sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Em ranking, os estados que vão decolar em 2012

Um levantamento inédito, que VEJA publica com exclusividade, revela quais são os estados brasileiros mais preparados para receber o fluxo recorde de investimento estrangeiro que chega ao país graças à estabilidade econômica interna e à proximidade da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

Otávio Cabral









Estado de destino deve creditar integralmente ICMS de empresa beneficiada pelo Pró-DF

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assegurou à empresa Ciplan Cimento Planalto S/A o creditamento da alíquota interestadual de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devida ao Distrito Federal (unidade de origem) no total de 12%. Mato Grosso, estado de destino, havia desconsiderado apenas parte do percentual. 

Decreto estadual de Mato Grosso limita o creditamento de ICMS devido na origem em percentual menor à alíquota interestadual de 12%, quando o contribuinte obtém benefício fiscal que adie o recolhimento do tributo. No caso, a empresa é beneficiária do Programa Pró-DF, que concede incentivo creditício, mediante empréstimos especiais, para pagamento do imposto devido. 

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) negou o mandado de segurança da empresa de cimento porque não há convênio entre as duas unidades da federação que dê legitimidade ao benefício concedido pelo DF. Assim, o tribunal considerou que o recolhimento efetivo na origem foi de apenas 2,5% de ICMS, razão pela qual permitiu o creditamento apenas desse percentual na operação de entrada da mercadoria em MT. 

Ao julgar o recurso em mandando de segurança, o relator, ministro Benedito Gonçalves, inicialmente rejeitou o argumento do estado de Mato Grosso de que o pedido da empresa não poderia ser feito por essa via. De acordo com a Súmula 213 do STJ, “o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. 

Para o relator, o benefício concedido pelo DF não se confunde com isenção ou não incidência do imposto. “A benesse concedida, na forma de diferimento de recolhimento, pelo Distrito Federal pressupõe a existência de imposto devido (objeto do empréstimo)”, entende o ministro. Por essa razão, ele considera que o imposto devido ao DF corresponde à totalidade da alíquota de 12% relativa à substituição tributária nas operações interestaduais. 

“Assim, constatado que o incentivo creditício concedido pelo estado de origem não altera o cálculo do imposto devido, mas apenas resulta em facilidades creditícias para o seu recolhimento, deve ser descontado o percentual de 12% do ICMS devido ao estado de origem”, conclui Gonçalves. 

Segundo o ministro, pensar de forma diferente resultaria na possibilidade de o estado de destino, em prejuízo do contribuinte, apropriar-se da totalidade do incentivo fiscal concedido pelo estado de origem, tornando-o sem efeito. Além disso, ocorreria bitributação.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mantega adverte governadores para que não usem substituição tributária para aumentar ICMS

Daniel Lima e Wellton Máximo
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez hoje (22) um alerta aos governadores que estão promovendo alterações no sistema de tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo de responsabilidade estadual. Segundo Mantega, as mudanças não podem resultar em aumento da carga tributária nem onerar a produção.

Em café da manhã com jornalistas, o ministro disse que está disposto a chamar governadores para conversar sobre eventuais abusos nas políticas tributárias dos estados. Ele não mencionou que unidades da Federação estão usando a substituição tributária para aumentar o ICMS. Apenas disse que a equipe econômica está atenta em relação ao assunto.

Por meio da substituição tributária, a cobrança de imposto é alterada ao longo da cadeia produtiva. No caso do ICMS de bens industrializados, os estados estão transferindo a tributação para as fábricas, no início da cadeia produtiva, para manter a arrecadação na origem, fazendo com que o dinheiro do imposto fique onde a mercadoria é produzida, não onde é consumida.

De acordo com Mantega, alguns governadores têm se aproveitado desse instrumento para aumentar a receita dos estados. “A substituição tributária é um direito dos estados, mas é preciso cuidado para que os preços [das mercadorias] não sejam superestimados [na hora de cobrar da fábrica] e a mudança resulte em aumento do imposto”, advertiu.

O ministro assegurou que a Fazenda se esforçará em 2012 para concluir as discussões da reforma tributária. Apesar dos atrasos nos debates, ele se diz otimista em relação a um consenso entre os estados. “Faltou tempo [para concluir as discussões], mas há predisposição dos estados em chegar a um acordo”, declarou. “Em um momento de acirramento na concorrência comercial [que complica as exportações], os estados não podem usar o ICMS para estimular importações.”

O governo da presidenta Dilma Rousseff decidiu fatiar a reforma tributária. Nesta etapa, está sendo debatida a unificação das alíquotas do ICMS interestadual, cobrado quando uma mercadoria é produzida em um estado e vendida em outro. Durante as negociações, governadores defenderam a ampliação da proposta para incluir a regulamentação do comércio eletrônico e a renegociação da correção das dívidas dos estados.

A União se comprometeu a ressarcir os estados que, eventualmente, sofram perdas com a redução da alíquota do ICMS interestadual. A Fazenda alega ter feito estudos com base nas notas fiscais eletrônicas e, com isso, já se sabe quem perde e quem ganha com a padronização.

Edição: Graça Adjuto


A QUESTÃO DA CORRUPÇÃO: QUEM É A FAVOR?

*Marciano Buffon

Houve uma festa em um determinado país imaginário (não o Brasil!) na qual estavam reunidos um professor, uma aluna, um médico, um empresário e um policial rodoviário. Tratava-se de uma festa de despedida de um policial daquela pequena cidade, daquele belo país. Estavam os referidos personagens indignados com a corrupção do governo local. Ocorre que, naquela noite: a) o professor liberou seus alunos para que fossem à biblioteca “pesquisar” para que pudesse ir à festa; b) a aluna obteve de seu marido (médico) um atestado para justificar sua ausência à aula; c) a festa estava “gentilmente” sendo oferecida pelo empresário ao policial para compensar “alguns favores” realizados durante sua estada na pequena e pacata cidade. Todos, no roda, discutiam indignadamente sobre os alarmantes índices de corrupção de seu país!

Da mesma forma, se há algo que se possa dizer consensual nesta quadra da história brasileira é o rechaço à corrupção. Se fosse realizado um plebiscito, provavelmente o resultado apontaria que, quase a totalidade da população brasileira, é contrária à corrupção. Se há, portanto, um verdadeiro acordo nacional contra esse mal, a pergunta que há de se fazer é: Porque a corrupção continua a existir e parece ser tão significativa?

Recentemente, foram divulgados, inclusive, dados quantificando o montante envolvido com a corrupção brasileira, sendo que isto foi amplamente noticiado pela mídia nativa. Falava-se em cerca de oitenta bilhões de reais consumidos pela corrupção, sem que a maioria dos meios de comunicação que reproduziram este número, sequer parassem para refletir acerca da quase impossibilidade fática de se chegar a um dado como este.

Na verdade, o termo corrupção tem sido utilizado como sinônimo de desonestidade ou falta de ética. A corrupção, propriamente dita, corresponde a conduta de um representante do Estado que obtém uma vantagem econômica para conceder determinado benefício a um particular. Portanto, o crime de corrupção, conforme previsto no Código Penal, implica verdadeira via de mão dupla: de um lado há a corrupção passiva (daquele que obtém a vantagem econômica) e de outro, a ativa (aquele que paga, com o objetivo de obter um benefício ilícito por parte do representante do Estado).

