudicar as igrejas, impondo-lhes uma tributação insuportável. Por outro lado, tal benefício seria uma compensação pela atuação das igrejas nos serviços sociais de responsabilidade do Estado, como as chamadas santas casas, as escolas gratuitas, serviços sociais, etc. 

Ambos os argumentos não resistem ao menor exame, se colocados diante da atual realidade do nosso país. Exigir impostos sobre as rendas não é complicado. Limites razoáveis impedem o efeito confiscatório, evitando que a atividade religiosa seja extinta.

Ainda que igrejas mantenham hospitais, seus serviços são remunerados pelo Estado, seja através do SUS, seja pelos convênios ou pelos usuários. As chamadas santas casas há muitos anos são estabelecimentos hospitalares ligados direta ou indiretamente a outros do mesmo ramo ou mesmo a escolas de enfermagem ou medicina, funcionando como qualquer empresa de prestação de serviços médicos. Aliás, já surgiram notícias pelo país todo de atos ilícitos praticados nessas empresas, nem sempre administradas de forma criteriosa.

O ensino ministrado em escolas de orientação religiosa como regra é custeado pelos alunos, sem necessidade de imunidade tributária. E mantendo o Estado escolas públicas, não há nenhuma razão para subsidiar o custo daquelas onde estudem filhos de pessoas que querem dar determinada formação a sua prole. 

Quando uma instituição religiosa resolve manter escola para formação de seus futuros servidores (padres, pastores, ministros, rabinos, etc.) , deve arcar com sua manutenção, pois está a investir na formação de sua mão de obra, que no futuro manterá o seu funcionamento.

Afinal, deve-se observar o princípio da isonomia, pois se todos são iguais, não há razão para que algumas pessoas, em razão da religião que seguem, suportem uma carga tributária menor do que os que não tenham qualquer crença.

Por outro lado, já ocorrem enormes desvios do esforço nacional em favor de entidades privadas que não prestam contas a ninguém e até mesmo se comportam como multinacionais que, crescendo sem qualquer controle, tornam-se aos poucos um estado dentro do Estado.

Várias entidades que se intitulam igrejas já se transformaram em impérios econômicos, cujo poder ninguém sabe até onde vai e cujos lideres exercem esse poder de forma totalmente obscura ou mesmo através de ordem hereditária. Sabe-se que há, neste imenso país, igrejas que são objeto de concessão ou “franquia”, mediante pagamento em dinheiro e contrato de participação no faturamento. 

Não há exagero em vermos tal situação como estado dentro do Estado. Afinal, há redes de comunicação (TV, Rádio, jornal) e até partidos políticos agindo abertamente como órgãos subordinados a instituições religiosas, onde é quase certa a subordinação dos eleitos não aos seus eleitores, nem mesmo ao Estado, mas à hierarquia da seita.

Também não se exagera quando atribui-se a tais organizações uso indevido ou pelo menos discutível dos recursos que arrecadam. 

Ainda recentemente anunciou-se a inauguração de pelo menos 3 templos gigantescos em São Paulo, um deles, ao que parece o mais simples, orçado me cerca de R$ 400 milhões. 

Há uma óbvia incoerência entre o que os líderes dessas religiões ou seitas pregam e o que praticam. Não importa qual o livro sagrado que supostamente estudam ou divulgam, mas o discurso é sempre o mesmo: fazer o bem, praticar a humildade, ajudar o próximo, etc. 

Lamentavelmente, a pregação de humildade não é necessária , pois a grande maioria dos crentes é de despossuídos, de pobres, de gente que entrega parte de seu esforço, de seu trabalho, para a “obra”, seja lá o que for que isso signifique. 

Ao lado dessa lição de humildade, comportam-se os pregadores com um exibicionismo e uma soberba capazes de humilhar até o sultão das mil e uma noites. Um não esconde de ninguém que acaba de comprar mais um avião, outro passando férias em luxuosa mansão no exterior, outro, em meio a uma turba de desesperados querendo espantar o demônio, diverte-se balançando seu braço de um lado para o outro, a exibir vistoso relógio de ouro!

Ora, se essas igrejas todas faturam tanto a ponto de investir milhões em prédios suntuosos, onde apenas vão rezar, orar, pregar etc., não há razão para benefícios fiscais. Talvez houvesse explicação se esses investimentos resultassem em hospitais ou escolas públicas. 

Sendo inegável o poder dos veículos de comunicação sobre o povo, é imprescindível que as instituições (MP, OAB, etc.) exijam o cumprimento dos artigos 220 a 224 da CF, impedindo que instituições religiosas possam ser direta ou indiretamente permissionárias desses veículos. Note-se que os canais de TV e as frequências de rádio são limitados e como tal devem ser fiscalizados e regulados pelo Poder Público. 

Aceitar que religiosos interfiram nos destinos do país e se transformem numa espécie de poder paralelo, permitindo que se sintam superiores às outras categorias de brasileiros, é caminhar em direção ao buraco da anarquia social. Outros países viveram e ainda vivem essa tragédia. Não são necessárias muitas pesquisas para saber quais são. Podem começar pela letra L, de Líbano.