De fato, no mais das vezes se está a falar da não menos reprovável desonestidade ou falta de ética. Para falar sobre isso, sempre é desagradável lembrar que, como dizia Sartre “o inferno são os outros”. Nada pior para um corrupto, desonesto ou antiético do que a corrupção, a desonestidade ou a falta de ética alheia. Se o “outro” age da mesma forma, aquele que se beneficia dos frutos dessas reprováveis condutas, perde o que se poderia jocosamente denominar de “vantagem competitiva”. Talvez, isso possa ser uma das causas da existência de tantos ferozes combatentes em prol da moralidade alheia e bastante lenientes quanto a sua própria.

Não se está aqui a sustentar que o problema da corrupção, da desonestidade ou da falta de ética sejam algo pouco importante em todas as searas das relações sociais. Inequivocamente, tais condutas rompem com o circulo de confiabilidade, corroem as estruturas políticas e, inclusive, tornam o mundo dos negócios refém do receio da conduta do outro. Isso alimenta uma insuportável burocracia contratual, impõe custos elevadíssimos com os controles tanto na esfera pública, como na esfera privada. Além disso, há de se considerar que, no campo tributário, a corrupção anda de “mãos dadas” com a evasão, a qual distorce inexoravelmente a livre concorrência, pois nada mais desigual neste campo do que a desigualdade no acesso a sonegação, como já abordado neste espaço.

Todavia, se o objetivo é “levar a sério” a questão da corrupção (inclusive quando esta for o sinônimo da desonestidade) há de se ter presente que não basta apenas ser genericamente contra. Há de se adotar (para poder também exigir) uma postura de distanciamento e veemente rechaço a quaisquer benefícios diretos ou indiretos que atos desta natureza possam resultar.

Se assim não for, continuar-se-á a rejeitar a “corrupção” e ela será incrivelmente, cada vez maior, tal qual naquela pequena anedota antes contada.

*Vice-Presidente Jurídico do IBTEc. Doutor em Direito. Advogado Tributarista Professor de Direito Tributário na UNISINOS – RS.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Decadência e pagamento antecipado


Decadência e pagamento antecipado

Trabalho publicado com o título "A irrelevância do pagamento antecipado como nota essencial para caracterizar o lançamento por homologação." na Tributação em Revista nº 34.

Autores: Antonio Carlos Atulim e José Antonio Francisco.

Exposição da questão

A definição legal de lançamento por homologação encontra-se no Código Tributário Nacional (CTN), art. 150, verbis:

"O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa."
Com o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial (ERESP) 101.407-SP (DJU de 08/05/2000), o Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento no sentido da necessidade do pagamento antecipado para que exista o lançamento por homologação, conforme se pode conferir na ementa desse julgado:

"TRIBUTÁRIO. DECADENCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. Nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos."
Por seu turno, o 1º Conselho de Contribuintes, no acórdão 101-92.642, Seção de 14/04/1999, cuja íntegra foi publicada no n.º 32 desta Tributação em Revista, acolheu o entendimento da corrente minoritária, consignando que:

"DECADÊNCIA - Tratando-se de lançamento por homologação (art. 150 do CTN), o prazo para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário decai em 5 (cinco) anos contados da data do fato gerador. A ausência de recolhimento da prestação devida não altera a natureza do lançamento, já que o que se homologa é a atividade exercida pelo sujeito passivo. (...)"
A solução da controvérsia não é meramente acadêmica, porquanto o fato de se considerar ou não o pagamento antecipado como nota essencial do lançamento por homologação causa reflexos imediatos sobre a fixação do termo inicial de contagem do lapso decadencial, tendo em vista que a inexistência da antecipação do pagamento, segundo a solução dada pelo STJ, desloca o dies a quo do prazo para o primeiro dia do ano seguinte (CTN, art. 173, I), alargando em até 11 meses o prazo para que a Fazenda Pública possa constituir de ofício o crédito tributário.

Fundamentos da tese dominante

Argumentam os filiados à corrente majoritária que o pagamento antecipado é a hipótese típica que caracteriza o lançamento por homologação, ou seja, que sem a antecipação do pagamento não há que falar em lançamento por homologação e, por conseguinte, não há o que ser homologado.
O art. 150, caput, ao falar do momento em que ocorre o lançamento por homologação, que é quando a autoridade expressamente homologa a "atividade" do sujeito passivo, autorizaria a conclusão de que a "atividade assim exercida" é o pagamento antecipado.
Segundo Luciano Amaro "(...) o dever de antecipar o pagamento significa que o sujeito passivo tem o encargo de valorar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo, calcular o montante do tributo e pagá-lo, sem que a autoridade precise tomar qualquer providência.
E o lançamento? Este - diz o Código Tributário Nacional - opera-se por meio do ato da autoridade que, tomando conhecimento da atividade exercida pelo devedor, nos termos do dispositivo, homologa-a. A atividade aí referida outra não é senão a de pagamento, já que esta é a única providência do sujeito passivo tratada no texto.(...)"
Além do mais, o art. 156, VII, reza que o pagamento antecipado e a homologação de lançamento extinguem o crédito tributário, nos termos do art. 150, §§ 1º e 4º.
Por fim, alega Segundo Alberto Xavier que "O art. 150, § 4º pressupõe um pagamento prévio - e daí que ele estabeleça um prazo mais curto tendo como dies a quo a data do pagamento, dado que este fornece, por si só, ao Fisco uma informação suficiente para que permita exercer o controle".
Íris Sansoni explica que o CTN adotou como critério para determinação do termo inicial da decadência o conhecimento real ou presumido pelo fisco do fato gerador. Assim, no caso do lançamento por homologação, havendo o pagamento, o fisco já teria condições de conhecer o fato, presumindo o código que o pagamento já poderia ocorrer na data do fato gerador. 


Contra-argumentos específicos à tese dominante

Com todas as vênias devidas aos adeptos da tese dominante, ousamos afirmar que o pagamento antecipado não é da essência do lançamento por homologação.
A hipótese típica do lançamento por homologação é a previsão legal do dever de o sujeito passivo antecipar o pagamento; o fato de haver ou não pagamento não altera a tipicidade do lançamento por homologação, que, para ocorrer, deve apenas ter previsão legal a respeito do dever de o sujeito passivo fazer a antecipação do pagamento. 
O fato de eventualmente inocorrer a antecipação de pagamento, não desnatura o lançamento por homologação, já que ao desincumbir-se do encargo de valorar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo e calcular o montante do tributo, o contribuinte poderá chegar à conclusão de que nada tem a pagar, seja por ter apurado saldo credor na escrita, seja por ser beneficiário de um incentivo fiscal, só para citar dois exemplos.
Claro está que a atividade não pode ser apenas a existência do pagamento; na hipótese de não haver pagamento, pode, perfeitamente, incidir a hipótese típica do lançamento por homologação, posto que o sujeito passivo pode ter cumprido o dever legal e dele ter concluído que não há o que pagar.
Exemplos: compensação de prejuízos, compensação do art. 66 da Lei nº 8.383/91, assim como a isenção e imunidade. Imagine-se a hipótese de o sujeito passivo operar ao abrigo de uma imunidade ou isenção do IPI, por exemplo, onde não ocorre nenhum pagamento, já que o imposto nem sequer é destacado em nota fiscal. Esse fato (a inexistência de pagamento) não impede que o fisco homologue expressamente a atividade à qual o sujeito passivo está obrigado por lei (como a emissão de notas fiscais, classificação fiscal dos produtos, escrituração de livros e apuração do tributo devido, se for o caso); ou então que, na ausência de homologação expressa, se opere a homologação tácita pelo decurso do prazo previsto no § 4º do art. 150.
Estes exemplos reforçam a tese de que o que se homologa é a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo antes de qualquer manifestação da Fazenda, e não o pagamento, que é o ato final, o clímax dessa atividade.
Em relação ao critério adotado para estabelecer o prazo inicial do termo da decadência (conhecimento real ou presumido do fato gerador pelo fisco), é preciso, primeiramente, ponderar que o CTN somente refere-se à decadência no art. 173, e não no art. 150.
Veja-se que Rubens Gomes de Souza, ao explicar que o termo inicial da decadência deveria levar em conta o conhecimento real ou presumido do fato, refere-se, inicialmente, aos arts. 138 e 139 de seu projeto anterior.
O inciso I e o parágrafo único do art 173 do CTN praticamente reproduziram as disposições do art. 138, §§ 1º e 2º, respectivamente, do projeto anterior, que traziam as hipóteses de conhecimento presumido e real do fato pelo fisco. Assim, as duas hipóteses aventadas estão no art. 173, sendo que o CTN não caracterizou, expressamente, a disposição do ar. 150, § 4º, como de decadência.
Ademais, o referido artigo estabelece a data do fato gerador como marco inicial, e não a do pagamento. Não há lógico critério para se afirmar que ambas se confundem.
Ora, à época da publicação do CTN, o IPI era, no âmbito federal, o típico exemplo de imposto sujeito ao lançamento por homologação. O fato gerador ocorria na saída do produto do estabelecimento (art. 46).
Assim, se houvesse sonegação por falta de emissão de nota fiscal, em um certo número de operações, o fato de haver pagamento antecipado em relação a um outro número delas não dava ao fisco conhecimento algum a respeito dos fatos omitidos. E, obviamente, o que deveria importar à decadência é o conhecimento do fato omitido, pois em relação aos declarados, em que as obrigações decorrentes tenham sido cumpridas, não há relevância para o lançamento do art. 149, V, do CTN.
Portanto, a conclusão de que o critério do conhecimento presumido ou real do fato gerador aplicar-se-ia também ao art. 150, § 4º, é precipitada. Parece que o CTN pretendeu impor aos casos do art. 150 um prazo fixo e independente do conhecimento do fato pelo fisco, somente adotando o critério do conhecimento real ou presumido do fato para os casos de dolo, fraude ou simulação.

A decadência nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação

Nos casos de dolo, fraude ou simulação, existe uma lacuna no ordenamento jurídico que tem que ser integrada. A norma de integração deve ser buscada inicialmente dentro do próprio subsistema jurídico em que estamos trabalhando. No caso, dentro do próprio Código é possível construir a norma de integração (art. 173). Como a norma complementar desempenha uma função de garantia dos contribuintes, não pode prosperar a interpretação de que não existe prazo para a homologação enquanto não for descoberto o dolo a fraude ou a simulação.


Distinção entre homologação tácita e expressa para efeito do lançamento de ofício

O art. 156, VII, do CTN diz que a extinção do crédito tributário opera-se pelo pagamento antecipado e pela homologação do lançamento, nos termos do art. 150 e seus parágrafos 1º e 4º.
Obviamente, o § 1º trata da hipótese de homologação expressa, explicitando os efeitos da ulterior homologação de lançamento sobre o pagamento antecipado.
Por outro lado, o § 4º trata da homologação tácita.
Não há que se combinarem os dois dispositivos, haja vista tratarem de situações distintas. O § 1º não precisa do § 4º para ter seus efeitos definidos, a não ser o prazo em que pode ser realizada a homologação. Excedido o prazo, os efeitos da norma do § 1º não podem mais ser produzidos. Deve-se, então, analisar a questão pelo que diz o § 4º.
À vista disso, a análise do § 4º é fundamental para se verificar que não há que se exigir o pagamento antecipado para ocorrer a chamada homologação tácita.
Em primeiro lugar, porque, como se disse, não se lhe aplica a disposição do § 1º.
Em segundo lugar, porque a única exceção prevista para que não ocorra a "extinção definitiva do crédito tributário" está no próprio § 4º: a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Não se pode alegar, ademais, que não poderia ocorrer a extinção do crédito sem o pagamento, posto que, na sistemática do CTN, a decadência também teria efeito de extinção de crédito (art. 156, V).
Portanto, é lógico que, sendo a homologação tácita uma modalidade de decadência, em princípio seria irrelevante a exigência de pagamento para caracterizá-la.
Mas o que é mais relevante é que as hipóteses que excluem a incidência da regra do art. 150, § 4º, que são o dolo, a fraude e a simulação, não se referem uma atividade de pagamento.
Ora, se se argumenta que o objeto e a hipótese típica do lançamento por homologação é o pagamento antecipado, seria totalmente irrelevante a conduta do sujeito passivo existente anteriormente ao ato do pagamento.
Entretanto, as condutas dolosas ocorrem certamente nas atividades que precedem o pagamento, representadas pela contratação de negócios, emissão de documentos fiscais, escrituração contábil e fiscal e declaração de obrigações tributárias.
Tais atos praticados pelo sujeito passivo são previstos em lei, e o sujeito passivo os pratica por lhe serem impostos. Se praticados regularmente, ocorrerá a apuração e o pagamento corretos dos tributos sujeitos ao regime do art. 150.
Entretanto, se o sujeito passivo decidir não pagar os tributos, terá que utilizar meio doloso, com o intuito de esconder a real dimensão da obrigação.
Essa é a prova de que a atividade que precede o pagamento antecipado é relevante para o lançamento por homologação.
Segundo a interpretação aqui exposta, somente se essa atividade for praticada com dolo, fraude ou simulação é que a decadência não poderá ser contada na forma do art. 150, § 4º.
Se o sujeito passivo simplesmente errar ou agir com culpa (em sentido estrito), então, independentemente de ter apurado valor a ser recolhido, a decadência opera-se pela regra do art. 150, § 4º.
Aliás, idêntico critério, em relação à prescrição, foi adotado pelo CTN no art. 155, parágrafo único. Se houver dolo do obrigado, a prescrição não corre. Em contrapartida, se houver apenas culpa, a revogação da isenção somente produzirá efeitos se realizada enquanto não houver ocorrido a prescrição.