Ainda dá tempo de fazer alguma coisa para mudar esse quadro, desde que o Congresso não atrapalhe muito. Não podemos nos esquecer que os deputados e senadores não são ETs, pois nós é que votamos neles.

Imunidade é exceção que não deve se aplicar a entidades que faturam milhões sem prestar contas a ninguém. 

Raul Haidar

Fonte: ConJur

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Autonomia da Receita: fortalece o Estado, ganha o cidadão

Compete ao Governador eleito por cada unidade federativa administrar o Estado. Todavia, Estado e Governo não se confundem, pois o Estado é o conjunto de instituições permanentes - como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que possibilitam a ação do governo. Governo é o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo e que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período. 


Embora sendo nítida a diferença, cumpre destacar que a gerência do Estado, no Brasil, como dito antes, competirá a alguém por outorga do povo, através de eleições. E ao eleito, por óbvio, compete a gestão do Estado, ou ainda a gestão da administração pública.


No entanto, alguns desses gestores, por ideologia política ou algo afim, costumam utilizar das prerrogativas de que dispõe o Estado, para impor sua vontade, seu desejo,mesmo que vá de encontro aos anseios do povo. 

Visando evitar essa quebra de confiança entre Estado e gestor é que se atribuiu autonomia a algumas categorias, para impedir ingerência política nos trabalhos por elas desenvolvidos. Podemos exemplificar nesse rol o Ministério Público. 

Ao Fisco ainda não foi garantida sua autonomia, mas a urgência em atribuí-la é necessária. É sabido que entre suas atribuições estão a tributação, a arrecadação e a fiscalização das receitas tributárias. Contudo, a letra fria da lei pode provocar aos menos atentos interpretações mesquinhas, ou, noutro linguajar, interpretações pobres em conteúdo. É que o tributo, em sua essência, deixou de ser apenas a fonte de manutenção do Estado, para ser um divisor de águas na concorrência. Daí ter a Constituição Federal inserido um princípio a cuidar da temática: a livre concorrência. 

Mas e o que tem em comum o papel do Fisco e a livre concorrência? 

Tem tudo! Pois, ao considerar que a alta a carga tributária do país representa fator determinante no custo das empresas, um agente econômico que atua no
mercado sendo menos onerado que outro que se encontra na mesma situação, 
infringe-se não só o princípio da livre concorrência, mas também o da capacidade contributiva. O princípio isonômico exige que não se institua tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente conforme o artigo 150 da Constituição. 

Neste contexto, o Fisco tem se insurgido contra a iniciativa de governantes de transformar a tributação em instrumento politico de ilegítimos interesses, em detrimento daqueles que emanam do Estado, prejudicando, desta forma, toda a sociedade. 

Conforme defende o presidente do Sindifisco Nacional, Pedro Delarue, a condução da política tributária no País, deve ser exercida pelo agente público, não pelo agente político, já que o agente público tem perenidade institucional e defende o Estado e a cidadania. “É preciso ter segurança jurídica”, defende Delarue. 

A Secretaria da Receita, representada pelo Fisco, como instituição participante do Estado, tem caráter permanente, vinculada tão-somente ao interesse público, sendo essencial para o funcionamento da Administração Tributária. A Secretaria da Receita não está ligada a Governos, mas mantém uma relação concreta, estável e duradoura com o Estado, que é realmente para quem trabalha. 

O interesse do Estado deve estar acima de qualquer outro, por isso, os Governos devem fornecer as condições necessárias para que se possa desenvolver um trabalho de qualidade, incluindo a devida autonomia para que se estabeleça a justiça social, que é decorrência da justiça fiscal. 

E essa autonomia da Receita se reflete nos servidores do Fisco. A carreira fiscal é típica de Estado e suas atividades são exclusivas, só devendo ser exercidas por auditores fiscais concursados. Essa é uma estrutura sedimentada na Lei e tem se mostrado a única verdadeiramente eficaz na fiscalização de tributos em todas as esferas. 

Conforme o auditor fiscal gaúcho Marco Aurélio Menezes dos Santos, em artigo publicado no portal do Sindifisco-RS, “só teme a autonomia fiscal, no Estado Democrático de Direito, quem teme a plenitude do exercício da cidadania, que requer, para tanto, o cumprimento do ordenamento jurídico que regula o convívio social, inclusive com o dever de pagar tributos”. 


Enquanto isso, na Paraíba 

Demonstrando sua inclinação ditatorial de Governar por meio de Decretos e Medidas Provisórias, o Governador Ricardo Coutinho, no ano passado, atentou contra a autonomia da Administração Tributária, ao tentar, por meio da MP 183, fundir a Secretaria da Receita com a das Finanças, criando a Secretaria da Fazenda. 