A conduta da pessoa obrigada como verdadeiro critério para determinação do termo inicial do prazo decadencial

O art. 150 especifica que a lei poderá atribuir ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento, independentemente de ato da autoridade administrativa.
Obviamente, para fazê-lo, o sujeito passivo deverá obedecer às normas legais, emitindo os documentos fiscais, escriturando livros, declarando os valores apurados.
Fazendo isso, poderá ou não apurar tributo devido. Apurando tributo devido, poderá ou não efetuar o pagamento antecipado.
Assim, em princípio, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que o pagamento antecipado seria a hipótese típica do lançamento por homologação, poderiam surgir duas situações distintas.
A primeira, em que o sujeito passivo apura que nada deve, decorrendo a falta do pagamento antecipado da apuração de que não há obrigação. 
A segunda, em que o sujeito passivo apura valor a pagar, mas não paga, podendo ou não tê-lo declarado.
Portanto, o critério adotado pelo entendimento dominante é completamente casuístico, posto que a falta de pagamento antecipado pode resultar da lei (o sujeito passivo apura corretamente que nada deve), de conduta culposa ou de conduta dolosa do sujeito passivo. E todas as hipóteses dependem de uma atividade anterior ao pagamento antecipado.
Igualar todas essas situações é tratar de modo idêntico situações completamente distintas. O sujeito passivo ser imune ou isento, ou deixar de pagar o tributo em decorrência de uma dada interpretação da lei, ou declarar falsamente ser isento não correspondem a uma mesma situação.
Por isso, o critério isolado do § 4º, parte final, é muito mais lógico.
Em todas as situações descritas, o que é relevante é que o sujeito passivo não tenha agido dolosamente, hipótese em que o prazo decadencial irá ser determinado pelo art. 150, § 4º. Caso contrário, não se dá guarida à conduta dolosa do obrigado, pela incidência de um prazo decadencial mais extenso.

Hipóteses do lançamento de ofício quando não cabível a homologação expressa

A questão do objeto da homologação pode ser analisada a partir dos arts. 150, § 3º, e 149, V. O objetivo dessa análise será de constatar que o CTN somente admite a homologação da atividade, que incluirá o pagamento do valor apurado.
O art. 149, V, refere-se tanto a omissão, como a inexatidão. Assim, se houver pagamento a menor ou não houver pagamento algum, não haverá homologação. O que importa é que o resultado da apuração é que determina se o sujeito passivo deverá ou não efetuar o pagamento. Apurando valor positivo, deverá recolhê-lo. Caso contrário, não. 
Portanto, adotando-se um critério coerente, se a questão é estabelecer o que pode ser objeto de lançamento por homologação, à evidência, será aquilo que não poderá ser objeto do lançamento de ofício. Como tanto o pagamento a menor como a falta de pagamento implicaria o lançamento de ofício, se houvesse fiscalização dentro do prazo em que poderia ser realizada a homologação, então nunca seria aplicado, na prática, o prazo do art. 150, § 4º.
Se o tributo for recolhido corretamente, então não faz diferença que o prazo seja o do art. 150, § 4º, ou do art. 173, posto que nunca haverá o que lançar. Por outro lado, se houver pagamento parcial ou falta de pagamento, será o caso de lançamento de ofício, como previsto no art. 149, V. Assim, o prazo para o lançamento seria sempre o do art. 173, posto que as situações de falta de pagamento e pagamento a menor, segundo o CTN, não podem dar origem à homologação expressa.
Isso demonstra que a tese que prevalece no STJ é completamente ilógica, posto que o CTN equipara o pagamento parcial à falta de pagamento, para efeito do lançamento de ofício (art. 149, V). A autoridade fiscal não homologaria a atividade de que decorresse pagamento parcial, da mesma forma que não homologaria a de que não decorresse pagamento algum.
Portanto, na falta de pagamento integral, que depende de correta apuração e correto recolhimento, o prazo decadencial deve ser sempre o mesmo. O critério de existência ou não de pagamento é completamente contraditório com a previsão do art. 149, V.
Por sinal, uma análise mais cuidadosa do art. 149 permite concluir que há uma separação de situações, em relação aos casos do art. 150, para efeito de contagem do prazo decadencial.
Na hipótese de falta de pagamento ou pagamento a menor, decorrente de omissão na atividade do art. 150 ou de sua inexatidão, sem dolo, fraude ou simulação, o CTN prevê o lançamento no art. 149, V.
Já nos casos de conduta dolosa, o lançamento é previsto no art. 149, VII, situação correspondente à exceção prevista no art. 150, § 4º, última parte.
Dessa forma, o lançamento do art. 149, V, sujeita-se à decadência do art. 150, § 4º, e o do art. 149, VII, à do art. 173.
Isso ocorre porque o CTN não atribuiu eficácia jurídica à atividade do sujeito passivo, para os efeitos do art. 150 e parágrafos, quando aquele tenha agido com dolo, fraude ou simulação. É a isso que conduz a conjugação interpretativa dos arts. 150, § 4º, última parte, e 149, V e VII. 
Obviamente que o fato de ser o pagamento antecipado irrelevante para a determinação do prazo decadencial não implica a equiparação do procedimento de apuração do imposto a lançamento, posto que o fato é que toda a atividade do sujeito passivo, a não ser a dolosa, acaba legitimando-se pela expiração do prazo do art. 150, § 4º.
Portanto, não importa que ele se tenha omitido, ou que tenha agido com culpa em sentido estrito, ou que tenha apurado e recolhido corretamente o tributo. Expirado o prazo, nada mais poderá o Fisco fazer.
Assim, é óbvio que o objeto da homologação expressa é o resultado da apuração do contribuinte, não importando que tenha ele apurado ou não o tributo. A autoridade irá fiscalizar o sujeito passivo e declarará extinto o crédito tributário.

Isonomia, segurança jurídica e decadência

A aplicação do entendimento de que o pagamento seria necessário para aplicação do art. 150, § 4º, resultaria em ofensa ao princípio da isonomia, pois o parâmetro para aferição da isonomia, no caso, não poderia ser o resultado "pagamento", que pode ou não ser devido, mas o fato de o sujeito passivo ter agido conforme a regra do art. 150, caput. Ademais, o próprio art. 150, § 4º, estabelece o discrímen objetivo, que é a não existência de dolo, fraude ou simulação.
Não é difícil imaginar a situação em que o sujeito passivo que não apure tributo a ser recolhido resolva "errar" para apurar um valor simbólico de tributo, a fim de antecipar a ocorrência da decadência.
Poder-se-ia alegar que o sujeito passivo agiu com dolo. Mas, além de não se poder provar esse tipo de intenção, nessa situação específica, o dolo não teria por objetivo a sonegação do tributo, já que o obrigado assim teria agido apenas para antecipar o termo inicial da decadência.
Portanto, numa situação em que o Fisco entendesse ser devido tributo e o contribuinte entendesse não ser, bastaria que o contribuinte, para antecipar o termo inicial da decadência, apurasse algum valor positivo e o recolhesse, e os efeitos do entendimento dominante poderiam ser facilmente contornados.
A segurança jurídica, que está intrinsecamente relacionada com a decadência, é outro aspecto relevante a ser analisado.
A dependência de ocorrência de pagamento, que é possível ou não, ofende o princípio da segurança jurídica, posto que a regra da decadência deve ser objetiva, independendo do resultado da atividade não dolosa do sujeito passivo.
Somente não pode ter segurança jurídica, em relação a seus atos, aquele que age com dolo, fraude ou simulação. Quem age de acordo com a lei, ou mesmo cometendo erros, não pode sofrer o efeito da insegurança, posto que não se pode exigir dos contribuintes que conheçam e cumpram a lei da mesma forma que a Administração, que tem o dever de aplicá-la de ofício.
Portanto, o dever de cumprir a lei não pode ser atribuído da mesma forma ao administrado e à Administração. Essa tem o dever de conhecer e aplicar a lei de ofício. Aquele é induzido a cumprir a lei pelo poder coercitivo do Estado, o que não pode ser desprezado no caso do direito tributário.
Justifica-se, portanto, que a conduta culposa ou com erros do sujeito passivo seja irrelevante para determinação do termo inicial da decadência.

Declaração de informações e débitos, pagamento parcial e lançamento

No caso de o tributo ter sido declarado e não pago, não se tratará mais de decadência, mas de prescrição, uma vez que a declaração poderá servir de base à inscrição da dívida ativa.
Na falta de declaração e falta de pagamento, o lançamento é absolutamente necessário, mesmo que o sujeito passivo tenha apurado os valores devidos na escrituração, posto que seria impossível admitir-se a hipótese de o sujeito ativo ter de ajuizar ação de conhecimento contra o sujeito passivo.
Segundo James Marins, "a Administração Tributária detém a prerrogativa de promover a declaração administrativa (princípio da autotutela vinculada do ente tributante) do conteúdo da relação jurídica tributária, por intermédio do lançamento fiscal (...)". Assim, quando não puder inscrever o débito por inexistência de declaração, deverá efetuar o lançamento.
Entretanto, no caso de tributo pago e não declarado, não se haverá que lavrar auto de infração, uma vez que terá havido apenas descumprimento de obrigação acessória e, por óbvio, não terá a Fazenda interesse jurídico em apresentar ação de cobrança executiva. Ademais, o CTN não exige declaração para que a homologação expressa ou tácita ocorra.
Ademais, o sujeito passivo não poderá obter restituição se, deixando de declarar, efetuar o pagamento, e o prazo do art. 150, § 4º, expirar-se.
Na hipótese de falta de declaração e pagamento, caberá o lançamento, mesmo que tenha o contribuinte apurado o resultado na sua escrituração.
Isso, no entanto, não é argumento que contradiga a tese defendida, posto que a atividade do sujeito passivo, prevista no art. 150 do CTN, engloba a apuração e o pagamento. Na hipótese, haverá omissão do sujeito passivo em relação ao pagamento, que, quando cabível, é elemento da atividade. Cabível será o lançamento do art. 149, V.
Se, por outro lado, ocorrer o pagamento, sem que tenha havido apuração, dificilmente ocorreria a coincidência entre o valor recolhido e o efetivamente devido.
Na hipótese de recolhimento a menor, seriam aplicados os §§ 2º e 3º do art. 150. Assim, o pagamento, que teria por finalidade a extinção do crédito, não produziria tal efeito, mas seria considerado na cobrança do tributo devido e na imposição de penalidade.
Nas hipóteses de recolhimento exato ou a maior, aplicam-se, em linhas gerais, as mesmas conclusões, exceto pelo fato de não ser possível o lançamento de ofício, uma vez que a Fazenda não poderia cobrar do sujeito passivo aquilo que já recolheu. Nessa hipótese, a homologação é que legitimaria a pretensão da Fazenda sobre o valor recolhido, à vista de não haver, antes dela, qualquer indício de legitimidade, por não corresponder o pagamento efetuado a uma apuração decorrente da aplicação da lei. 

Esclarecimentos finais

Não se pode olvidar que o pagamento antecipado é parte da atividade exercida pelo sujeito passivo, que engloba o cumprimento das obrigações acessórias, a escrituração contábil e fiscal, a apresentação de declarações, enfim, a apuração do valor devido e, se for o caso, o pagamento. O que se insiste é em que a falta do pagamento antecipado pode resultar de hipóteses diversas, não sendo critério apropriado para a determinação do termo inicial do prazo de decadência.
Poderá faltar o pagamento em função de, da aplicação da lei ao caso concreto, nada ser devido. Nesse caso, a decadência não teria objeto, pois inexiste direito do Fisco.
Ou poderá faltar o pagamento em função de apuração com erro do sujeito passivo, por aplicação inadequada da legislação, erro na transcrição de valores, erro de cálculo, perda de documentos etc., ou por conduta dolosa. 
Da mesma forma, poderá ocorrer pagamento parcial por erro imputável ao sujeito passivo, ou por dolo.
Portanto, a existência de pagamento parcial é situação qualitativamente idêntica à de falta de pagamento, desde que não tenha havido dolo.
Daí concluir-se que o único aspecto relevante para efeito da decadência é o que se refere ao motivo do não pagamento, em relação ao comportamento doloso do sujeito passivo.
Tal comportamento refere-se, via de regra, a toda a atividade que do obrigado se possa esperar, desde a emissão de notas fiscais, passando pela escrituração e declaração dos débitos ao Fisco, até o pagamento.

conclusão

1) o lançamento por homologação ocorre nos casos em que a lei atribua ao sujeito passivo o dever de efetuar o pagamento do tributo, independentemente de qualquer ato do Fisco;
2) a falta de pagamento ou sua inexatidão implicam o lançamento do art. 149, V, do CTN;
3) a conduta dolosa do sujeito passivo implica o lançamento do art. 149, VII, do CTN;
4) a falta de pagamento antecipado ou sua inexatidão não é relevante para determinar a modalidade de lançamento;
5) havendo pagamento a menor ou falta de pagamento, caberá lançamento de ofício;
6) nesse caso, ocorrerá o lançamento por falta de cumprimento integral do dever do art. 150, aplicando-se a regra do art. 150, § 4º, para contagem da decadência;
7) somente nos casos de dolo, fraude ou simulação não poderá incidir a referida regra, aplicando-se a do art. 173.

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Notas:

1) DIREITO Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.

2) Do lançamento (Forense), p. 93.

3) Decadência em direito tributário.

4) Citado por Íris Sansoni op. cit. p. 16.
5) AÇÃO declaratória em matéria tributária - notas sob suas particularidades. ROCHA, Valdir de Oliveira. Problemas de processo judicial tributário, 4º volume. São Paulo, Dialética, 2000, ps. 147-65. P. 152.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Já é possível avaliar com mais rigor a mudança do ICMS

Valor Econômico - 19/12/2011

Os especialistas não têm dúvida de que a chamada "guerra fiscal" entre os Estados brasileiros, que dilapida as finanças estaduais e cria uma grande insegurança jurídica para as empresas, só acabará quando for mudada a atual forma de apropriação da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Hoje, no Brasil, o Estado que é exportador líquido (ou seja, que vende mais para os outros Estados do que importa) tem um maior quinhão na receita do ICMS. A razão é que a apropriação da receita desse imposto é feita, majoritariamente, na origem da mercadoria. As administrações estaduais procuram, por isso, atrair novos empreendimentos com incentivos fiscais.

A "guerra fiscal" chegou ao paroxismo nos últimos anos, pois algumas unidades da federação passaram a conceder incentivos a produtos importados que ingressarem no Brasil por seus portos, o que claramente prejudica as indústrias instaladas no país. É preciso, portanto, dar um basta a essa situação.

A mudança da cobrança do ICMS, da origem para o destino, foi tentada por vários governos, sem sucesso. Mas sempre faltou uma avaliação mais consistente dos efeitos dessa mudança nas finanças estaduais. Essa talvez tenha sido uma das razões para que essa discussão tenha emperrado no Congresso Nacional. Os governadores temem que suas eventuais perdas não sejam devidamente compensadas pelo governo federal, mesmo porque o ICMS é o principal tributo estadual.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) acaba de divulgar uma avaliação do impacto das mudanças nas alíquotas do ICMS nas transações interestaduais. O estudo ficou a cargo do economista Amir Khair, que contou com a colaboração de Ricardo Varsano, consultor do BID, e René de Oliveira e Sousa Júnior, funcionário do Ministério da Fazenda.