O ato governamental veio logo após a greve da categoria fiscal, em retaliação ao movimento pelo cumprimento da Lei do Subsídio. Enquanto candidato, em debate com a categoria fiscal, Ricardo Coutinho apoiou a proposta de autonomia da Secretaria da Receita, agindo de forma totalmente incoerente com seu discurso ao publicar a Medida Provisória. 


A criação da Secretaria da Fazenda, conforme denunciou o Sindifisco-PB na época, além de ser um retrocesso, vai de encontro à tendência mundial de autonomia das Administrações Tributárias. 

Além disso, a criação da Secretaria da Fazenda por meio da MP 183, foi contrária à Constituição Estadual, que estabelece que a criação de Secretaria ou órgão público é competência da Assembleia Legislativa, por meio de Projeto de Lei. 

Felizmente, a independência entre os Poderes constituídos prevaleceu e, após meses de discussão e inúmeras tentativas do Governo de subjugar o Legislativo, o bom senso foi estabelecido e a medida provisória foi rejeitada, devolvendo a independência administrativa à Secretaria de Estado da Receita na Paraíba. 

Benefícios fiscais 

As concessões de incentivos fiscais podem auxiliar no crescimento de áreas pouco desenvolvidas e ajudá-las a diminuir as diferenças regionais e sociais.
Porém, as concessões desses benefícios devem estar de acordo com a Lei e não podem se restringir a interesses de alguns que tem acesso ao Governante de plantão. As implementações de políticas tributárias devem ter como princípio o respeito às Leis, pois é assim que age o Estado e seus representantes. 

As práticas dessas concessões, ou a sua manutenção sem critério legal, vem sendo denunciadas constantemente pelo Sindifisco-PB, pois esse procedimento irregular é que alimenta a guerra fiscal, causa a renúncia de receita tributária e esvazia os cofres públicos. Ainda, para piorar a situação, essas benesses não possuem nenhum tipo de estudo prévio de impacto econômico ou financeiro. 

Sem esses estudos, o Governo não tem como saber ao certo se tal estímulo irá trazer mais ganhos do que perdas para o Estado, pois não foram levantados parâmetros para mensurar isso. Muitas vezes, a alegação de geração de empregos não passa de um engodo para justificar a cessão de milhões a empresários. Prova disso é que existe empresa detentora de Termo de Acordo – TARE que recebeu, em 2011, uma Mega Sena acumulada em  forma de crédito presumido, de aproximadamente R$ 65 milhões e não emprega mais do que cinco pessoas. 

Para se ter uma idéia do descalabro com o dinheiro público, o Programa Municipal de Apoio aos Micro e Pequenos Negócios de João Pessoa (Empreender-JP), desde seu início em 2005, investiu R$ 48,8 milhões na economia pessoense, beneficiando 20 mil pessoas diretamente e cerca de 80 mil direta e indiretamente, enquanto que no âmbito Estadual, apenas em 2011, uma única empresa angariou mais dinheiro público do que 80 mil pessoas em 7 anos. 

Ainda no âmbito da geração de empregos, o Governo justifica que serão criados milhares de postos de trabalho com a implantação de um polo cimentício no Estado até 2014, composto por quatro fábricas de cimento, através “das iniciativas de atração de empresas do Governo do Estado, através da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep)”, conforme divulgado pelo Governo. Em iniciativas de atração, leia-se “benefícios fiscais”. 

Esse “incentivo” irá tornar a Paraíba em principal Estado produtor de cimento do Nordeste. Um título que nenhum Estado deseja ter, pois os impactos que este tipo de indústria causa aos trabalhadores e ao meio ambiente é tão grande que nenhuma unidade da Federação concede incentivos para a instalação desse segmento de indústria. A queima dos combustíveis nos fornos de produção de cimento, por exemplo, polui a atmosfera das regiões vizinhas às cimenteiras, que recebem volumes crescentes de material particulado e de produtos da combustão, com uma diversificação físico química também crescente, por causa da grande variedade de resíduos que são queimados sucessivamente na mesma fábrica. 

Mas isso é apenas a ponta do iceberg, pois há muito mais que deverá ser exposto à sociedade paraibana, como bem determina nossa Constituição Federal e Estadual, pois os atos administrativos deverão ser tornados públicos, ou seja, o povo tem que tomar conhecimento desses “acordos” firmados entre o Estado e algumas empresas. Por outro lado, o benefício fiscal que estiver contra a Lei deverá ser banido da ordem jurídica a bem do interesse público e da moralidade administrativa. 

Foi nesse contexto que a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI (nº 4755 e 4813), contra a metodologia danosa do recolhimento do ICMS instituída pelo FAIN – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba a partir de 2003. 

A título de conhecimento do tamanho das perdas com a nova sistemática do FAIN, em 2010, a saúde e a educação deixaram de receber mais de R$ 84 milhões; os municípios em torno de R$ 87,5 milhões; os outros Poderes como Assembléia Legislativa, Tribunal de Contas, Ministério Público e Tribunal de Justiça perderam aproximadamente R$ 39 milhões.



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