Eles puderam utilizar uma base de informação bastante abrangente, constituída por 1.663 milhões de Notas Fiscais Eletrônicas (NFE) das operações interestaduais emitidas de junho de 2010 até maio de 2011. Esses dados foram consolidados em planilhas, fornecidas pelo Ministério da Fazenda, que registraram as operações para todas as entradas e saídas mensais de cada unidade da federação ocorrida no período. Os economistas tiveram, portanto, a oportunidade de avaliar com maior rigor os efeitos que poderão ocorrer com a mudança do ICMS.

As conclusões desse trabalho serviram para desmontar alguns mitos, como o de que São Paulo seria o Estado que mais perderia com a mudança da origem para o destino, justamente por ter a maior base industrial do país e ser o maior exportador líquido entre as unidades da federação. O estudo do BID estima que São Paulo perderia 0,3% de receita de ICMS em relação à situação atual, caso a alíquota interestadual fosse reduzida e unificada em 2%. Essa perda é bem menor do que se imaginava.

O mais interessante foi verificar que se a alíquota caísse para 4%, o governo paulista até mesmo ganharia receita em relação à situação atual. As estimativas do estudo do BID são muito semelhantes às projeções feitas pelo Ministério da Fazenda às quais o Valor também teve acesso.

Oito Estados perderiam receita, de acordo com o estudo: Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Santa Catarina, Mato Grosso, Bahia e São Paulo. Os mais pobres, como Maranhão e Piauí, seriam os mais beneficiados com a mudança. O Rio de Janeiro, por sua vez, ganharia muito em qualquer das alternativas discutidas para as alíquotas interestaduais.

Como alguns Estados perderão com a mudança, a União terá que compensá-los. Na hipótese menos favorável, com alíquota interestadual única de 2% e prazo de transição de dez anos, o custo chega a R$ 84,2 bilhões, de acordo com o estudo. Esse valor corresponde aos aportes anuais de recursos do Tesouro Nacional durante a transição. Mas esse custo certamente será menor, pois não foi possível ao estudo abater das perdas dos Estados os incentivos concedidos por cada um deles.

Com o maior rigor na avaliação dos impactos da mudança no ICMS, permitido pelos dados das NFEs, resta agora ao governo da presidente Dilma Rousseff definir a proposta de reforma do ICMS que será encaminhada ao Senado, pois essa mudança poderá ser feita por uma simples resolução daquela Casa. Nunca o país esteve tão maduro para essa mudança.

Suspensa lei paraibana sobre exigência de ICMS em compras não presenciais

O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, com efeitos retroativos, a aplicação da Lei nº 9582, de 12 de dezembro de 2011, do Estado da Paraíba. Essa norma estabeleceu a exigência de parcela do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens a consumidor final, quando a aquisição ocorrer de forma não presencial, ou seja, por meio de internet, telemarketing ou showroom. Cabe ao Plenário do STF referendar ou não esta decisão.

A medida cautelar foi solicitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4705, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade argumenta a incompatibilidade do texto questionado com a Constituição Federal e, no mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade da norma questionada.

Alega violação do princípio da isonomia, na medida em que o cálculo do tributo devido passou a ser discriminado conforme a origem dos bens (artigos 150, inciso V, e 152). Sustenta contrariedade à partilha de competência tributária, “porquanto é o estado de origem o sujeito ativo do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadorias a não contribuinte do imposto, e o respectivo cálculo deve utilizar a alíquota interna” (artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea “b”).

O Conselho também argumenta quebra do princípio federativo, em razão de o Estado da Paraíba ter criado paradoxalmente “imposto de importação doméstico” incompatível com o pacto político exposto na Constituição (artigos 150, inciso “I” e 155, inciso “II”). Afirma a caracterização do uso de tributo com efeito confiscatório, causado pelo aumento imprevisível da carga tributária (artigo 150, inciso IV). E, por fim, falta de competência para tributar simples operações de circulação de bens, classe que compreende as mercadorias, mas a elas não se limita (artigo 155, inciso II).

Concessão

Em caráter excepcional, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, examinou o pedido de medida cautelar tendo em vista a “gravidade do quadro narrado e da proximidade do recesso nesta Suprema Corte”. Segundo ele, a matéria exposta na presente ação direta é análoga à medida cautelar pleiteada e concedida nos autos da ADI 4565.

“É impossível alcançar integração nacional sem harmonia tributária”, ressaltou o ministro. “Adequado ou não, o modelo escolhido pelo Constituinte de 1988 para prover essa harmonia e a indispensável segurança jurídica se fixou na ‘regra da origem’ (artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal)”, completou.

De acordo com o relator, “o Confaz ou cada um dos estados-membros singelamente considerados não podem substituir a legitimidade democrática da Assembleia Constituinte, nem do constituinte derivado, na fixação dessa regra”. “Por outro lado, além da segurança jurídica institucional, a retaliação unilateral prejudica o elemento mais fraco da cadeia de tributação, que é o consumidor”, afirmou.

O ministro salientou que, em princípio, os comerciantes têm alguma flexibilidade para repassar o aumento da carga tributária aos consumidores, mediante composição de preços. Porém, nem todos os consumidores serão capazes de absorver esses aumentos. “Aqueles que o fizerem terão ainda de enfrentar um obstáculo com cuja validade não me comprometo, imposto pela conjugação da regra do art. 166 do CTN com a legitimidade ativa para pedir a restituição dos valores pagos indevidamente”, disse. “Como a pessoa que suportou a carga econômica do tributo não tem legitimidade para pleitear a restituição, e se costuma exigir dos vendedores a obtenção de autorizações individuais dos consumidores para formulação desse pedido, a tendência é que o recolhimento indevido se torne fato consumado de dificílima reversão”, ressaltou o relator.

Ao considerar que o caso apresenta de forma evidente os requisitos que autorizam a concessão de medida cautelar [fumaça do bom direito e perigo na demora], o ministro Joaquim Barbosa deferiu o pedido, a ser referendado pelo Plenário, para suspender ex tunc [com efeitos retroativos] a aplicação da Lei 9.582/2011, do Estado da Paraíba, com base no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.868/99 [Lei das ADIs].

A medida liminar concedida, conforme o ministro, não impede que o Estado da Paraíba exerça seu poder de fiscalização, “destinado a apurar os créditos tributários que julga serem válidos, para evitar suposta decadência”. “Esse exercício deverá ocorrer em prazo módico e com instrumentos razoáveis e proporcionais, de modo a não caracterizar sanção política”, finalizou o relator. 

EC/EH

domingo, 18 de dezembro de 2011

Tributação desigual e miséria, saldos da hegemonia neoliberal

Sistemas tributários favoráveis aos ricos são herança da fase de hegemonia neoliberal no mundo, consolidada a partir do final dos anos 1970. Houve ampliação do fosso entre ricos e pobres e aumentou a miséria e a fome no mundo, em pleno século XXI, quando a humanidade dispõe de meios técnicos e recursos para erradicá-las definitivamente. É o mundo do “capitalismo puro”, forjado pelo neoliberalismo em ação. O artigo é de Hideyo Saito, publicado no site www.cartamaior.com.br em 20/04/2010.

*Hideyo Saito

Apesar de aplaudir os avanços no combate à pobreza e à fome no Brasil desde o início do governo Lula, em 2002, recente relatório da ONU apontou para a necessidade de um sistema tributário progressivo, para que o país possa se livrar dessas mazelas de forma definitiva. O diagnóstico foi elaborado pelo relator especial das Nações Unidas contra a Fome, Olivier De Schutter, que se declarou impressionado pelo grau de compromisso e pela diversidade dos esforços realizados para melhorar a situação. Mas o fulcro da questão, segundo analisou, é que os problemas sociais brasileiros estão sendo enfrentados com recursos obtidos principalmente das camadas mais pobres da sociedade, justamente por causa da tributação desigual.

De acordo com a visão expressa no relatório da ONU, uma reforma tributária progressista é tão imprescindível quanto outras transformações estruturais que incidem sobre a concentração da riqueza e da terra no país. Citando dados do próprio governo, lembra que famílias com receita até dois salários mínimos pagam aproximadamente 46% a título de impostos indiretos (isto é, embutidos nos preços de bens e de alguns serviços), enquanto as que têm renda superior a 30 salários mínimos arcam com apenas 16%. Apesar da vergonhosa concentração da terra agricultável – apenas 47 mil grandes propriedades ocupam 43% de todo o espaço disponível, enquanto 2,4 milhões ficam com apenas 2,5% – o Imposto Territorial Rural arrecada apenas 0,01% do PIB. “O sistema tributário regressivo limita seriamente o impacto redistributivo desses programas [sociais]”, sublinha o relatório da ONU.

A desigualdade tributária em favor dos ricos é um dos saldos da fase de hegemonia neoliberal no mundo, imposta a partir do final dos anos 1970. Não é casual que os próceres dessa corrente, como entre nós o ex-ministro e ex-senador Roberto Campos, por exemplo, pregaram incansavelmente contra a tributação da renda e do capital. O país só poderia crescer se conseguisse atrair capital, oferecendo-lhe mais vantagens numa competição sem quartel com outros países subdesenvolvidos. Seguindo essa política de leilão ao contrário, o governo FHC derrubou tributos para investimento estrangeiro na bolsa de valores, eliminou quaisquer diferenças no tratamento dado ao capital externo, em relação ao capital nacional, e congelou a aprovação do Imposto sobre Grandes Fortunas, que ele mesmo havia proposto quando senador. É verdade que nessa gestão a carga tributária teve enorme crescimento, mas sempre reforçando unicamente os tributos indiretos. Trata-se de assunto pouco grato à mídia oligopólica, mas que se torna cada vez mais visível como fator fundamental para que, naquele período de “pensamento único”, aumentasse a brecha entre países ricos e países pobres, bem como a desigualdade social dentro de cada um. Exatamente ao contrário do que prometia a cartilha do fundamentalismo de mercado.

Como a tributação regressiva minou as finanças gregas
De fato, um aspecto dos mais relevantes (e mais ignorados) da crise de dívida pública da Grécia é que seu sistema tributário é bastante regressivo e que, além disso, a sonegação dos setores mais abastados é muito elevada, como mostraram artigos recentes do Le Monde Diplomatique. Segundo o ministério das Finanças, em 2008 os profissionais liberais gregos declararam ao fisco uma renda anual média de pouco mais de € 10 mil, enquanto empresários e comerciantes admitiram receita de € 13 mil. Em contraste, os trabalhadores e aposentados informaram recebimento de € 16 mil. A evasão fiscal provoca um rombo de € 20 bilhões anuais na receita pública, sem considerar a renúncia fiscal representada pela regressividade do sistema (1). O resultado é que, para financiar suas atividades, o Estado é obrigado a apelar para que credores privados adquiram títulos do tesouro. Ora, os que vêm a ser credores são justamente os cidadãos das classes mais abastadas, que cobram juro para emprestar ao governo o dinheiro que este deixou de recolher por causa da sonegação e de um sistema tributário exageradamente benevolente em relação ao rico!

Esses mesmos setores dominantes, não satisfeitos, empenham agora seu poder em impor ao governo do Pasok (movimento socialista pan-helênico) a adoção de um pacote de ajuste fiscal ao gosto do neoliberalismo, com redução de salários do funcionalismo e de aposentadorias e pensões, além de cortes drásticos em políticas sociais e nos investimentos públicos. Tudo isso certamente agravará a recessão e a situação dos trabalhadores do setor privado, que já sofrem um desemprego da ordem de 10,6% (índice oficial) ou 18%, conforme outras fontes. Evidentemente, eles se contrapõem ao aumento da tributação direta sobre a renda, o patrimônio e a herança, que seria parte de um programa “natural” de solução, conforme preconizam os economistas franceses Laurent Cordonnier e Frédéric Lordon. Para o primeiro, isso “equivaleria a suprimir essa espécie de direito censitário da era neoliberal, que consiste em deixar às classes mais abastadas a livre escolha de como aplicar o excedente de ganhos não consumíveis: destinar esses fundos ao pagamento de impostos ou aplicá-los no mercado financeiro, para financiar a dívida pública”. Segundo Cordonnier, a elevação da carga tributária para os mais ricos seria como exigir deles o pagamento de impostos atrasados, de que ficaram livres há pelo menos 20 anos, período em que ainda receberam juros do governo sobre o dinheiro assim poupado (2).

Maior fosso entre ricos e pobres da história dos EUA
Outra manifestação no mesmo sentido teve como pano de fundo a realidade dos Estados Unidos, onde os números também indicam a existência de regressividade tributária. Segundo o jornalista Les Leopold, do Huffington Post, a carga marginal de impostos incidente sobre rendimentos a partir de US$ 3 milhões anuais caiu de 91% nos anos 1950 para apenas 28% nos 90 (3). Max Castro, do Progreso Semanal, menciona números recém divulgados pelo Internal Revenue Service (a Receita Federal dos EUA), segundo os quais os 400 estadunidenses mais ricos, que tiveram receita média de US$ 345 milhões em 2007, pagaram apenas 16,6% de impostos. Foi a tributação real mais baixa desde 1962. Em conseqüência, a receita desses bilionários aumentou 31% naquele ano, em comparação com 2006 (4). Leopold acrescenta que os altos executivos do setor financeiro receberam aproximadamente US$ 150 bilhões em bônus, “como se fossem uma recompensa por quebrarem a economia”. Em 1970, a diferença de ganho de 100 presidentes (CEOs) de grandes corporações em relação ao trabalhador médio foi de 45 para um. Em 2008 havia subido para 1.071 para um. “O fosso entre ricos e pobres é maior hoje do que em qualquer momento da história dos EUA”, assegura o jornalista.

Os sucessivos cortes de impostos desde o final da década de 1970 foram apresentados como indispensáveis para que houvesse mais investimentos produtivos, mais empregos e mais prosperidade no país. Mas a renúncia fiscal – sublinha o jornalista – transformou-se em especulação em Wall Street, gerando sucessivas “bolhas” financeiras. Os ganhos do setor financeiro, que correspondiam a cerca de 15% do total dos lucros gerados na economia dos EUA em 1960, passaram a representar quase 40% em 2008 (antes do desastre). Em resumo, “o setor financeiro quebrou [e quebrou o país] como resultado direto da redução de impostos para os super-ricos e a desregulamentação de Wall Street”, denuncia. Agora, trata-se de fazer o trajeto contrário, não apenas impondo uma regulação do setor financeiro de interesse da sociedade, mas também um sistema progressivo de tributos, que seja capaz de promover uma redistribuição da renda e da riqueza.

Panorama semelhante é traçado pelo jornalista do The Wall Street Journal,Robert Frank, em um livro que conta como vivem os multimilionários estadunidenses, cujo número cresceu exponencialmente a partir dos anos 1990. Ele diz que a política tributária teve papel importante nesse boom, ao se tornar cada vez mais favorável aos ricos. “A alíquota máxima do imposto de renda federal caiu de 91% em 1963 para 35% em 2007. A taxa máxima do imposto sobre ganhos de capital de longo prazo – lucros com ações, títulos e outros direitos financeiros – caiu de 20 para 15% nos últimos cinco anos. Atualmente, o imposto máximo sobre a maior parte dos dividendos é de 15%, quando em 2002 era de 38,6%”, escreve. De acordo com Frank, o Centro de Política Tributária do já mencionado IRS calcula que 80% da renúncia fiscal do governo Busch beneficiou os 10% mais ricos da população, sendo que quase um quinto foi colhido por um décimo do 1%, que constitui o universo dos multimilionários (5).

Apesar de tão clara situação, qualquer política redistributiva continua a ser um anátema nos Estados Unidos. Leopold lembra que o assuntou rendeu muitas críticas a Barack Obama durante a campanha eleitoral, quando foi acusado de querer “punir o sucesso”, ao defender um sistema tributário progressivo. Da mesma forma, a recente reforma do setor da saúde rendeu uma fortíssima campanha contra Obama, que chegou a ser acusado de querer arrastar o país ao comunismo, porque, entre outras coisas, aumentou em 0,09% o imposto de contribuintes com renda superior a US$ 250 mil para financiar o Medicare (assistência médica) (6). Enquanto isso, um grupo de trabalho criado pelo governo dos Estados Unidos para estudar uma estratégia de segurança nacional para o país, conhecido como “Seminar 11”, concluiu que o ponto mais vulnerável do país é a economia, que está caminhando para o desastre. Seu relatório, divulgado em março último, considerou alarmantes o déficit público próximo de US$ 1 trilhão e a perspectiva de que a dívida pública mais que dobre até 2020. Mesmo assim, as recomendações do grupo incluem, sobretudo, corte de benefícios sociais, especialmente os ligados à previdência e ao Medicare.

A outra face da moeda: aumenta a fome no mundo 
Ampliando o foco, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), assumidos no ano 2000 pelos países-membros da ONU para reduzir a pobreza extrema e a fome no mundo até 2015, estão prestes a fracassar, segundo reconheceu o informe apresentado à Assembléia-Geral da organização pelo secretário-geral, Ban Ki-Moon. O documento diz que a pobreza extrema (pessoa que vive com menos de um dólar por dia) caiu de 1,8 bilhão de vítimas em 1990, para 1,4 bilhão em 2005, mas a maior parte da redução se registrou na China. Quando se desconsidera esse país, a pobreza extrema no mundo aumentou, com o aparecimento de 36 milhões de novos miseráveis no mesmo período. O número de pessoas que passam fome cresceu de 842 milhões em 1990 para 1,02 bilhão em 2009, resultado, em boa parte, da alta dos preços dos alimentos nos últimos três anos e da crise financeira e econômica do capitalismo (7). Desses, 642 milhões vivem na Ásia e no Pacífico; 256 milhões na África subsaariana; 53 milhões na América Latina e no Caribe; 42 milhões no Oriente Médio e norte da África; e 15 milhões nos países ricos (8).

Um estudo produzido por especialistas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e do Programa Mundial de Alimentação (PMA), também da ONU, mostra que a fome se expandiu de forma significativa entre 2004 e 2007. Nada menos que 31 países e 195 milhões de crianças padecem de fome crônica. A perspectiva é de piora desse cenário catastrófico, com novas quedas de safras e consequente aumento de preços no mercado internacional, como resultado do aquecimento global. As classes dominantes mundiais continuam insensíveis ao assunto, como mostra a ausência de representantes graduados do G8 e dos demais países desenvolvidos na Reunião sobre Segurança Alimentar, realizada em Roma de 16 a 18 de novembro último. Estiveram presentes cerca de 60 chefes de estado de países do terceiro mundo (9). No final do encontro foi divulgado um melancólico comunicado que manifesta o compromisso dos governos de lutar para que não aumente o número de famintos e de miseráveis no mundo.

Dois dias antes da reunião, antevendo seu fracasso, o diretor geral da FAO, Jacques Diouf, começou um jejum para alertar para a urgência de se adotar medidas “para dar um fim à vergonha da fome”, mais intolerável do que nunca, porque a humanidade conta com meios técnicos e com recursos para eliminá-la definitivamente. Por fim, uma pesquisa efetuada em 2009 por especialistas das universidades de Stanford e de Washington sustenta que, sem uma sistemática redistribuição dos resultados econômicos, o final do século XXI verá a metade da população mundial sofrendo os efeitos da crise alimentar, que será agravada por problemas resultantes do efeito do aquecimento global sobre as regiões tropicais e subtropicais do mundo(10).

Um último lembrete cabível é que o mundo que não consegue acabar com a fome, ou sequer reduzi-la de forma consistente em pleno século XXI, é o mundo do “capitalismo puro”, forjado pelo neoliberalismo.

(*) Hideyo Saito é jornalista

(1) Niels Kadritzke. A Grécia é a bola da vez. Le Monde Diplomatique Brasil, março/2010.

(2) Laurent Cordonnier. Banco Central Europeu – Rumo à falência. Le Monde Diplomatique Brasil, março/2010; Frédéric Lordon. A urgência do contrachoque. Le Monde Diplomatique, março/2010.

(3) Les Leopold. Por que estamos com medo de taxar os super-ricos? Huffington Post, 12/03/2010. http://www.huffingtonpost.com/les-leopold/why-are-we-afraid-to-tax_b_496302.html


(5) Robert Frank. Riquistão. Tradução Alessandra Mussi. Manole: Barueri (SP), 2008, pp. 42-43.

(6) Walter Pincus (The Washington Post). Segurança dos EUA começa na economia. O Estado de S. Paulo, 14/04/2010.

(7) Víctor M. Carriba (Prensa Latina).Objetivos del Milenio: el fracaso. Contralínea, 04/04/2010. http://contralinea.info/archivo-revista/index.php/2010/04/04/objetivos-del-milenio-el-fracaso/.

(8) Katia Monteagudo (Prensa Latina). Un mundo de hambre. Contralínea, 28/03/2010. http://contralinea.info/archivo-revista/index.php/2010/03/28/un-mundo-de-hambre/.

(9) Ernesto Montero Acuña (Prensa Latina). Alarma por el hambre. Contralínea, 13/12/2009. http://contralinea.info/archivo-revista/index.php/2009/12/13/alarma-por-el-hambre/.

(10) Ernesto Montero Acuña (Prensa Latina). Siglo de explosión demográfica y hambruna mundial. Contralínea, 21/02/2010.

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